‘A luta armada é um direito dos povos’, diz ex-guerrilheira das Farc

A holandesa Tanja Nijmeijer falou sobre a vida guerrilheira, as negociações de paz e sobre a militância atual na Colômbia; veja vídeo na íntegra



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Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (16/12), o jornalista Breno Altman entrevistou a holandesa Tanja Nijmeijer, que é professora de inglês e integrou as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), participando ativamente das negociações de paz em Havana. 

Quase 20 anos depois de ter entrado nas FARC e após ter abandonado o Comunes, partido da guerrilha, Nijmeijer disse não se arrepender da vida guerrilheira: “Eu tomei todas as decisões baseadas nas informações que tinha a cada momento. Toda a experiência que adquiri na montanha, nas negociações, tudo isso me serviu".

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"Às vezes acho difícil falar sobre e com as vítimas da guerra, porque saíram afetadas pessoas que a gente dizia defender. Isso para mim é difícil de explicar. Mas arrependimentos não tenho, a luta armada é um direito dos povos", disse.

oltando no tempo, ela contou como chegou à guerrilha, revelando que foi à Colômbia por acaso, a fim de realizar um estágio de sua universidade dando aulas como professora de inglês. 

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Na Holanda, ela não desenvolvia uma atividade política, mas, em Pereira, cidade colombiana para a qual se mudou em janeiro de 2000, se deu conta do conflito entre a guerrilha e o Estado, e isso “começou a me despertar a curiosidade, de entender a desigualdade que havia, entender as FARC, mas ninguém me dava respostas satisfatórias”.

Nijmeijer acabou escrevendo sua tese de fim de curso sobre as FARC, com a ajuda de uma amiga. Aquilo “despertou a febre revolucionária, mas não pensei em ficar na Colômbia”. De volta ao seu país, a holandesa se engajou no ativismo político, mas percebeu que não era o suficiente. Quando retornou a Pereira, se encontrando com sua amiga, que revelou fazer parte da FARC, a professora de inglês pouco tempo depois se uniu à luta.

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A militante narrou que primeiro esteve em Bogotá, capital colombiana, mas desejava ir à montanha. Após aceitarem sua transferência, ela começou como professora de inglês para os guerrilheiros e, depois de oito meses, pediu para fazer o curso básico de treinamento militar.

A militância nas FARC

“Eu estava convencida de que as FARC poderiam sair vitoriosas, caso contrário não teria entrado. Me disseram que eu era ingênua, mas eu entrei num período em que as FARC tinham muita força, estava convencida de que realmente poderíamos tomar o poder”, admitiu.

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Nijmeijer discorreu sobre sua vida na guerrilha, como mulher e como estrangeira. Disse que, da Europa, só havia ela e uma francesa, mas que todas as mulheres eram respeitadas: “Da mesma forma como o machismo existe na sociedade colombiana, existia nas FARC, mas existia muita disciplina também. Maus tratos eram punidos e as mulheres eram financeiramente independentes, então estavam mais empoderadas para deixar relações abusivas”.

Ela também relembrou episódios de bombardeios, principal forma de combate do Exército colombiano às FARC quando ela se juntou à luta, destacando o ataque que matou Mono Jojoy, um dos principais comandantes da organização, em 2010.

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“Minha irmã disse que em um jornal na Holanda aparecia que eu havia morrido também, e quase morri. Lembro que saí do meu turno, vivia sozinha, fui dormir e acordei com a bomba que caiu na casa do comandante, a 20 metros da minha casa. Eu não sabia se ia sobreviver, havia muitos aviões, um uso excessivo da força para os que estávamos ali. Quem se enfiou nas trincheiras, como eu, sobreviveu. Mas havia muitos feridos e só nos informaram da morte do comandante dois dias depois. Ele era uma referência para nós, nos ligava, nos formava, eu estive na guarda dele durante muito tempo, você cria carinho pela pessoa. Nos atingiu muito sua morte”, relatou.

