De Adhemar a Arraes, uma viagem do dinheiro
Dois livros revelam como o roubo do cofre do ex-governador paulista Adhemar "rouba mas faz" de Barros, pela turma da ex-guerrilheiraDilma, chegou s mos de Miguel Arraes e ajudou afinanciar o principal jornal de resistncia ditadura
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Leonardo Attuch_247 - Dois grandes livros, recentemente lançados, dão o que pensar. Um deles, escrito pelo jornalista Tom Cardoso e lançado pela Civilização Brasileira, se chama “O Cofre do Dr. Rui – como a VAR-Palmares de Dilma Rousseff realizou o maior assalto da luta armada brasileira”. O outro é “Jornal Movimento, uma reportagem”, do também jornalista Carlos Azevedo, publicado pela editora Manifesto. O primeiro, cinematográfico, revela os bastidores do assalto ao cofre de Ana Capriglione, chamada por seu amante, ninguém menos que o ex-governador paulista Adhemar de Barros, de “Dr. Rui”, para manter as boas aparências. O segundo, de cunho histórico, conta a história do jornal Movimento, criado pelo jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, de forma heróica, para enfrentar a censura e a ditadura militar.
O que conecta as duas histórias é um ser vivo – “humano, demasiado humano”, como diria o filósofo Nietzsche – e que raras vezes é percebido além do seu aspecto monetário e material. Este ser se chama dinheiro. Sim, ele mesmo, o vil metal. O dinheiro possui alma própria, tem vida e geralmente não gosta que lhe aprisionem. O cofre do Dr. Rui guardava US$ 1 milhão, ou R$ 40 milhões, a preços de hoje, numa mansão em Santa Teresa. Era a casa onde residia Ana Capriglione, que durante anos foi amante de um político que apoiou com entusiasmo a ditadura – o Adhemar “rouba, mas faz” de Barros – e que acabou cassado pelo regime, acusado de corrupção.
Naquela mesma mansão de Santa Teresa, havia também um sobrinho um tanto inquieto, chamado Gustavo Schiller, que contou a história do cofre a amigos militantes de esquerda, ligados ao grupo guerrilheiro VAR-Palmares, do qual fazia parte a hoje presidente Dilma Rousseff. E assim começou a ser planejado o ataque mais ousado da guerrilha à ditadura.
Dilma não chegou a participar diretamente da ação, que contou com seu ex-marido Carlos Franklin de Araújo e com o ex-ministro Carlos Minc, mas teve papel decisivo nas primeiras operações de câmbio. Como tinha cara, jeito e nome de estrangeira, a senhora Rousseff podia entrar e sair com dólares nas casas de câmbio sem despertar maiores desconfianças. Mas eram operações pequenas, para o dia-a-dia da VAR-Palmares.
O grosso do dinheiro acabou saindo do País e foi parar numa conta suíça graças ao intermédio do embaixador argelino no Brasil. E a Argélia era o país onde estava exilado um dos políticos mais temidos pela ditadura militar: o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que fez a reforma agrária em seu estado, apoiou as ligas camponesas, instituiu o salário mínimo e desafiou o poder dos coronéis da cana-de-açúcar.
Arraes, avô do atual governador Eduardo Campos, chegou a abrir uma pequena livraria em Paris, que foi um ponto de aglutinação dos exilados na Europa. E chegou a financiar o jornal Movimento, que fez história na imprensa brasileira e existiu de 1975 a 1981. Ou seja: o dinheiro roubado por um amigo precoce da ditadura, organizador da “Marcha da família com Deus pela Liberdade” e guardado por sua amante, caiu nas mãos de um dos maiores inimigos da ditadura e ajudou a financiar um jornal que combateu essa mesma ditadura. Eis aí a prova viva de que o dinheiro tem vida e busca sempre a utilidade.
Arraes, no entanto, não foi o único financista do Movimento. O jornal, embora organizado por comunistas como uma propriedade coletiva, levantou recursos vendendo cotas a vários profissionais da imprensa e também a políticos ligados ao antigo MDB, que se sentiram compelidos a apoiar uma iniciativa jornalística que era também uma janela contra a repressão. Quem concebeu esse modelo e ajudou a administrar o jornal foi ninguém menos que Sérgio Motta, o ex-ministro Serjão, que, no governo FHC, liderou a privatização das telecomunicações.
Pelo Movimento, passaram alguns dos maiores nomes da imprensa brasileira. Além disso, do conselho editorial, constaram nomes como Chico Buarque e Fernando Henrique Cardoso. Lula foi um personagem importante, numa capa desenhada por Elifas Andreato. Dilma, certamente, foi leitora. Mas a guerrilheira dos anos 70 também ajudou a construir parte daquela história. Mesmo sem saber, a turma da VAR-Palmares contribuiu para que o jornal existisse ao construir uma ponte para que o dinheiro roubado por Adhemar de Barros chegasse às mãos de Miguel Arraes – e das de Arraes às dos editores do Movimento.
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