Marcos Nobre: modelo peemedebista adotado por FHC, Lula e Dilma traz fragilidade institucional

Presidencialismo de coalizão com adesão generalizada ao governo provocou impulso antissistema que extrema direita canalizou, diz cientista social; veja vídeo na íntegra

Marcos Nobre, capa do livro e Alckmin com Lula
Marcos Nobre, capa do livro e Alckmin com Lula (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública | Reprodução | Ricardo Stuckert)


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Opera Mundi - O filósofo e cientista social Marcos Nobre defendeu, no programa 20 MINUTOS nesta segunda-feira (12/09), com Breno Altman, que o presidencialismo de coalizão, chamado por ele de peemedebismo, fragiliza a institucionalidade brasileira ao permitir a adesão generalizada das forças políticas aos governos eleitos, sejam quais forem. Tal modo de obtenção de “supermaiorias” no Congresso Nacional dá combustível ao impulso antissistema que se instalou no país desde 2013 e acabou canalizado pela extrema direita nas eleições de 2018.

“Isso é um desastre para o próprio funcionamento do governo, porque se todo mundo está no governo, com a exceção de uma pequena franja na oposição, a oposição não consegue fazer oposição de verdade e a oposição verdadeira migra para dentro da coalizão”, argumenta o autor do livro Limites da Democracia - De Junho de 2013 o Governo Bolsonaro (ed. Todavia), sobre a crise do sistema político brasileiro que se arrasta há uma década. “Os partidos mais e mais foram adquirindo a cara do PMDB, que nem existe mais como sigla. Ou seja, vendem apoio parlamentar ao governo, seja qual for o governo”, completa o atual presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

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“Um governo precisa de 55% de apoio no parlamento, não de 75%. Deveria fazer aliança não com todo mundo, mas com aqueles que terão consistência ideológica ou de gestão mais próxima desse núcleo”, propõe. Essa fórmula sustentaria um governo mais enxuto e aguerrido e, portanto, menos manobrável: "A ideia de que todo mundo que quer aderir será recebido é absurda, precisa acabar. No caso de um governo liderado pela esquerda, isso obriga a direita a se organizar como oposição.”

O efeito secundário, no caso de um novo governo Lula, seria uma disputa entre a hoje hegemônica extrema direita a direita democrática pela liderança da oposição. A permanência do presidencialismo de coalizão acarreta o que o cientista social define como conservadorismo democrático, em que as disputas se dão dentro do governo e emperram reformas estruturais e o combate às desigualdades sociais. "É uma maneira de travar transformações profundas”, interpreta.

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Para Nobre, as Jornadas de Junho de 2013 sinalizaram a insatisfação da população com o funcionamento do sistema político durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff: “As manifestações mostraram que uma quantidade enorme da população estava disposta a se politizar e aguardando diretrizes. Perdemos ali uma chance histórica de reformar o sistema político, e essa energia ficou solta na rua. E aí quem vampiriza? Por exemplo, a Lava Jato, que diz que vai fazer a reforma”. 

Por trás da Operação Lava Jato, estavam a direita tradicional, as novas direitas e a extrema direita. Essa última se sobrepôs às outras porque foi a única força política que se preparou para a revolução digital, em sua avaliação. “Quando chegou em 2018, só tinha uma candidatura outsider, a de Bolsonaro, o único que tinha a prancha para surfar na onda.”

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Antes, em 2016, a adesão de partidos liberais como PSDB, PMDB e DEM ao impeachment de Dilma também colaborou para abrir portas para o neofascismo bolsonarista: “Esse foi o maior crime já cometido dentro da democracia. É pensar que você vai escapar da Lava Jato cortando seu braço e sua perna esquerda. É evidente que vai dar errado, para você mesmo". Ele próprio observa que a estratégia resultou em Bolsonaro, mas esse grupo se salvou em certa medida: "Alguns têm morte política, mas ninguém ficou 581 dias preso”. Nobre classifica esse como um equívoco de base do conjunto da direita brasileira em seu conjunto, que não pode repeti-lo.

Altman argumentou que as forças conservadoras sempre repetem o “equívoco”, em formatos variados de golpes, e Nobre contrapôs que a continuação da estabilidade democrática, como vinha acontecendo desde 1989, acostuma a população e dificulta golpes fatais à democracia. "Se a gente conseguir preservar a nossa, o que não é óbvio, a ideia é que aos poucos haja uma direita democrática que aceite perder”, afirma. 

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A demonstração de que as forças autoritárias são relevantes e organizadas evidencia que a esquerda, solitariamente, não consegue isolar a extrema direita e que o sistema necessita de uma direita democrática. Se uma direita respeitadora das regras não for estruturalmente possível, nunca haverá democracia real, em sua opinião. “Vai acontecer? Não sabemos. Mas não se pode colocar nas costas da esquerda fazer o trabalho inteiro. Passaram em cima dela de ré com um caminhão, ela se recompôs e está fazendo o serviço que tem que fazer, que é a frente ampla contra o autoritarismo.” 

A direita tradicional, para Nobre, tinha chances eleitorais reais para 2018 e jogou a oportunidade fora acreditando que comandaria as massas a partir das jornadas de 2013. “Aécio Neves ficar insuflando contestação ao resultado das urnas no dia seguinte à eleição de 2014, e achando que ia conseguir liderar e controlar esse movimento, é de um grau de insanidade… Não sabe nada de organização de massa.” 

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O cientista social se mostra cético quanto a avanços de curto prazo por meio de convocação de nova Constituinte, reformas rumo a uma democracia plebiscitária ou processos revolucionários. “A ideia de ruptura favorece também a extrema direita. Estamos num momento de extrema fragilidade institucional. Bolsonaro destruiu tudo que podia destruir, minou a confiança em todas as instâncias democráticas. Neste momento, quem tem o crédito para a destruição institucional é Bolsonaro”, argumenta.

Indagado por Altman se Lula, num eventual terceiro governo, deveria convocar manifestações de rua, Marcos Nobre prefere alertar para a organização de base digital, que Bolsonaro foi capaz de mobilizar e a esquerda, não. “A extrema direita não faz grupo de WhatsApp e Telegram só sobre política. Tem grupo de mães, de desempregados, e no meio tem mensagens políticas. Isso é o que a gente chamava de trabalho de base.” A esquerda se perdeu nesse processo e precisa se reencontrar, defende: “A base hoje não é territorial, tradicional. Em comparação com a extrema direita, temos um déficit de organização digital”.

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