Acordo entre Mercosul e União Europeia é neocolonial frágil

Movimentos sociais críticos pedem a suspensão das negociações

(Foto: Wikimedia commons/reprodução)


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Por Sergio Ferrari, 247 - Na segunda quinzena de junho, um tema tão importante quanto complexo voltou a estar no centro da agenda América do Sul-Europa. Lula esteve na França e o Acordo de Associação Estratégica entre Mercosul e União Europeia foi parte da luta entre os futuros "sócios". Por outro lado, em 2 de julho, a Declaração Final do XXVI Encontro do Foro de São Paulo, que reúne forças progressistas e de esquerda do continente, denunciou os acordos de livre comércio.

O Mercosul inclui a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai como Estados Partes. A Venezuela está suspensa temporariamente; a Bolívia apresentou seu pedido de adesão e, junto com outros seis países do subcontinente, estão a Colômbia, o Chile, o Equador, a Guiana, o Peru e o Suriname são nações associadas.

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Durante sua visita a Paris para participar da Cúpula por um Novo Pacto Financeiro Global, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atualizou suas críticas às novas exigências da União Europeia (UE) em relação a esse acordo, que classificou como "ameaças". Ao mesmo tempo, pediu uma mudança profunda nas instituições financeiras internacionais do Bretton Woods, criadas após a Segunda Guerra Mundial, que "não funcionam mais". Ele deu como exemplo desse não funcionamento o empréstimo do Fundo Monetário Internacional à Argentina, firmado durante o governo do ex-presidente Mauricio Macri (https://www.youtube.com/watch?v=mWUWYfv_vKw).Reforçando essa visão continental, o documento final do recente Encontro do Foro de São Paulo, realizado em Brasília, de 29 de junho a 2 de julho, denuncia "os tratados de livre comércio e a arquitetura jurídica criada por eles, que dão mais poder às transnacionais em detrimento de nossa soberania". O mesmo documento "exalta a atitude do presidente Lula de rejeitar as sanções ambientais e outros mecanismos protecionistas que aparecem nos debates sobre o Acordo Mercosul-União Europeia" (https://forodesaopaulo.org/declaracion-final-del-xxvi-encuentro-del-fsp/).

Ameaças

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Durante sua visita à França, o presidente sul-americano disse a dois de seus homólogos, o francês Emmanuel Macron e o alemão Olaf Scholz, que "os acordos comerciais devem ser mais justos". Manifestou o seu interesse em concretizar um tratado com a União Europeia, mas considerou que, neste momento, não é possível. A carta adicional que a UE enviou aos presidentes do Mercosul "não permite que se chegue a um acordo", referindo-se a um anexo que inclui sanções em caso de descumprimento, entre outros compromissos, de novas metas ambientais.

Lula disse que é inimaginável que se promova uma associação estratégica e que exista uma carta adicional que represente uma ameaça para uma parte dos parceiros signatários. O presidente já havia rejeitado essas novas exigências durante a visita que Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, fez a Brasília, na segunda semana de junho, ao iniciar pelo Brasil uma turnê pela América Latina. (https://www.youtube.com/watch?v=zMUW9-nbVm8).Após 20 anos, as negociações entre o Mercosul e a UE foram concluídas em junho de 2019, mas o tratado não foi ratificado pelos parlamentos dos países participantes, requisito condicionante para sua aplicação. Trata-se do pacto comercial mais importante para a União Europeia, uma vez que implica a integração de um mercado de 800 milhões de habitantes; representa quase um quarto do PIB mundial e com mais de US$ 100 bilhões de comércio bilateral de bens e serviços (https://www.mercosur.int/mercosur-cierra-un-historico-acuerdo-de-asociacion-estrategica-con-la-union-europea/).

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Em março deste ano, a UE apresentou novas condições ao Mercosul rejeitadas por Lula, ao mesmo tempo em que os países sul-americanos se opuseram a possíveis sanções em caso de descumprimento, por exemplo, das metas ambientais estabelecidas por Bruxelas para o comércio bilateral. As questões dos países do Mercosul têm a ver com as regulamentações estabelecidas unilateralmente no Pacto Verde Europeu ou Pacto Ecológico Europeu, aprovado em 2020. Entre elas, uma que proíbe a compra de produtos oriundos de zonas livres de desmatamento, o que afetaria boa parte das exportações dos países sul-americanos.

O grito do descontentamento

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As negociações sobre um acordo de liberalização comercial "obsoleto, neocolonial e desequilibrado" devem terminar, disseram quatro atores da sociedade civil brasileira e francesa em um comunicado conjunto divulgado horas antes de Lula iniciar sua agenda oficial na França.

No momento em que a Comissão Europeia (CE) mobiliza grande energia para finalizar o acordo o mais rápido possível, o coletivo nacional Stop Mercosul, a Frente Brasileira contra o acordo UE-Mercosul, a coalizão francesa "Solidarité Brésil" e a Rede Brasileira para a Integração dos Povos (Rebrip), pediram à CE que ponha fim às pressões e às ameaças que está exercendo contra os países do Mercosul. E exigem que todas as partes envolvidas ponham fim a essas negociações.

