“A democracia está em jogo nesta eleição e não podemos fazer nenhuma concessão”, diz José Roberto Batochio

Um dos maiores criminalistas do Brasil, ele explicou, em entrevista ao 247, por que é necessário eleger Lula presidente

José Roberto Batochio e Lula
José Roberto Batochio e Lula (Foto: Ricardo Stuckert | Felipe L. Gonçalves/Brasil 247)


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Por Henrique Attuch e Fabrizio Prado, especial para o 247 –  O segundo turno das eleições presidenciais deste ano, na visão do renomado criminalista José Roberto Batochio, que atuou na defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é de cunho plebiscitário: de um lado, concorre a “civilização”, e do outro, “uma proposta que se fixa num autoritarismo desmesurado” – trata-se do que, na visão do advogado, põe em jogo a democracia brasileira, sobre a qual considera que não se pode “fazer qualquer concessão”.

Já com 55 anos de advocacia, Batochio vivenciou – seja na esfera de sua atuação como advogado, seja na condição de parlamentar – a transição pela qual o país passou após a ditadura militar e a consequente evolução da República brasileira até a sua mais recente degeneração, que segundo ele começou com a operação lava jato – “uma expressão do movimento de dominação americana”.

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Entretanto, pondera que a empreitada policial que chacoalhou a vida política nacional não surgiu de repente – os anseios autoritários e intervencionistas, segundo o advogado, vinham desde a gestão de FHC, considerando também que “tivemos um problema por decorrência da elaboração legislativa infraconstitucional, que aconteceu no governo do PT” e que “vem acontecendo de lá para cá, com as bênçãos do Poder Judiciário”.  

Ainda sobre a operação, Batochio demonstrou que a complacência do Poder Judiciário – que em muito viabilizou a movimentação torta da força-tarefa curitibana – foi, também, um dos grandes fatores responsáveis pelo estado de coisas atual: “Eu acho que quando o Poder Judiciário fez concessões às violências perpetradas por este grupo americanófilo, que respondia pelo nome de ‘lava-jato’; quando fez ouvidos moucos; quando fechou os olhos para essas arbitrariedades, sem dúvida nenhuma, registrou na história da nossa democracia, do nosso país, um momento muito infeliz. Tratou-se de uma omissão por falta de coragem”.

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A respeito de suas expectativas para o segundo turno das eleições, afirmou: “Eu espero que a vitória do candidato progressista se reprise no segundo turno. Desejo isso de todo o coração, com muito entusiasmo, com muita esperança [...] esses compromissos que um dos candidatos à Presidência tem (aquele que é visto como esquerdista – mas que eu chamo de solidarista) o faz ser capaz de ser solidário, de sentir a dor do próximo e de trabalhar para que essa dor seja minimizada e diminuída”.

Confira a entrevista na íntegra: 

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247 – Doutor Batochio, tendo passado o primeiro turno das eleições, com o ex-presidente Lula adquirindo ampla vantagem sobre seu oponente principal, as expectativas são de que o próximo pleito, no entanto, seja mais acirrado. De um lado concorre um candidato que, por oito anos seguidos, já demonstrou seu compromisso com a democracia. Do outro, está o atual Presidente da República, cuja bancada recém-eleita no congresso nacional avalia, dentre outras coisas, ampliar o quórum de integrantes do Supremo Tribunal Federal, realizar o impeachment de alguns ministros dele e, até mesmo, criminalizar institutos de pesquisa. Em sua visão, o que o senhor diria que está em jogo nessas eleições?

Batochio – A democracia brasileira que se encontra em jogo nesta eleição. Nós não podemos fazer qualquer concessão. Há aqueles que têm um programa de governo e aqueles que prometem atentar contra as balizas que sustentam o nosso Estado Democrático de Direito, conquistado sob duras penas – isto é, com sangue e a custo de vidas humanas –, de sorte que o que está em jogo, de uma certa maneira até com cunho plebiscitário, é democracia e civilização de um lado, representada esta vertente por uma candidatura que já demonstrou ser inclusiva, solidária e, digamos assim, comprometida com as liberdades, e, de outro lado, uma proposta que se fixa num autoritarismo desmesurado — até paroxístico, que acredita na força das armas e não na força do direito, de forma que eu espero que o eleitorado brasileiro escolha com muita consciência a liberdade e a civilização, e rejeite o autoritarismo e a truculência que estão a concorrer neste pleito de 30 de outubro próximo, em segundo turno.

