Breno Altman: nacional-desenvolvimentismo idealizava burguesia brasileira

Jornalista relata história do pensamento econômico encarnado por Celso Furtado, sua ascensão e derrota após o golpe de 1964; veja vídeo na íntegra

(Foto: Reprodução)


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Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (09/11), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, discorreu sobre o conceito de nacional-desenvolvimentismo, a mais influente corrente do pensamento econômico entre 1950 e 1964. 

Altman localizou as raízes do pensamento na Revolução de 1930, que deu início ao processo de industrialização, e seu auge no governo de Juscelino Kubitschek (1956 - 1961).

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A principal instituição vinculada à teoria nacional-desenvolvimentista foi a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), onde trabalhou por muitos anos o brasileiro Celso Furtado, “talvez o mais destacado formulador desse pensamento e líder de sua vertente mais progressista”. Além do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado em 1955, vinculado ao Ministério de Educação e Cultura. 

Ele, inclusive, destacou a importância do Partido Comunista Brasileiro, “terceiro integrante do núcleo duro” da teoria, que a abraçou como doutrina de uma "etapa democrático-burguesa" da longa transição revolucionária a uma sociedade socialista.

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“O fato é que o nacional-desenvolvimentismo se imaginava como a doutrina de uma revolução burguesa nacionalista e democrática, mas foi superado e derrotado exatamente porque o capitalismo brasileiro concluiu seu amadurecimento à revelia das reformas formuladas pela mais ilustre geração de intelectuais de nossa história”, resumiu.

O pai do nacional-desenvolvimentismo

Para explicar seu argumento, Altman retomou as origens do nacional-desenvolvimentismo, cujo pai é considerado até o hoje o célebre industrial paulista Roberto Cochrane Simonsen, fundador da Confederação Nacional da Indústria e da Federação da Indústria do Estado de São Paulo, além de dono da Companhia Construtora de Santos, uma importante empreiteira da época.

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“Simonsen considerava que o atraso brasileiro frente às nações capitalistas mais avançadas somente seria superado se o país deixasse de ser principalmente um exportador agrícola e importador de produtos industriais. Segundo ele, essa superação somente seria possível através da industrialização, necessariamente coordenada pelo Estado, com um ambicioso processo de substituição de importações, que deveria ser protegido tanto pela política cambial quanto pelas taxas alfandegárias”, contou o jornalista.

O fundador de Opera Mundi ponderou, contudo, que Simonsen nunca foi um socialista, nem mesmo um progressista, “mas filho de uma nascente burguesia industrial paulista que desejava expandir seus negócios”, prejudicados pelo sistema em vigor até a Revolução de 1930, quando o Estado estava a serviço do enriquecimento dos latifundiários do café de São Paulo e Minas Gerais.

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“No entanto, como o país precisava estruturalmente da exportação agrícola, a única saída encontrada por Simonsen era a industrialização incentivada pelo Estado, enterrando privilégios dos latifundiários – como a política cambial -, mas sem tocar em seus interesses fundamentais. E tinha como objetivo incentivar a burguesia internacional a trocar exportação de mercadorias pela de capitais e tecnologia, o que se chamou de política de substituição de importações”, discorreu.

Para Altman, a seu modo, Simonsen era um nacionalista burguês.

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Pós-Simonsen

Após a morte de Simonsen, suas ideias chegaram a confluir com o pensamento cepalino e também com a orientação dos comunistas, de acordo com o jornalista.

Para os formuladores da Cepal e do Iseb, o obstáculo para o desenvolvimento "era uma dupla dualidade”. De um lado, a contradição entre centro-periferia, com os países capitalistas avançados impedindo que os mais atrasados se desenvolvessem. De outro, a contradição entre o setor moderno e o setor atrasado da economia interna, isso é, entre a indústria e a agropecuária tradicional. 

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“Para a Cepal e o Iseb, o grande entrave para o desenvolvimento era o atrelamento do ‘setor atrasado’ aos interesses das grandes potências capitalistas, impedindo que o ‘setor moderno’ - no qual estariam juntos tanto a burguesia nacional quanto o proletariado - realizasse plenamente seu potencial”, afirmou. 

Já os comunistas não enxergavam o Brasil como um país capitalista maduro e a principal contradição estaria constituída pelo confronto entre nação e imperialismo, não pela luta de classes entre a burguesia e as classes trabalhadoras. 

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“Nessa lógica, a então chamada burguesia nacional teria a função de liderar uma revolução nacional e democrática, com o apoio dos trabalhadores urbanos e do campesinato, contra o latifúndio e o imperialismo, para romper as amarras do capitalismo brasileiro. Somente depois dessa etapa se poderia falar, segundo o PCB, em luta pelo socialismo e hegemonia do proletariado”, expôs o jornalista.

Assim, Altman apontou para três alas do nacional-desenvolvimentismo. A primeira, à direita, que resumia o pensamento à industrialização, inspirada pelas ideias de Simonsen, sem reformas estruturais da economia brasileira. Ele argumentou que o governo de JK esteve “claramente animado" por essa ala, durante o boom da internacionalização da nossa economia”.

A segunda seria uma ala “mista”, baseada na abordagem da Cepal e do Iseb, tendo Celso Furtado como expoente, que não acreditava na industrialização sem a expansão do mercado interno, o que obrigaria a reformas estruturais contra a concentração de renda e riqueza.

“Portanto, a industrialização e o próprio crescimento da economia dependeriam de reformas sociais, as chamadas reformas de base durante o governo João Goulart. Essa corrente chegou mesmo a concluir que, sem essas reformas de base, o capitalismo brasileiro estaria condenado à estagnação”, agregou.

Por fim, a ala à esquerda, representada pelo PCB, teoricamente próxima às premissas de Celso Furtado, colocava a questão do nacional-desenvolvimentismo dentro de uma estratégia revolucionária de longo prazo, ao contrário dos cepalinos, que não se reivindicavam nem marxistas nem socialistas. 

‘Burguesia abandonou o teatro’

Ele destacou, porém, que a questão essencial para o nacional-desenvolvimentismo, em todas as suas alas, era a ideia de que haveria um setor da burguesia que estaria disposto a levar adiante essa doutrina.

“Cepalinos e comunistas não se davam conta que essa burguesia nacional deixara de ver o subdesenvolvimento como uma amarra para seus lucros. Ao contrário, eram exatamente os salários baixos, o latifúndio agroexportador e a submissão à divisão internacional do trabalho que poderiam garantir a aceleração da acumulação capitalista e mesmo o ritmo da industrialização. Essa burguesia nacional deixava de ver no imperialismo e no latifúndio seus inimigos, identificando-os nas forças que defendiam as reformas sociais e de base", argumentou o jornalista. 

Para Altman, o golpe de 1964 foi a expressão desse deslocamento da "burguesia nacional" para um aliança estratégica com o latifúndio e o imperialismo. O enredo nacional-desenvolvimentista, assim, iria à falência por falta de personagem que o interpretasse: "a burguesia nacional abandonou o teatro e mandou prender os autores do roteiro”.

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