Outro ponto que a militante comentou foi sobre o vínculo da guerrilha com o narcotráfico. Segundo ela, ambos estavam no campo, de modo que o envolvimento era inevitável. As FARC regulavam as relações de trabalho e os preços, “acho que era de onde vinha a maior parte dos nossos ingressos, mas na Colômbia há muitas coisas que se financiam com o narcotráfico”.

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Outro evento foi o do confisco de seus diários. Assaltaram o acampamento onde ela vivia quando ela não estava e o Exército pegou seus diários, escritos em holandês, mas com críticas às FARC.

“Meus diários eram íntimos, eram algo que eu usava para desafogar nos momentos difíceis. Eu não escrevia neles quando estava feliz. Numa guerra, usam isso para fazer propaganda. Eu escrevi, por exemplo, que odiava as mulheres dos comandantes porque elas tinham privilégios e status que as permitia ter trabalhos melhores, por exemplo. Critiquei alguns comandantes porque achava a relação de poder desigual, considerando que era uma organização revolucionária”, expôs.

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A militante não foi sancionada por seus diários, mas confessou que sentiu que houve uma quebra de confiança. Durante quase dois anos ficou praticamente restrita a realizar trabalhos físicos, ainda que nunca lhe disseram nada, “mas eu não me importei, sentia que tinha errado e precisava me provar”.

Paz

As primeiras conversas sobre paz começaram a acontecer de forma secreta entre o governo e o comandante Alfonso Cano, em 2011. Ele acabou sendo morto, mas a direção da guerrilha decidiu levar adiante as negociações “porque era o que ele queria”.

“Acho que em algum momento o pensamento de que íamos tomar o poder mudou para ‘estamos resistindo contra o imperialismo e a oligarquia’. Houve esse giro. Acho que a gente poderia ter resistido por muitos anos, mas, ao analisar a situação, resistência significa que não vai haver vitória por nenhum lado e, com o custo humano sendo tão alto, era quase uma obrigação negociar a paz”, ponderou Nijmeijer. 

Quando as negociações migraram para Havana, capital de Cuba, ela foi mandada para sentar-se à mesa como a única mulher da primeira etapa de conversas, que discutia principalmente a importância de uma reforma agrária. Depois disso, a militante passou para a parte de comunicação da organização, e lutava para incluir uma perspectiva de gênero nos acordos.

Eventualmente, Nijmeijer entregou suas armas e se incorporou ao partido que as FARC montaram após sua dissolução, hoje chamado de Comunes. Ela, porém, já não forma mais parte da legenda. 

"Acho que quando você sente que o rumo político ou que as decisões que estão sendo tomadas não te representam, é hora de deixar o partido, se não você se converte em um obstáculo”, disse.

Isso não significa, porém, que ela cogita retornar à luta armada, nem tem simpatia pelos grupos que optaram por retomar a guerrilha: “A gente tentou durante 53 anos. É hora de tentar outra coisa, porque não funcionou e teve um custo humano altíssimo. Eu só me dei conta disso quando fui para Havana e conheci as vítimas”.

Mesmo assim, ela acredita no poder da militância, principalmente local. Nijmeijer mora atualmente nos arredores da cidade de Cali com seu companheiro, onde pretende começar a fazer seu doutorado e ajudar as comunidades locais de indígenas e ex-combatentes a criar cooperativas para vender seus produtos. 

Para ela, a paz territorial deve ser o foco da luta. A ex-guerrilheira reforçou que não acredita muito na política institucional, nem no centralismo, mas na importância dos territórios e das alianças entre comunidades, “acredito no povo local”. 

“Só me dói não poder voltar à Holanda para visitar a minha família. Eu não posso sair da Colômbia porque sigo na lista da Interpol e os EUA querem me processar por terrorismo. As autoridades holandesas já me disseram que iriam extraditar-me para os EUA, caso eu voltasse. Mas acho que eu já não conseguiria firmar raízes na Europa de qualquer forma”, agregou.

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