EUA provam na Ucrânia que esqueceram as lições do Vietname, diz James Carden

Todas as guerras “de sucesso” tornaram-se derrotas maiores para os EUA e os seus aliados ocidentais

(Foto: Reuters | Reprodução)


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Publicado originalmente no Brave New Europe em 26.01.23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Por James W. Carden

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Sexta-feira, 27.01.23, marca os 50 anos desde as assinaturas dos Acordos de Paz de Paris por representantes dos EUA, do Vietname (então) do Norte e do Sul, o que efetivamente acabou com a participação estadunidense no conflito civil vietnamita. O estudioso de relações internacionais da Georgetown University Charles Kuphan chama de “impulso isolacionista” foi um “retorno significativo em resposta à Guerra do Vietname, a qual tensionou severamente o consenso liberal internacionalista”.

Como assinala o historiador da Guerra Fria Lamberton Harper, o conselheiro militarista de segurança nacional do presidente Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinzki (nascido na Polônia) desprezou o seu rival no governo — o cauteloso e cavalheiresco Secretário de Estado Cyrus Vance — como “um homem agradável, porém queimado no Vietname”. Efetivamente, Vance e muitos da sua geração carregavam com eles uma profunda desilusão com o resultado do Vietname, o qual modelou a sua abordagem ao mundo. Por pouco tempo, a “Síndrome do Vietname” (forma abreviada para a cautela e suspeita sobre intervenções estrangeiras desnecessárias e insuportáveis) ocasionalmente informava a política nos níveis mais altos e se manifestou na promulgação da Doutrina de Wienberger e Powell, a qual, pelo menos em teoria, foi estruturada como uma espécie de pausa nas aventuras militares desnecessárias.

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Porém, apenas alguma horas após a conclusão com sucesso da Primeira Guerra do Golfo, o presidente George H.W. Bush declarou: “Meu Deus, nós chutamos para fora de uma vez por todas a Síndrome do Vietname”.

E como Bush a chutou: Nas décadas após o seu pronunciamento de 1991, os EUA têm estado em guerra de uma forma ou outra (seja como beligerante oficial ou como cobeligerante não-oficial — como é o caso com o envolvimento na guerra da Arábia Saudita, no Iêmen e na Ucrânia) — em 30 dos 32 anos seguintes.

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A atmosfera política e nas mídias que prevalecem atualmente em Washington torna excessivamente difícil acreditar que uma coisa como uma “Síndrome do Vietname” alguma vez tenha existido. Efetivamente, a maneira pela qual o presidente Joe Biden tem tratado da guerra na Ucrânia tem sido recebida com uma aprovação arrebatadora no establishment das mídias de Washington, recebendo aclamações dos suspeitos usuais.

Mas que tipo de sucesso é este, na verdade, quando a coisa toda poderia ter sido evitada através de um engajamento diplomático criterioso? Teremos realmente que acreditar que uma guerra que resulta, até agora, em 200.000 mortos e 8 milhões de pessoas deslocadas das suas casas valeu uma promessa vazia da Ucrânia se tornar membro da OTAN?

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Porquanto a guerra esteja atualmente num impasse, as mídias de legado (comerciais) e vários cabeças-de-think-tanks publicam garantias regulares de progresso contínuo no campo de batalha e uma vitória para breve.

  • Escrevendo no Journal of Democracy em setembro passado, o cientista político Francis Fukuyama, autor do livro ‘The End of History and The Last Man’, exultou: “A Ucrânia vencerá. Slava Ukraini!”
  • A repórter do Washington Post Liz Sly contou aos leitores em janeiro de 2023 que “Se 2023 continuar como começou, há uma boa probabilidade que a Ucrânia será capaz de realizar a promessa de Ano Novo do presidente Volodymyr Zelenski de retomar toda a Ucrânia até o final do ano — ou pelo menos de um território suficiente para acabar definitivamente com a ameaça russa — dizem autoridades e analistas ocidentais”. 
  • Uma reportagem da revista Newsweek de outubro de 2022 informou aos leitores através do ativista Ilya Ponomarev, um ex-membro do parlamento russo, que “a Rússia ainda não está à beira da revolução... mas não está longe dela”.
  • O Professor da Universidade Rutgers Alexander J. Motyl concorda. Em um artigo de janeiro de 2023 para a revista Foreign Policy intitulado ‘It’s High Time to Prepare for Russia’s Collapse’, Motyl condenou como “assombroso” o que ele acredita ser uma “quase-total ausência de qualquer discussão entre políticos, fazedores de políticas, analistas e jornalistas sobre as consequências de uma derrota para a Rússia... considerando o potencial de um colapso e a desintegração da Rússia”.
  • Também no início de janeiro, o ex-chefe do Exército dos EUA na Europa, o Tenente-General Bem Hodges disse ao Euromaidan Press que “A fase decisiva da campanha… será a libertação da Crimeia, As forças ucranianas passarão muito tempo nocauteando ou interrompendo as redes logísticas que são importantes para a Crimeia… Esta será uma parte crítica que leva ou estabelece as condições para a libertação da Crimeia, que eu espero que será terminada até o final de agosto”. 

Como Gore Vidal gracejou uma vez, “Há poucas tréguas para um povo tão rotineiramente — e tão ferozmente — desinformado”.

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Conspícuo pela sua ausência naquilo que passa por um discurso de política exterior na capital dos EUA é a questão dos interesses estadunidenses: Como a alocação de vastas somas para um regime incrivelmente corrupto em Kiev pode beneficiar materialmente de qualquer maneira os estadunidenses comuns? Será que a imposição de um nacionalismo galiciano estreito e sectário sobre toda a Ucrânia pode ser do interesse dos EUA? Será que o prolongamento da guerra por procuração entre a OTAN e a Rússia fazer avançar os interesses de segurança europeus e estadunidenses? 

Na verdade, as lições do Vietname foram esquecidas há muito tempo. A geração que compõe a maioria das fileiras das mídias e do establishment político de Washington, atualmente, se tornaram adultos quando o Vietname já estava no retrovisor. Hoje em dia, os ousados intervencionistas liberais da equipe do governo Biden apareceram nos anos de 1990, quando era comumente pensado que os EUA não fizeram o suficiente, notavelmente na Bósnia e em Ruanda. Como tal, e quase sem exceções, eles apoiaram todas as desventuras dos EUA no exterior desde 09.11.2001 (ataques às torres-gêmeas em NYC).

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Apesar de ser muito temporária, a cautela que derivou da “Síndrome do Vietname” atualmente está totalmente ausente nos corredores do poder na Washington de Joe Biden. A Síndrome do Vietname foi efetivamente chutada: morta e enterrada.

Mas poderemos lamentar o seu passamento muito em breve.

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