Fala de Arthur do Val é o exemplo de machismo sob a égide do elogio, diz educadora

A doutora em Educação Andrea Penteado e a cantora e compositora Alliye de Oliveira debateram sobre cultura do estupro no programa Um Tom de Resistência, na TV 247

(Foto: Reprodução)


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Por Ricardo Nêggo Tom - Os áudios vazados na internet em que o deputado estadual Arthur do Val, conhecido como “Mamãe Falei”, objetifica sexualmente mulheres ucranianas em condição de vulnerabilidade e as classifica como “fáceis” por serem pobres provocou uma onda de protestos contra o parlamentar e trouxe mais uma vez à tona o debate sobre machismo, sexismo e cultura do estupro. O programa “Um Tom de resistência” convidou Alliye de Oliveira e Andrea Penteado na última semana para falarem sobre o assunto.

Andrea, que é professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRJ, chama atenção para o machismo sob a égide do elogio à mulher contido na fala do deputado. “Eu anotei que o tal de ‘Mamãe Falei’ utilizou sete vezes a palavra deusas para se referir às ucranianas. Mais do que se referenciar a essas mulheres como deusas, ele fez um outro ‘elogio’. Ele falou que, ‘se ela cagar, você lambe o cu dela com a língua’. O que, para ele, deve ser o máximo dos elogios. O que mais me impressiona na fala masculina é que os homens consideram esse tipo de comentário como um elogio. A minha indignação fica por conta de o sujeito achar que está fazendo um elogio, disponibilizando o corpo feminino para si. E quando estamos conversando com os homens, eu noto uma certa incompreensão por parte deles quando questionamos tais elogios. Eles acham que nós não deveríamos nos ofender quando somos chamadas de ‘gostosas’, por exemplo”.

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A cantora Alliye destaca o racismo na fala de Arthur do Val, na forma como ele descreve a mulher branca como sendo superior às demais. “Complementando a fala da Andrea, eu gostaria de falar com relação a esse complexo de vira-lata que nós temos, sociologicamente falando. É tão flagrante a maneira como ele representa a mulher branca em seu discurso, como uma coisa exclusiva, luxuosa, um prêmio a ser conquistado. É como se ele se descobrisse numa terra de reis. Para mim, isso fala muito sobre a questão do racismo, da violência envolvida nele, a questão da solidão da mulher preta e outras coisas que a gente vive, sofre e debate aqui no Brasil”. A objetificação sexual da mulher como o principal fator de contribuição para perpetuação da cultura do estupro na nossa sociedade foi analisada por Alliye e Andrea. Na visão da mestra em Educação, “talvez, sim, se analisarmos o que difere o estupro de uma relação sexual. Por que estou me sentindo estuprada, não tendo uma relação sexual com a pessoa que está comigo? Porque eu não tenho nenhum direito nessa relação. Eu sou realmente uma coisa que está sendo usada. A objetificação é o que, em última instância, me leva a me sentir violentada, estuprada. Então, eu acho que não só, mas ser considerada um objeto que o outro pode tomar e usar, é uma situação que faz com que você se sinta estuprada”.

Lembrando que a mulher também pode acabar se submetendo aos valores estabelecidos pelo patriarcado, Alliye destaca que a opinião masculina acaba influenciando no comportamento das mulheres, o que, na sua opinião, contribui para essa objetificação. “No caso da nossa sociedade brasileira, a opinião do homem ainda é muito importante e a mulher ainda acata tudo o que ele diz. Ela tem que ser a escolhida pelo cara, por isso, existe aquela corrida, aquela concorrência para se casar, para ser a escolhida. Sem falar que, entre outras coisas, as mulheres absorvem tanto os valores desse patriarcado, dessa masculinidade tóxica, que a relação entre as mulheres se torna complicada. E o homem acaba decidindo qual vai ser a linha diretriz de um comportamento. Se um homem acha que um corpo de bodybuilding, ou algo assim é interessante, elas vão trabalhar para aquilo. Isso me faz lembrar o problema que algumas pessoas negras têm, quando se esquecem que são negras e incorporam valores da branquitude para se sentirem aceitas num determinado grupo. A nossa sociedade é tão machista, que as mulheres também precisam passar por esse processo de desconstrução. E essa objetificação se dá nessas coisas. A cultura da balada, a música de pegação, que te limita a uma escala de reprodução. Você fica limitado a uma escala de alienação onde você não pensa no futuro de uma coletividade, de uma sociedade, porque você está ali para satisfazer os seus desejos”.

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A culpabilidade da vítima de um estupro é outra questão que ainda precisa ser bastante debatida pela nossa sociedade, porque sugere um comportamento permissivo por parte das mulheres. O que justifica o estupro sofrido, seja pelo tipo de roupa que ela estava vestindo ou por se comportar de alguma forma que a tenha exposto ao risco. “Suponha que eu levante aqui, tire a roupa e decida ficar pelada até o final do programa. Por que você entende que se eu ficar pelada, eu estou permitindo que você tenha relações sexuais comigo? Que tipo de associação é essa? A forma de domínio do patriarcado sobre a mulher é através da violência física. Ou seja, é a sujeição do corpo feminino. Então, a mulher não pode sentar de perna aberta, não pode andar sem camisa. Mas os homens andam sem camisa e isso não me dá o direito de atacá-los. Não existe uma lógica racional para isso. Essa questão da sobrevitimização da vítima é muito importante e ainda precisa ser muito discutida no Brasil, porque é reincidente”, explicou Andrea Penteado.

Alliye de Oliveira entende que todas as mulheres são vítimas de um controle imposto pelo patriarcado sobre os seus corpos. “Essa é a história da minha vida, das minhas irmãs, primas e de tantas outras mulheres. Ainda mais eu que venho do Nordeste, onde existe essa pressão para que a mulher seja controlada. Eu acho que esse assunto tem que ser discutido e não devemos esperar uma mesa redonda para que essa discussão aconteça. Às vezes, eu sou bem mal criada na rua, quando um homem se permite a um comportamento que para mim é violento, eu também respondo com violência, com palavrão, mando tomar um suco de caju, essas coisas. Mas isso é desgastante no dia a dia. Até quando eu vou produzir um álbum, e o produtor já subentende que daquela relação de trabalho, por eu ser uma mulher, vai rolar um teste do sofá. Sendo que, se eu estou pagando pelo serviço, quem deve estar à disposição é o produtor. Eu tive que produzir sozinha um álbum com 16 músicas, porque os três produtores que eu tentei, desviaram a relação de trabalho para algo que não tinha nada a ver. O machismo é uma patologia”.

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