Celeste Santos: Estatuto da Vítima acelerará processos e reduzirá encarceramentos no Brasil

Promotora afirma que projeto de lei em tramitação muda paradigma da Justiça, priorizando vítimas de crimes e responsabilizando ofensores; veja vídeo na íntegra

Celeste Santos
Celeste Santos (Foto: Reprodução)


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Opera Mundi - A promotora de Justiça do Estado de São Paulo Celeste Santos defendeu, em entrevista ao jornalista Breno Altman, no programa 20 MINUTOS desta sexta-feira (29/07), um novo paradigma no judiciário para o Brasil que foque atenções na figura da vítima de crimes, e não apenas na do ofensor. 

Co-autora com o deputado Rui Falcão (PT) do Projeto de Lei 3890/20, que cria o Estatuto da Vítima, ela denuncia o completo descaso da Justiça brasileira em relação a esse outro lado. “Não sabemos quem são as vítimas”, afirma, citando que o último mapeamento da vitimização no país foi feito há mais de uma década.

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Para a entrevistada, a resolução de conflitos fora do âmbito processual acabaria por reduzir tanto os índices de encarceramento quanto a morosidade da Justiça. “Abrevia, porque a vítima não vai ter que contratar um advogado, entrar com outro processo e ser revitimizada num juízo cível. A justiça restaurativa abre mão da questão processual. Não vai haver perícias, comprovações de danos ou recursos, mas um acordo”, expõe. 

O sistema de Justiça colhe informações sobre o ofensor (grau de escolarização, renda etc.), mas não sobre o outro lado: “As vítimas de quaisquer crimes também são pessoas extremamente vulneráveis, e em sua maioria de mulheres. E há também um desequilíbrio em relação a raças, mas não existem estudos científicos sendo realizados sobre esse assunto”. O estatuto determina a identificação de vítimas de especial vulnerabilidade, por motivos de idade, estado de saúde ou deficiência. “As vítimas de criminalidade violenta e de doenças de notificação compulsória são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis”, diz o texto.

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“O Estatuto da Vítima é sobretudo preventivo e não punitivista. Ele foca nos direitos das vítimas”, explica a promotora, também presidenta do Instituto Brasileiro de Atenção e Apoio a Vítimas, para quem a adoção de outro paradigma representaria uma revolução cultural no país. "É fora do processo penal, e não dentro dele, que o Estatuto da Vítima vai ter maior efetividade.” Apesar da solicitação de urgência por 34 deputados de esquerda, o projeto de lei aguarda desde maio a inclusão na pauta pelo presidente da Câmara dos Deputados.

Segundo Santos, o Estado liberal brasileiro centra suas atenções há 200 anos nos praticantes de crimes: “O outro lado ficou alijado desde a Idade Média no seu poder de ter sequer voz”. Para ela, o modelo atual se provou ineficaz no combate à violência e aos crimes: “Manter um modelo reflexivo do ofensor, sem envolver, por exemplo, a mulher vítima de agressão é continuar repisando e repetindo o mesmo problema. Não se pode trabalhar só o ofensor e querer obter uma resposta social diferente da que já temos”.

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Santos classifica as vítimas em diretas (como quem teve um celular furtado), indiretas (como crianças filhas de um casal morto por latrocínio) e coletivas (em casos de calamidades públicas, desastres naturais e epidemias), e critica o modelo vigente: “Você é um mero meio de prova, não é considerado um ser humano”. 

A lógica punitiva, disseminada por todos os setores da sociedade brasileira, é a da não-assunção e da não-responsabilização do ofensor. Frequentemente as vítimas não recebem informações sobre o andamento dos processos, são convocadas para audiências em prazos exíguos, têm de repetir indefinidamente os relatos traumáticos e passam por maus-tratos nos tribunais.

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A promotora explica o modelo alternativo: “Com a vítima junto, ela própria pode oferecer soluções viáveis para a reparação do dano. Muitas vezes a vítima quer muito mais respostas ao porquê de ter sido escolhida. Ela se culpa por ter sido vítima de um crime, não só nos crimes contra as mulheres, mas em crimes em geral. O processo penal seria instaurado se o ofensor não estiver disposto a assumir que errou ou entender que não praticou um crime.

Entre exemplos das chamadas práticas restaurativas ao redor do mundo, Santos cita a Nova Zelândia, onde o modelo se tornou o meio primário de promoção de justiça, inclusive em casos como o das etnias maori, que, sentindo-se discriminadas, denunciaram coletivamente o sistema racista de justiça do país. Na execução de conferências familiares, são colocados frente a frente o ofensor, uma pessoa de confiança do ofensor, a vítima, uma pessoa de confiança da vítima e representantes da comunidade impactada pelo suposto crime. 

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Na Nova Zelândia, a autoridade policial conduz o caso, posteriormente homologado em juízo. Na Bélgica a condução é do Ministério Público, mais próximo da realidade brasileira, segundo a promotora. No Reino Unido, casos de violência doméstica familiar de gravidade menor são apreciados em salas separadas, sem comunicação entre vítima e ofensor. A vítima assiste por vídeo o processo no qual o ofensor se responsabiliza e se autoconscientiza ativamente do ciclo de violência. “Essa prática tem tido muito êxito para evitar a reincidência”, afirma. 

O novo marco legal proposto no 3890/20 obriga que o Estado passe a ter políticas públicas de atenção à vítima, tendo por eixos o apoio, a desvitimização e a prevenção dos crimes, sem por isso reduzir direitos dos acusados. Pela redação atual, o estatuto normatiza a proteção e os direitos da vítima, inclusive com registro digital de seu relato. “A vítima foi ouvida na delegacia de polícia, desde que tenha sido gravado não é preciso chamá-la para falar duas, três ou dez vezes sobre o assunto”, diz Santos, salientando que a vulnerabilidade pode estar dos dois lados, tanto o da vítima quanto o do ofensor. “Esses fenômenos se retroalimentam, porque a vítima de hoje pode ser o ofensor de amanhã, e vice-versa. Somos ao mesmo tempo ofensores e vítimas. Precisamos humanizar o processo penal nessas duas perspectivas”, pondera.

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A condução é contrária, por exemplo, à das audiências de conciliação trabalhista: “Muitas vezes ela foi vítima de um crime de violência patrimonial ou assédio moral e é levada a conciliar com seu perpetrador, sem nem um pedido de desculpas”. O desequilíbrio de poder não pode provocar a revitimização nem agravar o trauma já sofrido: “Esse é o equívoco que não podemos cometer nas práticas restaurativas”.

Por experiência, a promotora afirma que o maior obstáculo não é a reparação do dano, mas a assunção do erro pelo ofensor, sem qualquer efeito de confissão penal. Sem processo, o caso não constará da folha de antecedentes do ofensor, o que é diferencial para efeitos laborais, por exemplo. “Não se trata de confissões que não são verdadeiras confissões, ou responsabilizações”, diz Celeste Santos, argumentando que, pela lógica não responsabilizadora, a culpa é sempre atribuída a outra pessoa, e os erros e crimes se reproduzem em moto-contínuo não individual, mas coletivo.

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