Breno Altman: governo argentino sofre desgaste porque resiste a romper com neoliberalismo

Aprisionado pelo FMI e em queda de braço com agroexportadores, presidente Alberto Fernández descumpre promessa de superar política econômica da direita

(Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247 | REUTERS/Mariana Nedelcu)


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Por Pedro Alexandre Sanches, do Opera Mundi - A atual crise econômica na Argentina tem origem na recusa do governo progressista de Alberto Fernández em cumprir a promessa de campanha de romper com o modelo neoliberal radicalizado por seu antecessor, o direitista Mauricio Macri, na opinião do jornalista Breno Altman e ao contrário do que tem afirmado o presidente brasileiro Jair Bolsonaro.O fundador de Opera Mundi, no programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (16/08), classificou como "fake news" os argumentos usados por Bolsonaro e mesmo por setores neoliberais antibolsonaristas no ataque aos resultados econômicos obtidos pela esquerda no país vizinho.

“O governo Fernández, longe de representar o fracasso de uma estratégia de ruptura com o neoliberalismo, é a prova cabal do risco de desmoralização que paira sobre governos progressistas incapazes de promover essa ruptura”, avalia o jornalista. 

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Em sua interpretação, a chave para compreender a crise argentina está no aprisionamento de Fernández ao pagamento da dívida externa ao Fundo Monetário Internacional (FMI), em dólar. Ao lado disso, há uma queda de braço do governo com setores exportadores, levando a brutal desvalorização da cotação paralela do dólar, com grande incidência sobre os preços correntes no país.

“Para honrar o compromisso com o FMI, o governo precisa adquirir dólares junto aos exportadores, os grandes grupos do agrobusiness e da mineração que querem se aproveitar da fragilidade do governo para obter mais pesos por seus dólares. Para lograr esse objetivo, ficam sem fechar contratos de câmbio, aguardando ou exigindo desvalorização do peso oficial”, explica Altman.

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"A lucratividade dos grupos capitalistas e exportadores impulsiona a inflação e deteriora a renda das famílias, cujo poder de compra despenca. O próximo capítulo provavelmente será a recessão.” 

A Argentina possui atualmente a maior taxa de inflação desde 1992, de 71% ao ano (e 7,4% em julho). "Com a acelerada desvalorização do peso frente ao dólar e a queda de renda das famílias, mesmo com uma taxa de desemprego relativamente baixa, de 7%, o número de argentinos vivendo na pobreza alcança quase 40% da população, segundo dados oficiais”, descreve. O cenário piora apesar de a economia argentina continuar crescendo, com uma previsão de que o PIB suba entre 3,5% e 4% em 2022.

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A inflação aumentou em 2022, depois de o PIB argentino ter crescido 10% no ano passado, com uma recuperação quase plena dos níveis de produção. “Engana-se ou tenta enganar os outros quem atribui a crise inflacionária atual apenas ou principalmente à forte expansão monetária e fiscal promovida pelo governo. A mesma política tinha sido aplicada pelos Kirchner no ciclo peronista anterior, mas sem o derretimento da moeda e a disparada dos preços”, argumenta Altman, referindo-se aos governos peronistas de Néstor e Cristina Kirschner no início dos anos 2000.

A subordinação de Fernández à lógica do grande capital gera tensões sociais e também dentro do próprio peronismo, pois seus setores mais à esquerda, inclusive a vice-presidente Cristina Kirchner, se colocam em desacordo com a política econômica adotada. As desavenças já levaram à queda de dois ministros nas últimas semanas, sem mudanças substanciais de rumo. 

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“Entra ministro, sai ministro e a política econômica de Fernández segue a mesma, balizada pelo acordo com o FMI”, diz Altman. “Crescem os protestos e as greves, aliados políticos do peronismo começam a se afastar e as classes trabalhadoras claramente vão se deslocando à oposição, ao mesmo tempo em que a direita mais radical se aproveita para defender seu programa de aprofundamento das reformas liberais.” 

Ao manter o compromisso com o FMI, Fernández se vê obrigado a implementar tradicional pacote de austeridade, com cortes de despesas e investimentos públicos, aumento das tarifas de serviços e congelamento de salários do funcionalismo. 

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“O povo argentino está furioso com essa situação, porque se sente vítima de um estelionato eleitoral. O isolamento do governo pode levar a um retorno dos partidos de direita, de uma direita ainda mais radicalmente neoliberal”, adverte.

Segundo Altman, um caminho à esquerda poderia ser trafegado a partir da vontade política do presidente Alberto Fernández, com suspensão e repactuação do acordo com o FMI, medidas de maior controle estatal sobre os lucros exportadores, elevação da carga tributária com impostos maiores sobre o capital, políticas em defesa da renda das classes trabalhadoras e maiores investimentos do Estado na reconstrução econômica. 

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"Esse não tem sido o caminho do governo Fernández, que, na prática, com mudanças marginais, segue a mesma política econômica de seu antecessor, Mauricio Macri, e está colhendo os mesmos frutos políticos e sociais: o desgaste”, conclui.

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