As convicções dos fascistas não são causas para celebrações, diz Dan Siegel

Dan Siegel explica os precedentes que estão sendo estabelecidos após as detenções de membros dos grupos neofascistas estadunidenses Proud Boys e Oath Keepers

Proud Boys
Proud Boys (Foto: REUTERS/Jim Urquhart)


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Artigo de Dan Siegel originalmente publicado no ScheerPost em 31/5/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Compreensivelmente, muitas pessoas na esquerda desfrutam dos resultados dos julgamentos criminais dos Proud Boys e dos Oath Keepers, e até mesmo os abolicionistas das prisões fazem exceções para os fascistas violentos que desempenharam os papéis de tropas de assalto no esquema de Donald Trump para derrubar a eleição de 2020 nos EUA. Aqui, o problema é que a lei de sedição subjacente ao ataque ao governo pela extrema direita poderia facilmente ter visado os ativistas progressistas de base que estavam entoando cantos numa reunião de conselho municipal, como ocorreu com leis similares em mais de 200 anos de história dos EUA.

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Nos julgamentos recentes, o fundador dos Oath Keepers, Stewart Rhodes, e três dos seus seguidores foram condenados por conspiração sediciosa, obstrução do Congresso e conspiração para obstruir [o cumprimento da lei]. Quatro líderes dos Proud Boys, incluindo o seu ex-presidente Enrique Tarrio, foram considerados culpados dos mesmos crimes, bem como da destruição de propriedades do governo. Um quinto Proud Boy, Dominic Pezzola, foi o único dos cinco sentenciados que foi considerado como tendo efetivamente se engajado em violência, ao atacar um policial. A sentença máxima para conspiração sediciosa é de 20 anos de prisão. Rhodes foi sentenciado a 18 anos.

A versão atual da lei de conspiração sediciosa, seção 2384 do código criminal dos EUA, foi aprovada em 1948. Ela proíbe uma gama de atos, incluindo o uso de força para derrubar o governo ou fazer guerra contra este. Mas ela também proíbe atividades muito mais inocentes, incluindo o uso de força para “impedir ou atrasar a execução de qualquer lei dos EUA”. Pense nos manifestantes que ligando os seus braços para impedir perfurações petrolíferas em áreas imaculadas do Alaska, ou atrasando esforços federais sancionados para a derrubada de sequóias, ou a captura de baleias, ou a interferência nas detenções de ativistas do Black Lives Matter que bloqueiam as portas de uma repartição federal.

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Ao longo de toda a história dos EUA, leis como o ato de sedição atual têm sido frequentemente abusadas por travessuras do governo. Em 1967, os ativistas do 'Stop the Draft Week' [Semana da Conscrição Militar Obrigatória para a Guerra no Vietname] realizaram protestos em frente ao Centro de Conscrição de Oakland, Califórnia, para interferir na conscrição militar. Os seus supostos crimes eram todas contravenções – reuniões ilegais, bloqueio de ruas, recusa de dispersar-se quando ordenados pela polícia. Estas ações “enérgicas” poderiam ter sido visadas com a lei de conspirações sediciosas. Ao invés disso, o Procurador-Geral do Distrito de Alameda (na baía de São Francisco), no seu esforço de aumentar o jogo, acusou sete pessoas que ele identificou como os líderes do protesto, sob acusações criminais de conspirar para cometer contravenções. Os chamados 'Oakland Seven' foram julgados e inocentados, porque o Procurador-Geral não conseguiu provar que eles houvessem – ou pudessem – concordar em coisa alguma.

Os casos dos Oath Keepers e dos Proud Boys demonstram quão fácil é para os promotores do governo conseguirem condenações de ativistas de causas politicamente impopulares, baseados na sua retórica e agitação, sempre que sejam dirigidas para a obstrução de ações governamentais. Se a procuradoria tivesse tentado condenar os Oath Keepers e os Proud Boys por incitamento à violência, eles teriam que cumprir os padrões muito mais exigentes da Corte Suprema no caso de 1969, Brandenburg v. Ohio.

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No caso Brandenburg, um líder da Ku Klux Klan foi condenado sob o estatuto do Sindicalismo Criminal do estado de Ohio for “advogar a favor do dever, da necessidade ou da adequação do crime, da sabotagem ou dos métodos ilegais do terrorismo como meios para conseguir fazer reformas industriais ou políticas” e para “reunir-se voluntariamente com qualquer sociedade, grupo ou assembléia de pessoas formadas para ensinar ou advogar a favor de doutrinas sindicalistas criminosas”. A Corte Suprema reverteu a condenação de Brandengburg, decidindo que as liberdades de expressão e de imprensa da Constituição não permitem que um estado proíba a advocacia do uso da força ou a violação da lei, com exceção de quando tal advocacia é dirigida para incitar ou produzir “iminentes ações ilegais e possa incitar ou produzir tais ações”. As recentes condenações sob a lei federal de conspiração sediciosa chegam a este padrão.

O uso indevido das leis de sedição e conspiração criminosa dos EUA remontam a 1798, quando a maioria federalista no Congresso aprovou as Leis de Estrangeiros e de Sedição. Naquilo que provavelmente foi a sua pior ação oficial, o presidente John Adams assinou as quatro leis – as quais aumentaram os requerimentos para imigrantes que buscam conseguir a cidadania de cinco para 14 anos e autorizaram o presidente a deter, prender e deportar estrangeiros que não sejam considerados leais aos EUA, especialmente por opor-se à escalação da “Quase-Guerra” com a França.