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Dessa forma as quatro plataformas expressaram a posição prévia assumida por 170 organizações sociais, ONGs, sindicatos e federações camponesas de cerca de 30 países latino-americanos e europeus, que, desde maio, já haviam definido um marco crítico para esse acordo comercial, sugerindo várias alternativas e propostas viáveis. As 170 organizações denominaram sua posição de: "Solidariedade, igualdade, cooperação e comércio sustentável: uma alternativa ao acordo de liberalização comercial UE-Mercosul". Entre os signatários estão a Via Campesina, Greenpeace e Amigos da Terra; CADTM e ATTAC, da França; a CGT, as Comisiones Obreras (Comissões Operárias) e a Confederação Intersindical da Espanha; KoBra e o Escritório Ecumênico para a Paz e a Justiça, da Alemanha; o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Articulação Terra e Fogo, do Brasil; Sinistra (Esquerda) Italiana e o TNI, dos Países Baixos, para citar apenas alguns (https://s2bnetwork.org/uemercosuralternativa/).As quatro plataformas brasileiras e francesas –que retomam esse documento dos 170 signatários– alertam que o atual conteúdo do Acordo Mercosul-União Europeia, se ratificado, agravaria "as assimetrias econômicas e socioambientais existentes entre os dois blocos". E, além disso, acentuaria a especialização primária das economias dos países do Mercosul em detrimento da diversificação econômica. (https://www.bilaterals.org/?mettre-fin-aux-negociations-d-un).

De acordo com a percepção das quatro plataformas, os setores industriais, a agricultura familiar e camponesa, as pequenas e médias empresas dos países do Mercosul –em especial devido à abertura dos mercados de compras públicas– e as classes sociais médias e desfavorecidas dos países sul-americanos "não têm nada a ganhar com um acordo tão desequilibrado".

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Afirmam que o mesmo beneficiará os produtores e exportadores de matérias-primas agrícolas, mineiras e energéticas, as empresas transnacionais europeias que produzem produtos farmacêuticos, agroquímicos e automóveis, bem como os interessados em contratos públicos e na privatização de serviços públicos, à custa de violações dos direitos humanos e de impactos socioecológicos terríveis sobre os povos indígenas, as populações locais, a terra, a floresta, os ecossistemas e a biodiversidade.

A Europa dos ‘de baixo’, também é castigada

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Quanto ao impacto na Europa, tal tratado significará o aumento das quotas de importação de carne com tarifas aduaneiras reduzidas, o que implicará "que os agricultores europeus enfrentarão maior concorrência, o que baixará os preços e, portanto, intensificará o sistema agrícola europeu mais concentrado". E sublinham que, também no Velho Mundo, os principais beneficiários serão as multinacionais europeias que procuram conquistar novos contratos públicos e/ou exportar pesticidas que agora são proibidos na Europa e automóveis de uma tecnologia e tipo de combustão já ultrapassados.

As quatro plataformas completam o quadro desolador que imaginam se o Acordo UE-Mercosul fosse definitivamente aceito: "a impunidade para as violações de direitos humanos e dos povos perpetradas por grandes corporações transnacionais só será reforçada. Embora o acordo preveja a eliminação de mais de 90% dos direitos aduaneiros sobre o comércio entre as duas zonas, os mais beneficiados serão as empresas dos setores automotivo, químico e farmacêutico europeus e o setor agroexportador dos países do Mercosul, baseado na monocultura.

Da mesma forma, argumentam que, se esse tratado for assinado, se aprofundarão as assimetrias econômicas entre a UE e os países do Mercosul, segundo um modelo neocolonial de acumulação de recursos em detrimento da diversidade, da autonomia e da resiliência das economias locais e regionais e da integração entre os povos. E argumentam: "Onde as regras comerciais deveriam ser revistas e limitadas em nome de imperativos do século XXI, este projeto de acordo organiza estritamente a lógica oposta: as políticas climáticas, por exemplo, são aceitas desde que não contrariem as regras destinadas a aumentar o comércio internacional de bens e serviços.

Concluindo sua análise, o Stop Mercosul, a Frente Brasileira contra o acordo, a coalizão francesa "Solidarité Brésil" e a Rede Brasileira para a Integração dos Povos (Rebrip) reiteram que não precisa ser assim, já que "ambos os lados do Atlântico, temos muito mais a oferecer em termos de cooperação e de solidariedade internacionais do que um acordo comercial neoliberal".

Os signatários partilham a necessidade de reforçar os laços entre os países da União Europeia e os do Mercosul e, de um modo mais amplo, entre os povos da Europa e da América Latina. Mas, isso não pode ser construído apenas em torno do comércio de bens e serviços que são transportados através do Atlântico. E concluem: "Pelo contrário, pedimos aos nossos governos que se comprometam e reorientem suas relações geopolíticas e comerciais com base em novos princípios, como os recentemente propostos por 170 organizações sociais, a fim de garantir uma vida boa para todos, em vez de garantir benefícios apenas para alguns".

As cartas estão na mesa. Cabe agora aos governantes de ambos os lados do Atlântico, que se olham com desconfiança. Jogo delicado diante de um público que não aceita armadilhas e que tem consciência de que o resultado dependerá, em grande medida, de sua própria sobrevivência.

Sergio Ferrari é jornalista. Tradução: Rose Lima

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