Cabo Verde celebra 48 anos de independência

A luta do povo cabo-verdiano pela libertação nacional se inseriu num quadro maior de resistência de povos subjugados e oprimidos, cuja forte cooperação permitiu grandes êxitos

Amílcar Cabral
Amílcar Cabral (Foto: Fundação Amílcar Cabral )


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José Pedro Faya, de Lisboa, 247 - O país celebra hoje 48 anos de independência, declarada no dia 5 de julho de 1975. A independência do país foi conquistada após anos de resistência contra o colonialismo português e uma dura guerra colonial iniciada no país em 1963. Esta luta esteve intimamente ligada à luta dos restantes povos africanos, à luta do povo português, e às lutas de outros povos ao redor do mundo, tornando-se um símbolo da solidariedade internacionalista, unindo diferentes povos contra o inimigo comum: o colonialismo, o imperialismo e o fascismo.

O colonialismo e a luta de libertação nacional

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Um arquipélago localizado na costa oeste da África, Cabo Verde começou a ser povoado no início do século XV, quando os portugueses iniciaram a ocupação, aproveitando a sua posição estratégica nas rotas entre a África, Europa e a América. O arquipélago torna-se um importante ponto de comércio e de tráfico de escravos. A população cabo-verdiana passou ser formada por europeus livres, escravos da costa africana, e um número cada vez maior de mestiços, e o crioulo se tornou a principal língua falada pela comunidade que surgiu.

Durante os séculos seguintes, Cabo Verde foi administrado como uma colônia portuguesa. Boa parte da população local era submetida ao trabalho forçado, ao passo que os colonizadores exploravam, para além da mão de obra escrava, os recursos naturais e o potencial estratégico das ilhas. A escravidão foi abolida no final do século XIX, o que, entretanto, não libertou a população dos duros trabalhos, da miséria, e da exploração colonial.

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A partir do século XIX, começa a surgir um movimento de resistência e luta pela independência em Cabo Verde, assim como uma afirmação cada vez maior da identidade africana e cabo-verdiana, em contraposição à pertença à nação portuguesa. A luta pela libertação de Cabo Verde se vinculou à luta pela libertação da Guiné-Bissau, também colônia de Portugal na altura.

A luta cabo-verdiana e guineense se intensifica nas décadas de 1950 e 1960, com uma crescente tomada de consciência da necessidade de se libertar do domínio colonial, assim como a adoção de estratégias cada vez mais desenvolvidas e conscientes e de uma agenda política avançada com o fim de atingir este objetivo, sendo a criação do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) um ponto de viragem para o reforço da marcha para a independência, processo no qual se destacaram nomes como o de Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral. 

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Numa nação assolada por sucessivas crises, fome, pobreza e repressão, o PAIGC, ainda na clandestinidade, participa em importantes lutas e greves, como a greve dos trabalhadores do porto de Pidjiguiti em 1959, que culminou no incidente que ficou conhecido como Massacre de Pidjiguiti, onde as forças portuguesas abriram fogo contra os grevistas matando cerca de 50 pessoas. Este massacre tornou claro para o PAIGC e para boa parte da população que a retirada das tropas portuguesas e a independência da Guiné e de Cabo Verde não seria conquistada de forma pacífica.

Em 1962, o PAIGC começa a luta armada contra a ocupação, visto que a via pacífica falhou. Os combates se concentram na Guiné continental devido as dificuldades de desenvolver a luta armada nas ilhas de Cabo Verde, o que não impediu, no entanto, Amílcar Cabral e o PAIGC de desenvolver uma intensa atividade clandestina e diversas ações de sabotagem contra as tropas portuguesas nas ilhas. Em 1963 Cabral declara guerra contra Portugal, lançando ainda no início deste ano um ataque à fortaleza portuguesa de Tite, assim como vários outros ataques contra as forças colonizadoras pelo país, conquistando e libertando territórios.

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O Partido realiza em 1964 o seu primeiro congresso na região libertada de Cassacá, onde decidem formar um exército regular, as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP) que iriam combater em articulação com as forças guerrilheiras. Ao longo dos anos seguintes, o PAIGC travou uma longa resistência armada contra o colonialismo português, confrontos estes que fizeram parte da Guerra Colonial Portuguesa, na qual os movimentos independentistas de outras nações colonizadas por Portugal também participaram, alguns dos quais colaboraram com os resistentes guineenses e cabo-verdianos.

A guerra continuou, a crise e os confrontos se aprofundaram, e em 1967 o PAIGC já controlava cerca de dois terços do território da Guiné-Bissau. Em 1968, o presidente do Conselho de Ministros de Portugal, António Oliveira Salazar, nomeia António de Spínola o novo governador da colônia e reforça os esforços para combater a resistência. Apesar da grande superioridade numérica das tropas portuguesas, para além da posse muito maior de recursos, o PAIGC manteve o controle de maior parte do território libertado, e a continuação da guerra causou graves défices orçamentais para Portugal e uma drástica queda na produção, para além de um número significativo de baixas.