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Sob as leis de Sedição, era crime “imprimir, anunciar ou publicar… quaisquer escritos falsos, escandalosos e maliciosos" sobre o governo. Esta lei foi aplicada contra jornais e jornalistas que se opuseram à guerra com a França, nomeadamente apoiadores do Partido Democrattico-Republicano de Thomas Jefferson. Dezesseis condenações resultaram contra pelo menos 26 jornalistas sob a Lei de Sedição, e cinco dos seis dos principais jornais republicanos foram processados por difamação. Diversos jornalistas passaram tempo na prisão.

Estas leis impopulares ajudaram a levar à derrota de Adams quando ele se candidatou à reeleição em 1800, e elas expiraram ao final do seu mandato. Ironicamente, Adams se opôs à guerra contra a França, e o seu esforço vitorioso para evitar aquele conflito foi uma das suas realizações mais importantes durante a sua presidência e a sua longa vida política.

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A Lei da Sedição de 1918, assinada por Woodrow Wilson, conduziu ao maior abuso da liberdade de expressão na história estadunidense. A lei estendeu a Lei da Espionagem de 1917 para cobrir uma variedade mais ampla de ofensas, notadamente de expressão e de opinião que apresentem o governo ou o esforço de guerra sob uma luz negativa, ou interfiram na venda de títulos financeiros do governo.

A Lei da Sedição de 1918 visou os socialistas, os pacifistas e outros ativistas anti-guerra e impôs penalidades duras sobre qualquer um considerado culpado de fazer declarações falsas que interferiram com a realização da Primeira Guerra Mundial; de insultar ou abusar os governo dos EUA, an bandeira, a Constituição ou as forças militares; de fazer agitações contra a produção necessária de materiais de guerra; de advogar, ensinar ou defender qualquer uma destas ações.

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A aprovação da Lei de Sedição foi orquestrada pelo Procurador-Geral de Wilson, A. Mitchell Palmer. A lei empoderou Wilson e Palmer a realizar ataques que conduzissem a detenções estimadas de 10.000 pacifistas, socialistas, comunistas e anarquistas ao final de 1919 e do início de 1920 – depois do final da Primeira Guerra Mundial! Na noite de 2-3 de janeiro de 1920, as forças de Palmer detiveram e aterrorizaram 4.000 pessoas, arrancando-os das suas camas e arrastando-os para a prisão. O governo processou 2.000 vítimas, nenhuma das quais eram espiões ou sabotadores alemães. Os EUA deportaram 556 cidadãos estrangeiros, incluindo diversos esquerdistas proeminentes.

Um dos processos judiciais mais famosos sob a lei foi o de Eugene V. Debs, um sindicalista pacifista e fundador do sindicato Industrial Workers of the World (IWW) [Trabalhadores Industriais do Mundo]. Debs concorreu à presidência em 1900 como um Social-Democrata e em 1904, 1908 e 1912 na legenda do Partido Socialista dos EUA. Ele teve um milhão de votos na campanha eleitoral de 1912.

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Debs foi aprisionado depois de fazer um discurso anti-guerra em junho de 1918 em Canton, estado de Ohio. Ele foi julgado, condenado e sentenciado a 10 anos de prisão. Debs recorreu da condenação que, ao final, foi mantida pela Corte Suprema numa decisão unânime escrita por Oliver Wendel Holmes. A Corte Suprema decidiu que Debs tinha a intenção de obstruir o esforço de guerra. A sentença de Debs foi comutada em 1921, quando o Congresso revogou a Lei da Sedição. Aparentemente, Holmes se arrependeu da decisão sobre Debs. Dentro de um ano, na sua dissensão, ele escreveu uma forte defesa da liberdade de expressão em um outro caso processado sob a lei de 1918.

Os assaltos de Palmer também levaram à proeminência de J. Edgar Hoover, nomeado em 1919 para chefiar a nova Divisão Geral de Inteligência do Departamento de Justiça, antecessora do FBI. O reacionário e racista Hoover chefiou o FBI até a sua morte, em 1972. Ele usou a organização para assediar e sabotar organizações progressistas, manteve listas secretas de dissidentes políticos e chantageou políticos que se opunham às suas ações.

Ao final, Hoover serviu com o Procurador-Geral de Nixon, John Mitchell, que armou um plano mal sucedido para arrebanhar e aprisionar ativistas anti-Guerra no Vietname em campos de detenção usados para aprisionar americanos-japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Mitchell se fundamentava na Lei McCarran de Segurança Interna de 1950, nomeada em homenagem a um senador de direita de Nevada e aliado de Joseph McCarthy. A lei criou um Conselho de Controle de Atividades Subversivas, a qual exigia que as organizações comunistas se inscrevessem no Departamento de Justiça e fornecessem informações sobre os seus membros, suas finanças e atividades. Ela também autorizava o presidente, durante uma emergência, a prender e deter pessoas que ele acreditava que pudessem se engajar em espionagem ou sabotagem.

O compromisso dos EUA com a liberdade de expressão nunca foi tão forte quanto as palavras da Primeira Emenda à Constituição sugere, e mesmo esta história poderia ser suprimida na atual orgia de proibições de livros. Então, enquanto você aprecia a perspectiva de ver Rhodes e Tarrio apobreceram na prisão pelo resto das vidas deles, considere que você pode acabar indo para a cela vizinha à deles, servindo tempo por conspiração sediciosa depis de protestar contra o banimento federal ao aborto implementado pelo futuro presidente Trump ou DeSantis.

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