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247 – Outra questão é que, também, é perceptível que o Brasil vive uma de suas maiores crises institucionais da História recente, o que faz com que uma grande parcela do eleitorado receie com a possibilidade de um eventual golpe de estado, decorrente da não aceitação, por parte de um dos candidatos à Presidência, do resultado das urnas no segundo turno das eleições – afinal, o descompromisso com valores democráticos trazido por Jair Bolsonaro não é novidade para ninguém. Entretanto, esse estado de coisas não surgiu repentinamente neste ano de 2022 — pelo contrário, parece-nos que foi resultado de um grande processo de degeneração da nossa democracia. Como o senhor traça as origens desse problema? O que levaria uma democracia tão recente quanto a nossa a estar frente a uma crise dessa magnitude? 

Batochio – Bem, eu acho que vamos começar com uma visão, não direi panglossiana, mas um pouco mais otimista acerca do momento histórico e político em que nós estamos vivendo. Eu acho que as instituições brasileiras deram uma demonstração de vigor em face da ameaça concreta e efetiva, não só potencial, mas sinergética, efetiva e empírica, deste governo Bolsonaro contra estas mesmas instituições que simbolizam, digamos assim, o equilíbrio do nosso Estado Democrático de Direito. Eu acho que as instituições reagiram bem, ou melhor, resistiram mais do que reagiram muito bem, tendo para mim que estas propostas de alterar a composição do Supremo Tribunal Federal, estas propostas de prometer impeachment de ministros — porque as suas decisões ou as suas sentenças desagradam — não tem o menor cabimento e demonstram uma imaturidade política – o que realmente é muito difícil de explicar. No século que estamos a viver – com os valores da liberdade pessoal, os valores da democracia, da rule of law, em que as leis governam os homens (não podendo haver um homem que pretenda querer governar as leis!) –, como é esta promessa que aí se faz de alterar tudo para conseguir uma formatação do Estado de acordo com as “minhas necessidades” ou de acordo com as “minhas preferências”? Isso é uma coisa execrável. Isso é um pensamento despótico, totalitário, autocrático, que não tem mais lugar no século 21, de modo que a nossa Constituição é a melhor que nós tivemos até hoje na história do nosso país — desde o Império até os presentes dias. Ela é intocável. Aliás, ela traz em si mesma, através do artigo 60, a sua forma de atualização, que é pelo processo das emendas constitucionais, que estabelece na própria Carta constitucional um rito procedimental para que, se houver necessidade, a Constituição seja atualizada mediante a observância de certos pressupostos rígidos. E, mesmo assim, não são todos os preceitos constitucionais do corpo permanente da Carta Política que podem ser alterados, ao passo que só podem ser objeto de Proposta de Emenda Constitucional aquelas que não tocarem direitos fundamentais, a forma estrutural do Estado Democrático de Direito, e o processo eleitoral brasileiro. Ora, essas promessas, esses desejos ensandecidos, não são compatíveis com a sanidade, digamos assim, político-institucional dos tempos em que nós vivemos. Não sobrou mais espaço para Idi Amin Dada`s. Não há mais espaço para novos Mussolini`s. Isso ficou no passado para nunca mais voltar. Precisamos re-enfatizar a nossa vocação democrática, a nossa vocação de solidariedade. A nossa tendência inevitável é de manter um Estado Legal em que, digamos assim, todas as atitudes haverão de ser tomadas ou haverão de estar em conformidade com a Lei e, sobretudo, a Lei Máxima, que é a Constituição, que a todos submete - principalmente as autoridades que transitoriamente ocupem determinados cargos ou exerçam certas funções. Então, é absolutamente execrável pretender, digamos assim, deformar o construto do nosso Estado Democrático de Direito, para prevalecer tendências anormais, personalíssimas. É como vejo este problema. Me preocupa como essas propostas possam ser simplesmente cogitadas ou simplesmente colocadas em discussão.

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247 – Doutor Batochio, então o senhor avalia que não estamos protegidos de uma ruptura institucional. Você dá isso, portanto, à rigidez da nossa ordem constitucional de 1988? 

Batochio – Sim, eu acho que a nossa Constituição fundou o Estado Democrático de Direito no Brasil – e mais, a grande âncora da nossa República. Sinceramente, eu acho que é a melhor de todas as Constituições que nós tivemos. Ela é minuciosa ao, digamos, assegurar as franquias individuais, os direitos sociais, enfim, os direitos fundamentais da pessoa humana e os direitos sociais. Mas é bom que assim seja. É conveniente que assim seja, porque imaginem se isso estivesse (a exemplo do que ocorre na Carta Política americana), somente anunciado principiologicamente, de uma maneira genérica e não analítica. Imagine o que fariam esses tiranetes de aldeia, esses autoritários que conseguiram alcançar alguma posição de comando na nossa República. Eles, então, com muito maior facilidade, seriam capazes de deformar a nossa Constituição, de atuarem contra o espírito que o povo brasileiro elegeu através dos seus representantes, em 1988. Nesse momento, nós estamos a comemorar os 40 anos da Constituição da República Federativa do Brasil, que tem que ser intocável, inabalável, apenas alterada pelo poder constituinte derivado, através do processo das emendas constitucionais. Quem não observar estes postulados e pretender alterar a Constituição, irá contra a Constituição. Irá contra o ordenamento jurídico brasileiro.