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Em 24 de setembro de 1973, na I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, presidida por Luís Cabral, na região libertada de Madina de Boé, a independência da Guiné-Bissau é declarada unilateralmente. No dia 25 de abril de 1974, a Revolução em Portugal derruba o Estado Novo, e a 26 de agosto é assinado o Acordo de Argel, no qual é definida a independência da Guiné-Bissau para setembro deste ano, e de São Tomé e Príncipe e Cabo Verde para julho de 1975. Em dezembro de 1974 é assinado um acordo entre o governo português e o PAIGC afirmando o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência, prevendo a instituição de um governo de transição, composto por membros nomeados pelo PAIGC. No dia 5 de julho, na cidade de Praia, a independência de Cabo Verde é declarada.

Símbolo da solidariedade entre os povos

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A luta do povo cabo-verdiano pela libertação nacional se inseriu num quadro maior de resistência de povos subjugados e oprimidos, cuja forte cooperação permitiu grandes êxitos. O PAIGC não só combateu o domínio português na sua própria terra, como também apoiou e colaborou ativamente com as lutas de outros povos africanos, asiáticos e latino-americanos pela sua emancipação, assim como a luta dos antifascistas portugueses, colaboração decisiva para a vitória sobre a ditadura fascista de Salazar e seu sucessor, Marcello Caetano, e o seu aparelho de repressão fortemente apoiado e equipado pela Otan.

Em 1961, a FRELIMO de Moçambique, o MPLA de Angola, o MLSTP de São Tomé e o PAIGC dão o primeiro grande passo para a unidade da resistência contra o colonialismo português. Os partidos formaram a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas (CONCP) com o objetivo de coordenar as lutas pela independência das colónias portuguesas em toda África, e foram muitas vezes representados pela CONCP em eventos internacionais.

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Para além do importante apoio e treinamento recebido pela União Soviética e pela República Popular da China, o PAIGC recebeu um crucial apoio de Cuba. Em 1966, Amílcar Cabral participa da Conferência Tricontinental em Havana, no âmbito da qual Cuba concorda em fornecer mais armas, médicos e especialistas para auxiliar na luta pela independência. Nesta conferência também foi discutido, entre outros assuntos, o embargo à Cuba, a Guerra do Vietnã, e o apartheid sul-africano, e o imperialismo estadunidense foi fortemente condenado. Após contribuir com centenas de militares para combater ao lado do PAIGC, em 1975 e 1976 cerca de 36 mil militares cubanos ajudaram o Movimento Popular de Libertação de Angola a combater os militantes apoiados pelo regime racista da África do Sul.

Papel também fundamental tiveram os portugueses que se opunham à ditadura fascista e à guerra injusta e criminosa que o regime levava a cabo nas colônias. A situação de miséria dos portugueses na altura da guerra colonial era dramática: a fome, a pobreza, a repressão, a censura e a emigração eram o quotidiano de milhões de pessoas, e a atuação comunistas portugueses foi determinante para denunciar, combater, e virar a opinião pública contra a Guerra Colonial. O V Congresso do Partido Comunista Português, realizado em 1957, coloca a necessidade da independência imediata e completa das colônias portuguesas, e em 1965, após uma profunda análise da realidade do país, o Programa para a Revolução Democrática e Nacional, aprovado no VI Congresso do Partido, demonstra que o fim do colonialismo era imprescindível para destruir as bases de apoio da reação e da ditadura fascista e concretizar a Revolução em Portugal. 

A Ação Revolucionária Armada (ARA), organização clandestina criada pelo PCP, realizou várias ações de sabotagem contra as forças militares e os interesses económicos do regime colonial, atacando diversas instalações militares, destruindo equipamentos e aeronaves, entre outras ações enfraqueceram o regime e abalaram os esforços de guerra. O Partido Comunista Português desempenhou um papel fundamental na mobilização da população contra o regime e na criação e reforço de organizações e estruturas de ativistas, contribuição crucial para a Revolução do 25 de abril e o consequente fim da Guerra Colonial, garantindo que o 25 de abril não fosse apenas um golpe militar, mas uma insurreição nacional armada com amplo apoio das massas.

O PAIGC demonstrou que a solidariedade internacionalista é uma força poderosa para combater a opressão e construir um mundo mais justo e fraterno. A colaboração e o apoio mútuo com diversas organizações africanas e de outros continentes, o compartilhamento de experiências, e a luta em unidade na qual o povo de Cabo Verde e Guiné-Bissau se inseriu foi um símbolo da solidariedade entre os povos, baseada nos princípios do anti-imperialismo, do internacionalismo e da unidade.

Amílcar Cabral

Amílcar Cabral foi um dos maiores nomes da luta pela independência das colônias portuguesas na África. Nascido na Guiné-Bissau em 1924, formou-se em agronomia em Lisboa e tornou-se um ativista político contra o colonialismo, tendo participado no MUD Juvenil, onde conheceu muitos militantes do PCP. Em 1956 participou na fundação do PAIGC e, para além da sua atividade na organização da luta armada contra as forças portuguesas, Cabral foi também um pensador, escritor influente, e teórico marxista que defendia a libertação nacional como um meio de emancipação cultural, social e política dos povos africanos, aprofundando teoricamente o estudo dos problemas da África. Foi assassinado em 1973, antes de ver a independência da Guiné-Bissau. Neste ano assinala-se os 50 anos do seu assassinato e em 2024 se celebrará o centenário do seu nascimento.

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