Breno Altman: governos petistas cometeram erros com classes médias

Jornalista considera essencial, para recuperar esses setores, revisar programa sobre impostos, saude e educação

Felipe L. Gonçalves/Brasil247
Felipe L. Gonçalves/Brasil247 (Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247)


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Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (05/04), ponderei sobre as possibilidades de que segmentos relevantes da classe média voltem a se integrar na coalizão social de forças do petismo, como o ocorreu da fundação do partido até a eleição de Lula em 2002. 

Se retomarmos a história, os assalariados das camadas médias, ao lado da classe trabalhadora organizada, como bem registrou André Singer, compunham o núcleo duro do eleitorado de Lula até 2006, concentrado nos grandes centros urbanos e nos estados mais desenvolvidos.  Por conta de determinadas condições materiais, políticas governamentais e crises como a do “mensalão”, boa parte desses eleitores de renda média abandonou o PT, dando lugar a votantes das chamadas classes D e E, compostas pelo subproletariado e o proletariado de menor renda, beneficiados por programas sociais.

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As camadas médias, que começaram a se afastar a partir de 2005, engrossando fileiras oposicionistas à direita e à esquerda, acabaram indo às ruas contra o governo Dilma em 2013 e servindo de base para o golpe de 2016. Também veio dessas camadas médias o núcleo duro do bolsonarismo. 

Passado o tempo, porém, o fracasso do governo Temer, a catástrofe provocada por Jair Bolsonaro e a desmoralização da operação Lava Jato acabaram por reabrir a relação entre o petismo e a classe média. Há agora uma janela de oportunidade para que uma parte desse extrato social venha a fazer as pazes com Lula e seu partido. 

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Mas muito dificilmente isso funcionará de forma espontânea.

Por que ocorreu esse fenômeno?

Antes de mais nada, situemos a classe média. Nas classes A e B, além de uma pequena minoria burguesa, equivalente a 12% do contingente dessa camada, está a classe média tradicional, que paga bons planos de saúde, coloca seus filhos em escolas privadas, tem casa própria e contrata trabalho doméstico. A esse contingente de 30 milhões também poderíamos somar a franja superior da classe C, chamada de C1, entre sete e 10 salários mínimos de renda familiar, correspondente a mais 15 milhões de brasileiros.

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Podemos afirmar, então, que o bloco social das camadas médias, formado pelos assalariados deste segmento e o proletariado de maior renda, atingiria um percentual de 20% a 25% da população brasileira. 

Os trabalhadores de menor remuneração, provenientes da classe C, equivaleriam a uma grandeza entre 45% e 50%. O subproletariado, nas classes D e E, equivaleria a algo entre 25% e 30% da população. Assim, um forte apoio nas classes E, D e C2, por exemplo, seria suficiente para vencer eleições presidenciais, pois estamos falando de um universo superior a 70% dos eleitores. 

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Mas a fraqueza na classe média tradicional e nos setores assalariados de melhor remuneração representa baixa densidade eleitoral nos grandes centros urbanos, onde a vida de um país moderno se decide, além de fragilidade para disputar a opinião pública. São as profissões da classe média tradicional, afinal, que, comprovadamente, exercem maior influência na construção da identidade ideológica, política e cultural do povo brasileiro - além da mídia, das igrejas e das organizações partidárias, populares e sindicais.

Claro que o PT nunca teve maioria na classe média tradicional, mas conseguia arrastar um contingente expressivo desse segmento, além de ter enorme poder de atração junto aos setores de maior renda e educação do proletariado.

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O afastamento viria a ocorrer por condições objetivas e subjetivas.

Vivemos em um país no qual os ricos não pagam impostos. Já os pobres não sabem que pagam impostos, pois o fazem na aquisição de mercadorias e serviços, em um sistema extremamente regressivo, no qual esses tributos lineares têm muito maior peso que a taxação sobre renda e riqueza.

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A classe média tradicional, somada aos setores de ponta do proletariado, porém, é fortemente taxada e disso tem consciência, sentindo-se o tempo todo como a alavanca principal do financiamento dos serviços públicos.

Como os governos petistas incluíram os pobres no orçamento sem tocar na estrutura tributária que beneficia a burguesia, , as camadas médias acabaram ficando com a conta e um gosto de fel na boca: os ricos escapavam ilesos, os pobres melhoravam de vida, mas esses setores intermediários supostamente ficaram sem contrapartida para os seus suados tributos. 

