Lincoln Secco: Revolução dos Cravos mostra como é possível derrotar fascismo

Professor falou sobre processo que acabou com a ditadura salazarista em Portugal, refletindo sobre seu legado nos dias de hoje

Lincoln Secco
Lincoln Secco (Foto: Reprodução)


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Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta segunda-feira (25/04), o jornalista Breno Altman entrevistou o professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo (USP) Lincoln Secco sobre o 48º aniversário da Revolução dos Cravos.

“O legado desse processo para Portugal é incontornável, legitima a atual democracia no país. Além disso, mostra que é possível derrubar regimes fascistas e coloniais com armas e o apoio da população. Vimos que há um caminho, mesmo na Europa Ocidental, para uma revolução e ela pode vir de onde não imaginamos”, refletiu o professor.

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Segundo ele, a Revolução dos Cravos, que aconteceu em 25 de abril de 1974, derrubando a ditadura de António Salazar, foi “em primeiro lugar, africana”, com a luta anticolonial. Secco explicou que o regime salazarista se sustentava sobre um ideal ruralista e as colônias africanas. 

No entanto, nos anos 50 e 60, o neocolonialismo passou a ser condenado, processos de resistência foram se desencadeando em Angola, Moçambique e Guiné Bissau, e as Forças Armadas, principal sustentáculo do império colonial português, já não queria mais lutar pelo controle da metrópole. 

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“Não haveria Revolução dos Cravos sem a luta anticolonial na África, primeiro em Angola, depois em Moçambique e Guiné Bissau. Aquela rebeldia colonial começou a supor um esforço de guerra que virou o esforço de todo o país, inclusive diminuiu a população portuguesa porque os jovens deixavam Portugal. Eles não queriam fazer o serviço militar tendo que lutar em guerras na África”, detalhou.

Por causa disso, o professor destacou que inicialmente a Revolução dos Cravos não tinha nenhum ideal revolucionário, era uma articulação para um golpe de Estado diante das dificuldades provocadas pela guerra colonial. 

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“Primeiro vinha de um descontentamento com decretos que ofendiam a dignidade dos oficiais. Depois entenderam que o problema era maior, precisavam derrubar o governo porque estavam perdendo a guerra. Por fim, viram que era necessário um programa mínimo, criar um governo transitório que então convocaria eleições”, relatou Secco. 

Em 25 de abril, os militares levaram a cabo seu plano. Os comunicados pediam que a população ficasse em casa, mas isso não foi o que ocorreu. O professor lembrou que já havia setores que realizavam forte oposição a Salazar, liderados, principalmente, pelo Partido Comunista Português.

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“O PCP era pró-soviético, mas mantinha uma organização própria, então eles decidiram que para derrubar o salazarismo seria necessária uma insurreição popular armada”, contou.

Assim, a população saiu às ruas e eventos foram sendo desencadeados “que fugiram do controle dos militares”. Pessoas subindo em cima de tanques, dando cravos para os soldados, de modo que “aquele sustentáculo do imperialismo, que eram os militares — apesar de serem só os oficiais de baixa patente —, viram do povo. Foi esse o fato que tornou o golpe uma revolução”.

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Revolução derrotada

Pós-revolução, o problema enfrentado pelos revolucionários era que não possuíam um programa definido, na opinião de Secco. Acabaram por entregar o poder nas mãos da direita: o militar António Spínola foi escolhido para ser o primeiro presidente da República Portuguesa.

Enquanto isso, “o processo revolucionário ia se radicalizando, o grupo de extrema direita ia se sobrepondo a um mais moderado”. Tanto é que, após deixar o governo, Spínola chegou a tentar realizar até três golpes — “iniciativas que, além de darem errado, radicalizaram ainda mais o governo”.

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O início do fim, contudo, começa um ano depois da Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1975, quando foram celebradas as eleições para a Assembleia Constituinte. Com participação popular massiva, o Partido Socialista sai vitorioso e o PCP, completamente derrotado, mesmo sendo um partido de grande influência naquele momento.

“O PCP era mais ortodoxo e queria radicalizar o processo revolucionário onde fosse possível. O PS já era mais à direita. Aliás, era o partido social-democrata mais à direita da Europa, enquanto o PCP era o mais à esquerda. Então já estavam muito distantes desde o começo. Nasce um processo de oposição do caminho revolucionário. Aí é o que dizem: quer acabar com uma revolução, faça uma eleição”, ponderou Secco.

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Do ponto de vista factual, entretanto, a revolução é derrotada em 25 de novembro do mesmo ano, “porque se inverte a correlação militar”. Na ocasião, um grupo de oficiais mais radicais desencadeia uma série de operações militares, desorganizadas, contra um processo de direita. A tentativa, “que também não tinha uma coesão ideológica”, foi fracassada. 

“Também participaram grupos civis e havia a palavra de ordem ‘comunistas ao mar’. A única coisa que impediu o triunfo da contrarrevolução foi o fato de as Forças Armadas ainda contarem com legitimidade suficiente para implementar uma democracia liberal burguesa em Portugal, com um governo muito moderado e próximo ao PS”, discorreu o professor.

Para ele, não havia condições de o PCP reagir à guinada à direita que o processo revolucionário sofreu: “Portugal foi um dos fundadores da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), era impensável que um membro realizasse uma revolução socialista. A correlação de forças internacionais não permitiria isso, permitiria apenas a independência das colônias africanas e a adoção de políticas progressistas”.

Aliás, segundo ele, possivelmente a própria legenda se deu conta disso, pois apoiou inicialmente o movimento do 25 de novembro, mas depois recuou.

“Acho que o PCP tinha mais interesse em manter a democracia com alguma tintura social. E a estratégia foi bem sucedida. Conseguiu, durante os governos provisórios do processo revolucionário, ser anti-monopolista, elevar os direitos da classe trabalhadora e consolidar o fim do império colonial. Mas é difícil para um grupo revolucionário lutar contra constantes. Portugal era um país periférico, não industrializado…não seria fácil transformá-lo em socialista. Acho que o PCP adotou a estratégia mais próxima da realidade”, refletiu Secco. 

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