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247 – E sobre esse ponto, a respeito de pessoas com discursos autoritários sendo eleitas neste último pleito, gostaria de perguntar o seguinte: vimos que personagens da operação lava jato conquistaram cargos no parlamento neste ano, assim conseguindo por divulgarem em seu favor o mérito de terem conduzido na mente deles o que teria sido uma operação policial que trouxe resultados positivos para o país. O problema é que essas pessoas defendem pautas que vão em completo desencontro com as razões fundantes das normas esculpidas em nossa Constituição, as quais marcaram a transição, justamente, do totalitarismo brasileiro para os tempos democráticos atuais. Uma dessas pautas, talvez a mais falada, é a prisão em segunda instância, contra a qual o senhor se insurgiu na histórica sustentação oral que fez em série de Habeas Corpus em favor do ex-presidente Lula, no STF. Qual é a relação para o senhor da operação lava jato com o momento atual que nós vivemos? Batochio – Bom, eu vou pedir licença para me estender um pouco mais nesta resposta, porque o fenômeno lava jato – e vou usar uma figura de Rui Barbosa – não apareceu do nada. Não foi um raio que apareceu no céu azul ao meio-dia de sol brilhante. Pelo contrário, ela se engasta num processo que pressupõe uma digressão histórica, para que seja bem compreendido. Pois bem: nós sabemos que na História sempre existiu uma nação que pretendeu ter a hegemonia dos povos. Nós sabemos que isto é um fator recorrente e não vou me deter demasiadamente no fato de que, em determinado momento, essa hegemonia tinha uma relação mais estreita com a capacidade cognitiva ou com o repositório cultural e científico de um determinado povo, que o permitia então impor os seus parâmetros às demais nações, aos demais povos. Mas eu quero lembrar que, inicialmente, — vamos falar dos tempos mais modernos — a ciência morava no Oriente Médio. E no Oriente (Niall Ferguson aponta isso muito bem numa trilogia que escreveu, intitulada “A Civilização”, “O Império” e “O Colosso”) a ciência nasceu com, digamos, todas as inovações nesta região do planeta, de modo que alguns nomes que designam alguns ramos do conhecimento humano ainda guardam a sua origem árabe. Por exemplo, nós temos a química, que veio da alquimia, nós temos álgebra, a astronomia, enfim, uma série de coisas que eu não vou aqui enumerar para não tomar demasiadamente o seu tempo. E depois disso, misteriosamente, esse domínio cultural e científico acabou migrando e foi para a Europa – um continente de povos guerreiros que viviam guerreando, e que não tinham o menor interesse em relação a essas coisas do espírito. Teve um papel de destaque neste processo de mudança o comportamento político e econômico da Inglaterra. A Inglaterra – e agora já estou a falar do século 16  – vivia de pilhagem dos navios mercantes espanhóis e portugueses, que tinham descoberto o “novo mundo”, o dividindo em duas partes pelo Tratado de Tordesilhas. E os ingleses viviam de tanto, digamos assim, pilhar no alto mar a tal ponto que obrigou o Soberano da Espanha a criar a “invencível armada espanhola” para colocá-la para combater os piratas ingleses. Bom, essa situação ficou insustentável – e o que fizeram os ingleses? Passaram eles mesmos a combater a pirataria e, mais ainda, a Inglaterra, que era uma ilha de pouca expressão, de um extrativismo pequeno antes da Revolução Industrial, transformou-se na maior economia, conquistando a maior hegemonia do planeta. Um de seus Soberanos chegou a dizer que era o Império onde o sol nunca se punha, ao passo que dominava a Índia, a China, a América Central, e etc. Bem aí entra um xeque: a Inglaterra teve que lançar mão de outros expedientes para dar curso à sua crescente e progressiva economia, e passou então a dominar o tráfico de escravos para o “novo mundo”. Muitos navios ingleses aportaram aqui no Rio de Janeiro, no Cais do Valongo, para despejar centenas e centenas de milhares de escravos – uma chaga inapagável e uma dívida impagável que nós temos com este segmento da nossa população, que forma a nossa identidade nacional. Pois bem, então, quando isso ficou também alvo da condenação unânime do conserto das Nações, a Inglaterra abandonou essa prática, mas sempre – muito habilmente – passou a combatê-la, se tornando a polícia dos mares, perseguindo os navios negreiros, mesmo depois de ter usufruído largamente dos benefícios da prática. Posteriormente, a Inglaterra patrocinou a Revolução Industrial que, a meu ver, depois da agricultura nos primórdios da humanidade, foi o segundo movimento de grande significação na evolução humana, porque permitiu a produção em escala. Ocorre que, misteriosamente, a