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O mal-estar, em certos períodos, era compensado pelo crescimento econômico e a elevação geral do padrão de vida. A valorização do real frente ao dólar, permitindo viagens ao exterior e compra de mercadorias importadas também aliviaram a bronca, ainda que essa fosse uma válvula de escape que afetava negativamente a economia brasileira.  

Mas o crescimento não era constante e a amargura foi piorando pelo forte aumentos das mensalidades escolares e dos planos de saúde, principais itens no custo de vida dessa camada social, que não está incorporada aos serviços públicos de saúde quanto e educação, com exceção do ensino superior. 

Essas condições materiais – elevada carga tributária, qualidade insuficiente dos serviços públicos de saúde e educação, elevação de seus preços encarecimento do trabalho de funcionários domésticos – foram tornando a classe média vulnerável ao tradicional discurso anticorrupção da direita. Afinal, se pagavam altos impostos e não recebiam benefícios diretos, o dinheiro de suas contribuições só podia estar sendo roubado!

Outro fator ideológico relevante: a exploração crescente, por parte dos grupos conservadores e reacionários, dos sentimentos individualistas e competitivos da classe média, estimulando racismo, discriminação social e ódio regional para tirar proveito da percepção destes setores intermediários, de que estavam sendo espremidos e destroçados pela ascensão dos pobres. 

Os governos petistas, por sua vez, além de não terem um programa claro e potente para a classe média, que efetivamente custeava a prioridade orçamentária aos mais pobres, tampouco se organizaram para a disputa ideológica, política e cultural, em uma opção gerencialista que não funcionava junto à classe média: como não usufruía de conquistas materiais palpáveis, ao contrário dos mais pobres, nesses segmentos era mais difícil construir um sentimento de gratidão, salvo nos momentos de euforia geral, como o biênio 2009-2010.

Esse cenário levou ao deslocamento da classe média para a oposição, a partir de 2005, com a primeira grande ofensiva dos meios de comunicação contra o PT, durante o chamado “mensalão”. Foram os mais pobres e o Nordeste que, em 2006, permitiram a reeleição de Lula.

Como reverter o fenômeno?

O PT conseguiu certa pacificação com a classe média, entre 2010 e 2012, graças ao bom desempenho inicial do Brasil frente à crise mundial do capitalismo. Mas a desaceleração da economia, agregada a fatores estruturais que excluíam a classe média da bonança petista, empurraram esse setor para um deslocamento ainda mais destacado à direita. Serviu como pé de cabra para os conservadores tomarem a direção das Jornadas de Junho, em 2013, convertendo-as em protesto contra Dilma Rousseff.  Açuladas pela Lava Jato, as classes médias tradicionais foram a alavanca do golpe de Estado em 2016 e abrigaram a emergência do bolsonarismo como expressão neofascista dos grupos sociais de alta renda, pele branca, vivendo no Sul e no Sudeste, habitando os grandes centros urbanos e vertendo ódio contra o petismo. 

Naquela época, a resposta do PT, aparentemente pego de surpresa por esse processo de deslocamento ou por sua radicalização, foi uma agressiva contraposição ideológica, exemplificada no famoso e aplaudido discurso da professora Marilena Chauí contra a classe média.

As múltiplas tragédias que afetaram o Brasil desde então, da queda de renda às mortes na pandemia, além da desmoralização relativa da Lava Jato e Bolsonaro, repuseram chances de diálogo com essa fração importante da sociedade, ainda que um desfecho positivo possivelmente não venha ocorrer por inércia. 

Provavelmente é imprescindível um programa de repactuação que passe pela reforma tributária,  aliviando os impostos sobre os setores intermediários e elevando fortemente os dos ricos, mas também por uma nova política para a saúde e a educação.

Como defendem especialistas, medidas de federalização desses serviços públicos são fundamentais para elevar tanto sua oferta quanto sua qualidade, ao ponto de poder ser dito, à classe média, que em um prazo determinado, de quatro a oito anos, que ninguém mais terá que pagar por um plano de saúde ou por escola para seus filhos, pois o Estado será capaz de prover esses serviços em um padrão superior à iniciativa privada.

Ao contrário do que apregoa o pensamento liberal, com reflexos sobre a própria esquerda, a reconquista de setores médios depende de forte ampliação do Estado na economia e na provisão de serviços públicos com alta qualidade, construindo uma base material para unir contingentes dos assalariados de colarinho branco aos trabalhadores organizados, aos pobres do campo e da cidade.

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