Fabio Victor: DNA de conciliação explica impunidade militar no Brasil

Nomeação de civil para ministério da Defesa e desmilitarização da esplanada prometidas por Lula diminuirão politização das Forças Armadas, diz jornalista

Fabio Victor
Fabio Victor (Foto: Avener Prado/Agência Pública)


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Opera Mundi - O jornalista Fabio Victor, autor do livro recém-lançado O Poder Camuflado: Os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro (ed. Companhia das Letras), atribui a intocabilidade desfrutada pelas Forças Armadas nacionais ao DNA conciliador do Brasil e ao não-enfrentamento dos abusos cometidos pelos militares ao longo da história do país. “Ninguém nunca quis pagar para ver. Vigora um DNA da conciliação, do medo, respeito ou como se queira chamar”, afirmou ele em entrevista a Breno Altman no programa 20 MINUTOS desta terça-feira (15/11).  "Autoridades importantes do país, desde o fim da ditadura, têm reforçado com palavras e gestos essa condição das Forças Armadas como algo intocável”, lamenta. “Talvez fosse possível um meio termo, não enfrentar as Forças Armadas com ameaças ou armas, mas ser um pouco mais assertivo em questões tidas como muito sagradas pelos militares.” 

O jornalista revela-se contrário a soluções que possam ser entendidas como vingativas ou revanchistas: “Deveria existir punição pontual, em casos como o dos militares que estiveram envolvidos com a pandemia. A CPI pediu o indiciamento de alguns deles, como o general Walter Braga Netto”. 

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Victor afirma não crer que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vá liderar o enfrentamento ou colocar em prática qualquer expurgo de militares, mas identifica em seus discursos indícios de que tomará medidas para iniciar uma desmilitarização do governo federal: “Lula já disse que vai nomear um civil para o ministério da Defesa. Desde Michel Temer, temos generais comandando a Defesa, o que põe por terra uma premissa básica da subordinação do poder militar ao poder civil”.

Outra promessa do próximo presidente diz respeito ao aparelhamento do governo federal pelas Forças Armadas: “Há milhares de militares em postos civis na Esplanada, e Lula já disse que vai fazer uma reacomodação”. O jornalista faz uma ressalva: “Não podemos esquecer que essa onda não foi só no poder executivo, mas no legislativo também. Hoje há generais, coronéis e majores das Forças Armadas e de todas as forças de segurança em todos os parlamentos do Brasil, um processo turbinado por Jair Bolsonaro.

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Victor afirma que o Brasil caminha no fio da navalha com as manifestações golpistas de militantes de extrema direita desde a eleição de Lula em 30 de outubro, com possível conivência ou omissão por parte dos comandantes militares, mas afasta a possibilidade de os atos terem consequências mais graves: “Apesar de concordarem com Bolsonaro e com as vigílias golpistas em frente aos quartéis, os militares sabem que hoje não têm como dar um golpe. Não têm o apoio externo que tinham em 1964. A Igreja Católica não apoia, como apoiava em 1964. Em relação ao capital há controvérsia, porque quem mais apoia Bolsonaro e o bolsonarismo são os empresários brasileiros”. Parte do empresariado, lembra, aderiu no segundo turno das eleições à frente ampla formada em torno de Lula.

Altman evocou o artigo 142 da Constituição de 1988, usado como dispositivo de manutenção da tutela militar sobre o Estado  brasileiro, no trecho que afirma que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer destes, da lei e da ordem”. “O problema é o finalzinho, que assegura essa prerrogativa de garantir a lei e a ordem. Lei e ordem pode ser qualquer coisa. As Forças Armadas podem ser chamadas para dirimir qualquer problema, de uma partida de sinuca que vire briga a uma vigília golpista na frente de um quartel como estamos vivendo agora”, argumenta o jornalista.

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Na interpretação que Victor expõe em seu livro, o intervalo em que as forças militares se retiraram do primeiro plano da política nacional, entre 1985 e 2018, não significou uma neutralização de seu poder: “Ficaram no banco de reserva, pero no mucho, e isso justifica o poder camuflado no título do livro. Estavam no melhor dos mundos, porque ficaram exercendo poder sem o ônus de ser governo. Nos embates que houve, levaram a melhor. Não estavam soltando tweet, tutelando ou com cargos por toda a Esplanada, mas estavam ganhando o embate político”.

O tweet a que se refere é aquele em que o general Eduardo Villas Boas emparedou o Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto comandante do Exército, em 2018, ameaçando o tribunal caso concedesse habeas corpus a Lula, então preso no contexto da Operação Lava Jato. O STF negou o habeas corpus, o que inviabilizou a candidatura de Lula naquele ano e assim pavimentou a vitória de Bolsonaro na disputa presidencial. Altman citou também nota conjunta emitida por Marinha, Exército e Aeronáutica na semana passada, no sentido de chancelar como democráticas as manifestações bolsonaristas à frente dos quartéis. Embora condenando eventuais excessos nas manifestações, as Forças Armadas reivindicaram novamente o suposto direito de tutela, afirmando-se “vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional, na garantia de nossa soberania, da ordem e do progresso”.

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Indagado sobre por que as Forças Armadas voltaram a explicitar seus poderes a partir do processo de golpe na presidenta Dilma Rousseff, Victor responde: “Apesar dos atritos, o governo Lula representou uma espécie de trégua entre os militares e um governo de esquerda. Isso começa a ser rompido por uma série de fatores, quando assume uma ex-guerrilheira que tinha sido presa e torturada, que resolve tirar do papel a Comissão Nacional da Verdade”. As condições estavam dadas para que ressurgisse o anticomunismo histórico das Forças Armadas: “Foi um combo, com Comissão da Verdade, impeachment de Dilma, Lava Jato. Junta tudo isso, desagua no tweet do general Villas Boas, e Bolsonaro ali já estava muito bem posicionado para ser o cara que ia incorporar as demandas dessa nova direita ou extrema direita populista”. 

Desta vez, o jornalista não vê um projeto concreto de perpetuação dos militares no poder, como houve em 1964. “É claro que há militares que pensam nisso. É claro que eles continuam se vendo como tutores. Talvez achem que podem contribuir mais com o país, que precisam lutar contra o inimigo vermelho. Mas tem um lado muito pragmático, que é de gostar de ter cargo, de estar no centro do poder”.

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Fabio Victor demarca que a militarização do governo federal não começou com Bolsonaro, mas com Michel Temer, e fala do peso da missão brasileira no Haiti, entre 2004 e 2017, para a formação do generalato que ampararia Bolsonaro no poder: “Nas palavras do general Augusto Heleno, ‘eu era um médico sem paciente, o Haiti foi meu primeiro paciente’. Eles vão para o Haiti praticar, gostam do mandato que recebem e querem trazer isso para o Brasil”. 

O mandato refere-se à permissão de ataque concedida pela ONU aos oficiais na missão de paz haitiana. “É o excludente de ilicitude, o eufemismo usado para licença para matar. Queriam reproduzir esse modelo nos morros brasileiros, e veio a onda de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com governadores chamando o Exército para colocar tanques nas comunidades. Os governos do PT deram vazão a isso”, traduz Victor, de novo a partir do conceito difuso de “lei e ordem”. 

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