Gravações secretas revelam: ministros sabiam e foram coniventes com torturas na ditadura

Doutrina de Segurança Nacional deu bases à Lava Jato, diz criador de portal com mais de 10 mil horas de áudios de julgamentos pelo Superior Tribunal Militar

(Foto: Arquivo Nacional)


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Diálogos do Sul, via Opera Mundi - “Greve de fome é voluntária. Quer fazer greve de fome, abre vaga no presídio”. Essa afirmação foi feita por um ministro do Superior Tribunal Militar (STM) em 1º de dezembro de 1977, quando o colegiado discutiu a greve de fome realizada em protesto às condições desumanas impostas a dois detidos no Recife (PE).

Essas e outras declarações realizadas durante os julgamentos secretos de presos políticos da ditadura militar brasileira e, a partir desta sexta-feira (31), estão disponíveis no portal "Voz Humana - Os Arquivos Sonoros dos Presos Políticos".

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O site, lançado pelo advogado Fernando Augusto Fernandes, contém mais de 10.000 horas de gravações de julgamentos secretos de presos políticos da ditadura militar brasileira entre 1975 e 1979.

O material obtido no STM comprova que os ministros sabiam que as confissões de presos políticas eram obtidas mediante tortura. O fato fica evidente a partir do julgamento de oito estudantes em 2 de março de 1977, acusados de serem comunistas. Eles foram absolvidos, mas antes do julgamento foram presos e torturados. Os áudios revelam que os ministros tinham conhecimento de como as confissões haviam sido obtidas, como aponta a Rádio Nacional.

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Os áudios trazem um rico material para pesquisa e análises do regime de exceção brasileiro. Com relação aos áudios referentes à greve de fome, é possível ainda vislumbrar o sarcasmo com o qual os ministros tratavam a questão humanitária. Na ocasião, um ministro, cuja voz não é identificada, disse que a greve de fome deveria ser estimulada para liberar “mais vagas no presídio”.

 Entre risadas dos colegas, a “proposta” foi incentivada. “Greve de fome é voluntária. Quer fazer greve de fome, abre vaga no presídio”, respondeu outro ministro.

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Para Fernandes, a postura nunca punida dos militares abriu caminho para as execuções sumárias que são realizadas nas periferias brasileiras e encontra como herança, inclusive, a “operação lava jato” e suas práticas de perseguição política.

Confira breve entrevista com o autor:

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Como surgiu a ideia de lançar um portal com arquivos secretos de julgamentos durante a ditadura militar?
O projeto iniciou há 26 anos, já foram publicados dois livros, realizados dois julgamentos no Supremo Tribunal Federal [STF], mas chegou ao momento de democratização do acesso ao material, por isso um portal.

Qual foi a descoberta mais surpreendente a partir desse material?
O material tem 10 mil horas e muitos julgamentos inéditos. É um mar de pesquisa. Vários já compõem o blog.

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Dez mil horas de gravação representam um conteúdo muito robusto. Já tem alguma ação para fazer o tratamento desses dados? Alguma universidade foi procurada para algum tipo de parceria?
Fazemos um longo trabalho junto ao laboratório Cidade e Poder coordenado pela Professora Gizlene Neder na UFF [Universidade Federal Fluminense].

É possível afirmar categoricamente que os ministros tinham conhecimento sobre as torturas? Se sim, cabe algum tipo de punição? E ao Estado brasileiro?
Os ministros militares do STM tinham conhecimento e se referiam às torturas. E mais que isso, [tinham conhecimento] de que as torturas se institucionalizaram como método além dos crimes políticos, como assalto a banco. O arquivo sonoro e secreto não tem os filtros do material escrito e por isso é revelador.

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É possível traçar alguma relação entre a doutrina de segurança nacional e a operação Lava Jato? Como reverter isso para evitar novos casos de Lawfare no país?
O livro Geopolítica da intervenção: A verdadeira história da Java Jato faz essa ligação entre a doutrina de segurança nacional e a ‘Lava Jato’. O livro Voz Humana: A defesa perante os Tribunais da República conta a defesa de presos políticos e a publicação Poder & Saber – Campo Jurídico e ideologia revela a estrutura ideológica que cindiu o direito da história e criaram esses quadros a-históricos do poder, seja do golpe, seja da Lava Jato.

O senhor pediu ao STF que forneça o acesso a TODAS as gravações de julgamentos desde a década de 1970. Como está a tramitação?
Recentemente entramos no STF com a prova que apesar de duas ordens do Supremo ainda existe material escondido. Isso após 26 anos! O pedido está aguardando a ministra Carmem Lúcia decidir.

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