Decisão equivocada de Tarcísio atrasou envio de oxigênio a Manaus na pandemia

O meio mais rápido teria sido a hidrovia do rio Madeira, mas o governo federal optou pela rodovia BR-319, que estava intrafegável em janeiro de 2021

Tarcísio de Freitas
Tarcísio de Freitas (Foto: Amanda Perobelli/Reuters)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Murilo Pajolla, Brasil de Fato | Lábrea (AM) - Um erro logístico cometido em janeiro de 2021, por Tarcísio de Freitas (Republicanos), então ministro da Infraestrutura e atual candidato a governador de São Paulo, atrasou em até 66 horas a chegada de 160 mil m³ de oxigênio a Manaus (AM). 

Até então, a falta do insumo hospitalar já havia provocado a morte de pelo menos 30 pessoas por asfixia em hospitais e postos de saúde, em um dos momentos mais trágicos da pandemia no Brasil. 

continua após o anúncio

A Força Aérea Brasileira (FAB) não disponibilizou aeronaves para transportar o oxigênio de Porto Velho (RO) até Manaus (AM). O meio mais rápido teria sido a hidrovia do rio Madeira. Mas o governo federal optou pela rodovia BR-319, que estava intrafegável naquela época do ano.

Essas são as conclusões de um artigo científico obtido em primeira mão pelo Brasil de Fato. O estudo foi produzido pelo biólogo Lucas Ferrante, mestre e doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). 

continua após o anúncio

“É impossível que o Ministério da Infraestrutura não soubesse que a rota escolhida era a pior de todas”, diz o autor, que comparou prazos e preços oferecidos por empresas de transporte do Amazonas. 

O Brasil de Fato aguarda respostas das assessorias de Tarcísio de Freitas e do governo federal. 

continua após o anúncio

Entenda

A decisão equivocada foi tomada por Tarcísio, em conjunto com o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, considerado um “especialista em logística” pelo governo federal. Os gastos do translado estão sob sigilo de 100 anos, a pedido do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). 

O transporte do oxigênio foi feito no período de chuvas, quando o nível das águas sobem. O rio Madeira, um dos principais corredores logísticos da região Norte, estava no auge da navegabilidade, oferecendo transporte de cargas e passageiros.

continua após o anúncio

Mas a preferência do governo federal foi pela BR-319, que tem metade dos seus 900 km de extensão sem asfalto. A rodovia é conhecida pelas péssimas condições de trafegabilidade, especialmente na estação chuvosa, quando atoleiros tomam conta da pista. 

Nos últimos oito anos, Ferrante coordenou equipes responsáveis por quatro pesquisas científicas sobre os impactos socioambientais da BR-319, que atravessa 63 terras indígenas. Os resultados estão publicados em revistas acadêmicas de relevância mundial. 

continua após o anúncio

“O Ministério da Infraestrutura, sob o comando de Tarcísio, e o Ministério da Saúde, sob Pazuello, orquestraram a estratégia mais longa e mais cara para trazer oxigênio para Manaus, o que custou centenas de vidas”, lamenta o cientista, que vive na capital amazonense.

Viagem pela BR-319 durou três vezes mais do que o previsto 

Seis caminhões com cilindros de oxigênio deixaram Porto Velho (RO) pouco antes do meio-dia no dia 20 de janeiro. Pelo Twitter, o Ministério da Infraestrutura anunciou que o trajeto demoraria cerca de 30 horas, mas durou três vezes mais. A carga só chegaria depois de quatro dias - ou 96 horas. 

continua após o anúncio

Segundo as informações levantadas por Ferrante junto a empresas de navegação, o percurso poderia ter sido feito em até 30 horas pelo rio Madeira, supondo que a embarcação fosse dotada de um motor potente (600 a 830 cavalos de força), dirigida por um piloto experiente e não fizesse paradas. O custo seria de R$ 195 mil reais. 

Se quisesse economizar, o governo federal poderia contratar por R$ 150 mil uma embarcação com um motor menos potente (350 a 420 cavalos). Ainda assim, o trajeto demoraria menos do que demorou pela estrada, cerca de 75 horas. 

continua após o anúncio

“Lobby para grileiros a custa de vidas”

A reconstrução do trecho mais crítico da BR-319 foi uma das principais propostas da campanha de Bolsonaro em 2018. A promessa entusiasmou a classe empresarial do Amazonas, mas até hoje não saiu do papel.

Por isso, Ferrante avalia que o governo federal escolheu o pior trajeto de forma proposital, com objetivo de justificar a repavimentação da BR-319, projeto que produzirá impactos ambientais duradouros e enfrenta resistência de povos indígenas. 

“O governo federal está legalizando terra griladas no eixo da rodovia BR-319. A rodovia atende apenas a grileiros e madeireiros ilegais, ou seja, o Ministério da Infraestrutura promoveu um lobby para justificar a rodovia às custas das vidas das pessoas em Manaus", afirmou.

Bolsonaro usa BR-319 para justificar crise do oxigênio

De fato a demora na chegada do oxigênio em Manaus passou a ser amplamente utilizada por políticos bolsonaristas como justificativa para a reconstruir a BR-139 a toque de caixa, atropelando o direito de consulta dos povos indígenas e os estudos de impacto ambiental.

Durante a pré-campanha eleitoral deste ano, Bolsonaro publicou na redes sociais um vídeo de um ônibus atolado na BR-319. Em resposta a acusações de que teria se omitido no combate à pandemia, o presidente tentou atribuir a culpa às condições da estrada. 

Em publicação no Facebook, o senador pelo Amazonas Plínio Valério (PSDB-AM), apoiador de Bolsonaro, repete o argumento utilizado por apoiadores do presidente: “Ainda estamos contando nossos mortos e centenas não teriam morrido por falta de oxigênio se a BR-319 fosse trafegável”.

"Criaram pânico que a crise de Manaus se deu por conta da falta de asfaltamento da BR-319. Era um motivo propício para passar por cima do direito dos povos indígenas e dos estudos ambientais. Nenhuma das comunidades indígenas teve direito à consulta prévia livre e informada como estabelece a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho", ressalta Ferrante. 

O pesquisador acrescenta que o suposto impacto da rodovia na crise do oxigênio em Manaus foi utilizada por uma decisão judicial para acelerar as audiências públicas dos estudos ambientais no meio da pandemia, quando a participação dos povos indígenas estava prejudicada. 

"Nosso grupo de pesquisa deu o alerta de segunda onda de covid em um dos maiores periódicos científicos do mundo, a Nature Medicine, e avisamos os gestores públicos de todas as esferas, de municipal a federal. Tanto governo do estado do Amazonas como governo federal estavam sabendo que Manaus teria uma segunda onda e optaram por não fazer nada”, afirma o cientista. 

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247