Alessandra Orofino: Bolsonaro seduz camadas médias oferecendo o poder de humilhar os mais fracos

Presidente se mantém combativo por validar estrutura escravocrata, enquanto Lula fala à população subalternizada, afirma cientista política

Alessandra Orofino
Alessandra Orofino (Foto: Leo Lemos/Divulgação)


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Opera Mundi - A economista, cientista política e ativista Alessandra Orofino afirma que a combatividade demonstrada pelo bolsonarismo nas eleições de domingo está ligada à oportunidade que o presidente dá às camadas médias da população de preservar seu poder de oprimir e humilhar os mais fracos. Em entrevista ao programa 20 MINUTOS desta terça-feira (04/10), a diretora do programa Greg News descreveu a força contrária exercida por Luiz Inácio Lula da Silva: “Os absolutamente oprimidos, que não experimentam no cotidiano a oportunidade de humilhar alguém, são as pessoas mais pobres, as pessoas negras e as mulheres pobres e negras. Não é à toa que aí Lula leva de braçada”.

A persistência de relações sociais remonta à herança escravocrata do Brasil, ameaçada durante os governos petistas em momentos como a promulgação, por Dilma Rousseff, da Emenda Constitucional 72, mais conhecida como PEC das Domésticas. “Ao fazer isso, a gente fez a alforria final no Brasil, e desde a primeira alforria esse é o ponto que revolta a classe média e a elite: perder a possibilidade de escravizar alguém”, interpreta.

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A figura de Jair Bolsonaro se ajusta perfeitamente a tal levante antipopular, acenando com a continuidade da subalternização dos mais fracos por parte das camadas médias. Essas, por sua vez, experimentam em maior intensidade a dualidade de ter subalternos e também de ser subalternizadas, seja por um patrão ou por outra figura de poder: “É o homem que olha para uma feminista e se ressente de não poder mais bater em sua mulher. É a patroa que olhou para a PEC das domésticas e achou que não ia mais poder ter três empregadas que dormem em casa. São figuras de autoridade espremidas, e a única coisa que dá a elas a sensação de ascensão social e status é poder oprimir o outro.” Outro exemplo são os empresários bolsonaristas flagrados ameaçando demitir funcionários que não votarem em seu candidato.

Fundadora da Rede Nossa, dedicada a apoiar o ativismo democrático e solidário em algumas das principais cidades do país, Orofino classifica Lula como uma "liderança extraordinária em todos os sentidos" e diz se preocupar com a pequena capacidade da esquerda de articular uma visão de mundo para além dessa liderança. Num balanço crítico e autocrítico sobre sua geração e as posteriores, e os mais jovens mais propensos a uma militância que chama de ativismo narcísico: “A gente entrou numa era de ativismos como construção de identidade pessoal, movimentos de si mesmo, e não como movimentos de massa. É uma confusão entre ser liderança e ser influencer, uma vontade de liderar mais que ser liderado”. 

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Essas novas gerações se desenvolvem desacostumadas desprovidas de um grau de humildade que passa por aceitar discordâncias democráticas dentro do mesmo movimento, sem quebrar a construção de uma identidade coletiva. “Minha geração tem muita dificuldade em se associar e aceitar liderança de pessoas com quem não tem concordância absoluta, em todos os aspectos. Por isso, quando alguém que você admira fala um ai fora do que você considera correto, essa pessoa precisa ser demolida”, conclui.

Orofino alerta para a sobreposição nociva de movimentos coletivos por vozes individuais potentes e propõe o combate ao ativismo narcísico à esquerda: “É muito querer falar e não querer ser escutado. A própria dinâmica de seguir e ser seguido nas redes sociais estimula isso. O jogo da política não é esse, é seguir mais do que ser seguido”, sustenta.

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Com esse novo jogo de forças por ora dominado pela extrema direita, o campo de ação à esquerda se encolhe na defensiva. “O que estamos fazendo nesta eleição é tirar Bolsonaro do poder. Em alguma medida isso basta, porque temos um monstro à frente da nação. Talvez baste como missão, mas não basta para despertar o imaginário e criar uma onda capaz de dominar realmente o legislativo. Vai ter um dever de casa na sequência, mesmo que a gente ganhe”, diz a cientista política.

Outro problema na campanha de Lula, em seu ponto de vista, é jogar forças prioritárias no combate do autoritarismo, pela restauração democrática. A luta pela democracia como valor abstrato é necessária diante da ameaça bolsonarista de ruptura, mas insuficiente: “A democracia se dá também na prática, no acesso a recursos, na possibilidade de se colocar politicamente sem medo nem ameaças. Ao defender a democracia como se ela só estivesse em risco agora, parte do movimento que procura eleger Lula como salvação se desconectou da base popular”. 

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Para Orofino, a democracia precisa ir além das promessas e entregar de fato segurança alimentar, possibilidade de crescimento, educação, segurança etc. “A falha de Bolsonaro não é só ameaçar a democracia, mas também não estar entregando essas coisas. Ele não está, e a gente não está explorando essa falha suficientemente”, adverte.

Favorável à organização social tradicional em partidos e sindicatos, a diretora observa que essas estruturas e a esquerda não têm conseguido se modernizar e oferecer respostas adequadas para a construção identitária de um novo sujeito político. Uma massa de trabalhadores precarizados, oprimidos e explorados vaga, sobretudo pelo setor de serviços, sob o disfarce do empreendedorismo. “Parte do sucesso das igrejas evangélicas é terem uma resposta teológica mais adequada a esse novo sujeito político, que acredita no indivíduo, na meritocracia, em cada um como empresário e patrão de si mesmo”, lembra. A esquerda não tem encontrado o tom para denunciar o caráter ilusório da suposta aventura empreendedora.

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Para o segundo turno da eleição, Alessandra Orofino preconiza mais mobilização popular e uma campanha cidadã que vá além daquela oficial produzida pela frente ampla: “O passo número um é embarcar na campanha de Lula, mesmo com nossas críticas, é saber ser liderados. Essa é a liderança que temos e temos que ir atrás dela. Trata-se de manter os 6 milhões de votos que Lula teve, e não vai ser fácil. Esse eleitorado vai estar sendo bombardeado por desinformação e estatégias sujas”. Durante a entrevista, ela fez também um balanço da vitória eleitoral da direita no Rio de Janeiro, onde vive, e revelou que o programa de humor e política que dirige com o ator e humorista Gregório Duvivier, interrompido por conta da legislação eleitoral, voltará ao ar na sexta-feira imediata depois do segundo turno.

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