Camila Rocha: discurso autoritário e defesa dos ricos são pontos fracos do bolsonarismo

Cientista política afirma que neofascismo permanecerá em médio prazo e resgate de laços sociais e luta ambiental ajudam a combatê-lo

Camila Rocha
Camila Rocha (Foto: Reprodução | Alan Santos/PR)


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Opera Mundi - A cientista política Camila Rocha, estudiosa do bolsonarismo, previu a permanência desse fenômeno no cenário político brasileiro em médio prazo, em sua participação no programa 20 MINUTOS desta sexta-feira (16/06), com o jornalista Breno Altman. Em sua opinião, o autoritarismo e a defesa dos ricos são os pontos fracos do discurso de Jair Bolsonaro. A esquerda, de outro lado, tem como principais horizontes de combate ao neofascismo à brasileira o discurso anticapitalista, a luta pelo meio ambiente e o resgate de laços sociais e familiares rompidos pela radicalização e pela violência política cultivada pelos bolsonaristas.

“Quando Lula fala que é preciso unir os brasileiros contra a ameaça que o bolsonarismo representa, esse discurso tem mais ressonância que o do amor contra o ódio”, afirma. “O resgate de laços é um discurso mais amplo, porque não é só a esquerda, é a sociedade brasileira contra o bolsonarismo que está ameaçando tudo.” 

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Sem reais vinculações com partidos políticos, Bolsonaro se relaciona com seu eleitorado de uma maneira nova, que Rocha compara com a estrutura organizativa do Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores organizações criminosas do país: “Tem uma espécie de esquema piramidal, com o chefe, os filhos, algumas pessoas ao redor. Mas, ao mesmo tempo, há um código, um discurso em comum que mobiliza toda a base. As pessoas não precisam ficar pedindo autorização para agir, têm abertura para inovar”. 

Compõe-se assim uma base mais democratizada em comparação com as estruturas hierarquizadas na esquerda e nos partidos tradicionais. “O inquérito das fake news derrubou vários canais, mas não interessa, porque surgem outros rapidinho, porque a base é horizontalizada. Se a pessoa compra o pacote de princípios estruturantes, ela pega aquilo e vai fazendo o dela”, explica. “Eventualmente a pessoa consegue até uma projeção muito maior, e inclusive lucrar com isso.”

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Camila Rocha lança agora Feminismo em Disputa: Um estudo sobre o imaginário político das mulheres brasileiras (ed. Boitempo), que organizou ao lado de Beatriz della Costa e Esther Solano. O livro inclui uma pesquisa feita entre mulheres que se autodenominam conservadoras, jovens indecisas e mulheres que votaram em Bolsonaro em 2018 e se arrependeram. Os resultados evidenciam transversalidades nem sempre percebidas entre as lutas políticas e femininas.

De acordo com a cientista política, a extrema direita adota atualmente duas estratégias principais no embate com o movimento feminista. A primeira é se colocar frontalmente como antifeminista, e a outra, disputar os significados do feminismo e esvaziar seu conteúdo emancipatório e de luta contra o patriarcado. Isso não significa que exista um feminismo bolsonarista: “Não tem como, porque a questão de gênero é uma das principais questões para os extremistas de direita, que fazem um tensionamento para voltar para trás, querem que as mulheres voltem para casa. É um discurso reacionário”. 

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A pesquisadora observa que atualmente 30% das mulheres se afirmam feministas e 7%, antifeministas, o que aponta para uma quantidade expressiva de mulheres que apoiam as lutas femininas, mas têm receio de se afirmar feministas, por conta dos estigmas que ainda perseguem o movimento.

Breno Altman citou a líder alemã de extrema direita Alice Weidel, que incorpora reivindicações feministas, como legalização do aborto e paridade de salários e cargos, e perguntou se pode existir feminismo de direita.  Rocha responde, mencionando uma entrevistada autodenominada conservadora, que afirmou que votou no Bolsonaro e é feminista: “Para essas mulheres, ser feminista é ter espaço garantido no debate público. Falam que o presidente dá espaço para Michelle Bolsonaro se posicionar. Quando tomou posse, foi a primeira vez que uma primeira-dama fez um discurso junto”. 

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Um ponto significativo exposto na pesquisa diz respeito às posições de mulheres conservadoras e religiosas em relação ao feminismo. Ela vê uma inflexão a partir de 2010, quando o acesso à internet e a democratização das universidades se retroalimentaram entre si. “Uma entrevistada falou que soube que existia estupro dentro do casamento porque viu uma tiktoker falando sobre isso”, exemplifica.

As mulheres que se autodenominam conservadoras valorizam a luta por mais direitos e a presença feminina no espaço público, mas acham importante valorizar papel da mulher como esposa e mãe, e consideram que o feminismo não concede espaço para essas posições. É aí que aparecem e se empoderam figuras como a primeira-dama, Damares Alves, Carla Zambelli e Janaína Paschoal, entre outras. “Hoje, mesmo as mais conservadoras entendem que é importante combater o machismo. Elas sabem exatamente o que é, porque vivem isso na pele. Várias percebem que Bolsonaro dá declarações machistas, mas tentam passar pano e falar de Michelle”. Rocha explica que, entre as eleitoras que se arrependeram de votar em Bolsonaro, há a percepção de que a misoginia do presidente não é acidental, mas um padrão. 

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A religião incide sobre o posicionamento feminino: “Para as mulheres acima de 40 anos, de fato a religião cristã, sobretudo o neopentecostalismo evangélico, acaba reforçando valores de submissão no casamento, da mulher como ‘ajudadora do marido’”. Esse universo é complexo e heterogêneo. Diferentemente da Igreja Católica, onde mulheres só têm espaço para ser freiras, em várias igrejas evangélicas elas conseguem posições de poder e liderança:  “Existe um discurso conservador muito forte, mas também um movimento de empoderamento feminino acontecendo em paralelo dentro da igreja. Muitas não compram exatamente o discurso conservador e tentam ir contra”. 

As adolescentes e jovens aparecem na pesquisa como especialmente abertas a se afirmarem feministas e apoiarem a causa da legalização do aborto. Essas podem ao mesmo tempo seguir influenciadoras católicas ou do universo gospel e a cantora feminista Anitta, e considerá-las igualmente interessantes, afirma Camila Rocha.

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