Bruna Rangel: “nossa sociedade ainda considera que bater é educativo e gritar com crianças impõe respeito”

Terapeuta debateu na TV 247 a sobrevivência em uma família tóxica, com foco no transtorno de personalidade narcisista

Família | terapeuta Bruna Rangel
Família | terapeuta Bruna Rangel (Foto: Charles Platiau/Reuters/Agência Brasil | Reprodução)


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Por Ricardo Nêggo Tom - Transtorno mental ainda é um tema de pouco conhecimento por parte da nossa sociedade, mas que precisa a cada dia ser debatido com mais prioridade e empatia. Principalmente, quando estamos falando de uma sociedade cuja estrutura privilegia determinados grupos de pessoas, enquanto exclui outros que ela julga não pertencerem aos padrões de normalidade ou de aceitabilidade impostos. Naturalmente, quando esses indivíduos não violentam a própria essência para serem aceitos ou se sentirem pertencentes a essa conjuntura social, eles ficam propensos a desenvolver problemas psicológicos oriundos dessa invalidação. O problema se agrava quando a família, que deveria ser a nossa base de sustentação, apresenta alguma disfuncionalidade e nos obriga a conviver com o transtorno de personalidade de algum ou todos os seus membros. A terapeuta e socióloga Bruna Rangel, especialista no atendimento de crianças e adolescentes criados em famílias disfuncionais e filhos de pais narcisistas, falou sobre a dinâmica dessas relações e as características do transtorno de personalidade narcisista. “Esse transtorno faz a pessoa ter um senso de grandiosidade, onde ela precisar ser constantemente adulada e se sentir importante. Ela também apresenta comportamentos diferentes no espaço privado e no espaço social, o que dificulta as outras pessoas de perceberem que ela está mentindo, negligenciando, difamando alguém ou fazendo algo de ilícito”.

A terapeuta explica que, “por ser um transtorno de personalidade, esse comportamento não muda quando a pessoa tem filhos ou tem um cônjuge”, por exemplo. Ela também sinaliza para a dificuldade que essas pessoas têm de procurar a ajuda de um especialista, uma vez que elas enxergam o outro como o problema. “Essa pessoa dificilmente chega ao consultório, porque ela vai sempre culpabilizar as outras pessoas pelo seu comportamento. Ela tem uma não responsabilização muito grande diante das suas atitudes”. Bruna avalia que o narcisismo é patológico, e chama atenção para os traços do transtorno que podem ser adquiridos através da convivência com um narcisista. “Existem pessoas que podem apresentar traços desse transtorno, por terem sido submetidas a essa dinâmica familiar disfuncional. E aí, podem haver gradações, que vão das mais leves às mais graves. Mas a principal característica é o comportamento ser muito abusivo, bem no espaço privado ou onde ele perceba que dá para exercitar o seu desvio de conduta”. Perguntada se o conceito de família tradicional que a sociedade patriarcal instituiu, onde as figuras do pai e da mãe são tidas como sagradas, podem acabar naturalizando a toxicidade das relações entre pais e filhos e provocar traumas profundos nessas crianças, a socióloga concordou que sim e criticou o tipo de educação “punitiva” que ainda é utilizada na nossa sociedade.

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Para Bruna, “temos uma história de educação mais prussiana das crianças, uma educação mais punitiva, onde ainda consideramos que bater é educativo e que gritar impõe respeito aos mais velhos. Tem vários ditos populares como ‘falo o que eu digo, mas não faça o que eu faço’ e várias outras questões culturais inseridas nesse contexto”. Ela entende que, por ainda haver muito desconhecimento com relação a transtornos mentais, é muito difícil as pessoas identificarem essa situação e estabelecerem uma relação entre o comportamento dos pais e um possível problema. “O status de pai e mãe acaba se sobrepondo às questões emocionais, e fica muito difícil para as pessoas fazerem essa diferenciação. Já em um ambiente de trabalho, por exemplo, quando identificamos um comportamento difícil em alguém, logo imaginamos que essa pessoa possa ter algum problema como uma distimia, um transtorno de humor, por ela estar muito agressiva. Mas quando essa situação é alocada para pai e mãe, subentende-se que essa pessoa seja um bom pai e uma boa mãe, ignorando o fato de que ela também pode agredir e ter comportamentos disfuncionais dentro da família. Porque o transtorno é o mesmo, seja no trabalho ou em casa. Ainda que a pessoa crie mecanismos para disfarçá-lo de alguma forma. Então, tem essa questão de naturalizarmos a bondade dos pais dentro de casa com relação aos seus filhos, esquecendo que quando a pessoa está adoecida emocionalmente, ela vai ser um personagem muito desafiador para o convívio dessas crianças. “

Os relacionamentos tóxicos, sejam em família ou de um modo geral, cada vez mais vem inspirando conteúdos produzidos pelos profissionais da saúde mental, o que tem ajudado a reverberar as discussões e popularizar alguns termos utilizados pelos especialistas para identificar o papel de cada um dentro dessas relações. É o caso de expressões como “bode expiatório” e “filho dourado”, usadas para designar, respectivamente, o alvo do narcisista é aquele que ele considera digno de sua aprovação. Bruna explica que “o conceito de família disfuncional é aplicado quando são identificados comportamentos abusivos e quando há uma falta de amor genuíno na relação entre as pessoas. Essa família vai lidar com uma criança com o se ela fosse um peso a ser carregado, algo que ela não queria. Mas se eles puderem tirar proveito dela quando ela se tornar adulta, vai ser interessante para eles. Tanto na família disfuncional quanto na narcisista, os filhos nunca lhes servirão de aprendizado. Eles sempre serão vistos como um peso. E para esconder essa dificuldade em aceitar os filhos, eles vão eleger uma criança para culpá-la e outra para elevá-la. O primeiro é o ‘bode expiatório', aquele que vai levar a culpa, que vai ser difamado, que será criado como o filho ruim. O segundo é o ‘filho dourado’, aquele que é bom, grandioso, que é protegido. Muitas vezes, esse filho é o que mais se parece com o pai ou a mãe narcisista, nos códigos de conduta e na personalidade. Enquanto que o ‘bode expiatório’ é o filho mais empático, aquele que originalmente é mais cooperativo e se preocupa com os sentimentos dos pais”.

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