“A meritocracia é uma ideologia”, diz Michael Sandel, professor de Harvard

O filósofo e professor da Universidade de Harvard afirmou, em entrevista à TV 247, que a meritocracia não deve ser vista como um produto natural das relações humanas, e sim como um “sistema de regras” profundamente capitalista. “Temos que ter um debate público mais amplo como cidadãos democratas sobre quais contribuições são mais importantes”. Assista

Michael Sandel
Michael Sandel (Foto: Harvard/Divulgação)


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247 - O filósofo e autor de ‘A tirania do mérito: O que aconteceu com o bem comum?’, Michael Sandel, defendeu que a noção de meritocracia seja compreendida não como algo natural das relações humanas, e sim como um “sistema de regras” profundamente enraizado e que remete à sociedade de mercado. Ou seja, “ideologia”, definiu o professor de Filosofia Política da Universidade de Harvard.

É importante diferenciar a meritocracia do fato de que “competências” são, naturalmente, bem retribuídas. “A meritocracia é uma ideologia. Acho que é importante distinguir mérito, no sentido comum de competência, de meritocracia. Mérito, quando entendido como competência, é uma coisa boa. Se eu precisar de uma cirurgia, quero um cirurgião bem qualificado para realizá-la. Se eu viajar de avião, espero que o piloto seja bem qualificado. Isso é mérito no sentido comum. Mas meritocracia é algo diferente. A meritocracia é uma ideologia. É um princípio”, explicou Sandel, em entrevista exclusiva à TV 247. 

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“É um sistema de regras que diz que, se as chances forem iguais, os vencedores merecem seus ganhos. E é aqui que a meritocracia trabalha para reforçar o status quo”, pontuou.

A medida de mérito nas sociedades de mercado torna-se estreitamente ligada a resultados e a produtos dessa configuração social. Isto gera a ideia de que aqueles que ficam para trás “merecem seu destino”, prosseguiu o pensador. 

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“Nas últimas décadas, aqueles que chegaram ao topo passaram a acreditar que seu sucesso é uma obra deles, à medida de seu mérito, e que portanto merecem todos os benefícios que o mercado concede aos bem-sucedidos. E por implicação, eles acreditam que aqueles que lutam, aqueles que ficaram para trás, não têm ninguém para culpar a não ser a si próprios, que eles merecem seu destino. Portanto, meritocracia não se trata apenas de competência, trata-se de ganhar e merecer, e é uma forma de pensar sobre quem merece o quê. Isso está intimamente ligado aos resultados, aos produtos que as sociedades de mercado produzem. Nós facilmente presumimos, muito facilmente, que o dinheiro que as pessoas ganham é a medida de sua contribuição para o bem comum”. 

Em ‘A tirania do mérito’, Sandel defende a discussão pela sociedade sobre quais competências e contribuições são importantes, não somente do ponto de vista econômico. “Mas isso não pode estar certo, porque se fosse verdade então um administrador de fundos de investimento, por exemplo, estaria contribuindo para a economia, para o bem comum, algo centenas de vezes mais valioso do que uma enfermeira ou um professor”, questionou ele na entrevista. “Temos que ter um debate público mais amplo como cidadãos democratas sobre quais contribuições são mais importantes”. 

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“A arrogância meritocrática”

No livro, o filósofo argumenta que a derrocada da democracia ao redor do mundo se deve, em grande parte, a uma reação contra o profissionalismo tão frequentemente exaltado pelas elites sociais. 

“Um dos principais argumentos em meu livro ‘A tirania do mérito’ é que a crise que a democracia enfrenta hoje surgiu, em parte, por conta de uma reação, uma reação populista e autoritária, contra as elites. Elites meritocráticas, elites bem credenciadas, elites profissionais, que governaram as sociedades democráticas nas últimas décadas, de uma forma que proporcionou enormes benefícios para aqueles que já estão no topo. Mas que deixou os trabalhadores comuns, de renda baixa e média, famílias, com salários estagnados e empregos precários”, disse Sandel.

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A “arrogância meritocrática”, acompanhada da tendência em desprezar os mais pobres, gera um forte ressentimento na população geral. “Os poucos que chegaram ao topo passaram a acreditar que seu sucesso é obra deles próprios, e isso os levou a, como eu chamo no livro, uma espécie de arrogância meritocrática. Com isso quero dizer a tendência dos bem-sucedidos de inspirar profundamente seu próprio sucesso, de esquecer a sorte e a boa sorte que os ajudaram no caminho. Essa arrogância meritocrática acompanha a tendência de desprezar aqueles menos afortunados do que eles próprios, de presumir que aqueles que lutam devem merecer seu destino também. E essa, penso eu, é uma maneira tóxica de pensar sobre o sucesso, e tem levado muitos trabalhadores e eleitores de baixa renda a ficarem profundamente ressentidos com as elites meritocráticas”. 

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