Fernando Haddad: socialismo ainda é o horizonte utópico

Ex-prefeito lança livro, aponta para insuficiências do marxismo e propõe um novo olhar sobre luta de classes

Fernando Haddad
Fernando Haddad (Foto: Ricardo Stuckert)


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Opera Mundi - Pré-candidato ao governo do Estado de São Paulo pelo PT, o professor, advogado e político Fernando Haddad participou do programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (27/05) com o jornalista Breno Altman. 

Na ocasião, Haddad falou sobre seu livro recém-lançado O Terceiro Excluído - Contribuição para uma Antropologia Dialética, em que propõe a substituição do verbo evoluir, oriundo das ciências biológicas, por "revoluir", em consonância, segundo ele, com a antropologia, a linguística e as ciências humanas. 

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"Não é evolução, é revolução. O que chamamos de revolução é aquele momento mágico da história em que os processos se aceleram de tal maneira que a sociedade muda de patamar”, afirmou, acrescentando que a humanidade pode viver uma nova revolução ou não, mas ela estaria sempre "revoluindo". Apesar de que, disse Haddad, a barbárie que está sendo criada é uma espécie de revolução, "distópica, mas é". 

Além disso, para ele, é preciso "sofisticar" as análises das ciências humanas, inclusive como meio acessório para a luta política direta: “nós estamos num beco com saída, desde que a gente construa a saída. Está faltando base teórica sobre essa construção”, disse. 

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O título do livro se refere ao princípio básico da lógica formal de que ou uma proposição é verdadeira ou sua negação é verdadeira. “A lógica formal diz que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo. E eu digo: na sociedade contemporânea pode”, explicou Haddad, defensor da contradição como dimensão humana a ser considerada pelas ciências sociais. 

Apoiado na ideia da antropologia de que a relação sujeito-objeto não é natural, mas constituída historicamente, ele assinala que as sociedades pré-Estado não conheceram a dominação e tampouco conheceram a relação sujeito-objeto, cuja expressão mais extrema é a da escravização entre seres humanos.

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Procurando aproximar antropologia e materialismo histórico de Karl Marx, Haddad sugere em O Terceiro Excluído que nas sociedades modernas a relação sujeito-objeto tem como polos dois seres humanos, e não o homem e a natureza, como o marxismo clássico supõe. 

“O terceiro excluído é alguém que ao mesmo tempo é e não é ser humano. É um ser humano que foi subordinado, subjugado”, defende. Para ele, a emancipação humana da sociedade contemporânea é capitalista e não só repõe a relação sujeito-objeto, mas também inverte sua lógica, porque é o objeto que está no comando das vidas humanas. 

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“Hoje estamos num processo desenfreado de acumulação que não tem como finalidade o nosso bem estar,  mas a acumulação em si. É uma relação sujeito-objeto pervertida pelas relações capitalistas, que não colocam o ser humano como o centro do interesse”, explicou. 

Para Haddad, as ciências sociais precisam ser consideradas ciências "duras", assim como são a biologia, a física ou a química. Propondo-se a contribuir com a atualização do materialismo histórico, ressaltou que Karl Marx se via como um cientista, não como um profeta, líder religioso ou político: “Estamos falando de um homem quase renascentista, que tinha um apreço extraordinário por todo o conhecimento, inclusive pelas artes”. 

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Indagado por Altman se o socialismo permanece sendo um horizonte utópico sob essa outra lógica, afirmou que sim, se o conceito for pensado como a reconciliação dos seres humanos entre si e com a natureza. 

Haddad conecta a teoria com a prática da escravização humana, um estranhamento dos seres humanos entre si que prevaleceu na história ao longo dos séculos. As carências materiais e espirituais expressas na economia e na religião seriam decorrências desse estranhamento, e não suas causas.

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A luta pela emancipação humana não se daria, então, em termos de nacionalismo ou internacionalismo. Para Haddad, os projetos de emancipação nacional podem fazer recrudescer os antagonismos ao invés de superá-los. 

“Você simplesmente vai fazer seu país ocupar outro lugar na divisão internacional do trabalho e não vai concorrer para salvar a humanidade dela mesma. O Brasil merece ser a quinta economia do mundo, mas devemos estar preocupados com a 152ª nação, que está passando fome”, defendeu, questionando se "os chineses estão defendendo a humanidade ou a China? É 'America first' ou ser humano 'first'?”.

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Esse outro modelo, segundo ele, demandaria pensar além da perspectiva marxista da luta de classes. “Do ponto de vista doméstico, temos que pensar as relações econômicas, mas temos que introduzir no nosso repertório as questões do patriarcalismo, da subjugação das mulheres, da escravidão baseada na cor da pele e das minorias religiosas. Não são questões laterais”, apregoou. 

As relações sujeito-objeto seriam igualmente definidoras, sejam entre homem e mulher, branco e negro, capitalista e operário e assim por diante. “Um operário pode preferir defender o capital nacional do que um operário de outro país”, disse.

Aqui, Haddad estabeleceu uma ponte entre a teoria e a realidade política atual: ”Olha o que está acontecendo com o Brasil, os empresários estão felizes não porque a economia está crescendo, mas porque o lucro está crescendo às expensas do salário. E empresário está batendo palma, achando que isso é modernidade”.  

Aplicando seus conceitos ao momento político presente, ele afirmou que o atual modelo econômico está errado, é "burro" e precisa ser alterado: “As pessoas já estão morrendo de fome. O limite da barbárie é matá-las definitivamente? O problema do bolsonarismo é que ele é um motor de estranhamento, que faz você ser intolerante com tudo, criar uma câmara de gás numa viatura da polícia. Esse processo não tem fim, o fascismo é só a patologia extrema do que vivemos cotidianamente”. 

Haddad falou sobre a as eleições e sobre a aliança de Luiz Inácio Lula da Silva com o ex-tucano Geraldo Alckmin (hoje no PSB), no plano nacional. Argumentou que tal aliança não levará o PT a defender práticas privatistas como as que caracterizaram os governos de Alckmin e do PSDB em geral. “O governo de João Doria e Rodrigo Garcia nem de tucano pode ser chamado. Temos que ter maturidade para não negar nossos embates com o tucanato de São Paulo. A privatização não é o nosso  modelo econômico”, declarou. 

Defendeu, ainda assim, a aliança Lula-Alckmin com o objetivo comum de tirar o bolsonarismo do poder. "Não menosprezo a ameaça que o bolsonarismo representa e digo que não se trata só de derrotar Bolsonaro, já que o bolsonarismo está com 30% de apoio da sociedade”, alertou. Mesmo assim, disse acreditar que as condições atuais em São Paulo são muito favoráveis para uma mudança de rumo para um governo do século XXI, com agendas avançadas e progressistas.

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