Inglaterra definhou na sua hegemonia e foi se perdendo. Na Índia, Mahatma Gandhi fez a resistência pacífica para libertar do jugo inglês seu povo. Mas por que é que isso aconteceu? Porque os ingleses colocaram seus próprios como governadores das províncias colonizadas – e todo dominado, mais cedo ou mais tarde, reclama a sua liberdade e se insurge contra o seu domínio. E foi isso que aconteceu. Mandela na África do Sul, igualmente. Esta foi, digamos assim, a causa do desmoronamento do Império britânico. E finalmente nós temos os Estados Unidos, que querem e possuem atualmente a hegemonia no planeta – mas assim o fazem com mais talento do que os ingleses. Afinal, os Estados Unidos questionam-se “onde erraram os nossos compatriotas ingleses?” (os americanos foram pessoas de largo tirocínio, pessoas que viam a longas distâncias). Então chegaram à conclusão de que não se pode constituir uma colônia tão descaradamente, tão abertamente. Chegaram à conclusão de que não se pode pôr um americano para reger essa orquestra colonial, porque vai provocar uma reação e movimentos de liberdade e independência. Então o que eles fizeram? Selecionaram autóctones, gente local americanófila, que obedecem a seus interesses. Assim, não corriam o risco de serem apontados como invasores, como dominadores. Eles corrigiram esse rumo da Inglaterra e conseguiram ter a hegemonia pretendida. Bom, esse preâmbulo todo para chegar aqui, na lava jato. Como é que surgiu a lava jato? A lava jato é uma expressão deste movimento de dominação americana. Isso sempre me foi claro, desde o primeiro momento em que entrei na equipe de defesa do ex-presidente Lula. Lembro-me de uma reunião na casa de Fernando Morais, onde discutíamos o caso, indagando se a operação se tratava de um ato isolado de dois ou três, digamos assim, funcionários da Justiça de uma região que não é a região mais importante, não é a capital da República, ou se era algo maior. Afinal, porque é que se sediou lá um movimento que para prender um ex-presidente da República, para interferir no processo eleitoral brasileiro, para destruir o programa do pré-sal vinculado à Petrobrás? Ocorre que lá estavam esses brasileiros que foram, sim, adestrados nos Estados Unidos. E o que estou dizendo aqui, com a gravidade da minha afirmação, susceptível de verificação, é que todos eles têm pós-graduação em universidades americanas. Todos eles. É uma exceção o que não tiver. As universidades americanas têm, algumas delas, um brasilianista, um departamento de brasilianismo. Então, é tudo muito bem planejado, tudo muito bem estruturado. Imagine um recém-concursado, pessoas que vão e estão ocupando funções de mando ou de importância na estrutura do Estado brasileiro – o sujeito que fez, digamos, uma universidade modesta, uma faculdade modesta no interior. Ele é, posteriormente, detectado pelos brasilianistas americanos, que o trazem da faculdade do interior, já o tornando vislumbrado com todo aquele aparato, aquela opulência, aquele poderio monumental, aquela estrutura paquiderme, ciclópica, para ele simplesmente chegar à conclusão de que os EUA “estão no caminho certo”. O sujeito assimila, parte conscientemente e parte inconscientemente, a doutrina de segurança dos Estados Unidos e da hegemonia americana e, depois, passa a operar, consciente ou inconscientemente, de acordo com estes entendimentos. Eu não estou mencionando nomes porque eu não quero depois ter que, digamos, dar explicações e arguir exceções da verdade. Então, o que acontece: esta seleção é direcionada. Hoje não é segredo para ninguém que os Estados Unidos pretendem ter jurisdição extraterritorial — os Estados Unidos pretendem que a Justiça americana tenha, digamos assim, alcance em qualquer lugar do mundo. Aliás, eles já falam isso belicamente. Eles têm essa pretensão. Vamos exemplificar? Tanto têm essa pretensão que fazem atrair para a Justiça criminal americana fatos que ocorreram em outros continentes - e aí prendem diretores de multinacionais, impondo a eles multas bilionárias. Veja o caso da Toyota, da Alstom, do BNP Paribas, ou no nosso caso, da Petrobrás, da Embraer. Arrecadam bilhões de dólares... Então, chega a parecer que eles uniram o útil ao agradável. Afinal, está se aceitando a autoridade judiciária americana no mundo inteiro! Estão aceitando a universalização da Justiça americana. Eles mataram dois coelhos com uma cajadada só: primeiro, a hegemonia da Justiça americana, da doutrina de segurança do Estado americano; em segundo lugar, eles arrumaram uma maneira fantástica de arrecadar. Faça o somatório dos valores arrecadados pelo governo americano a título de multa criminal contra essas empresas. É aí que aparece a lava jato. E além da Petrobrás, da questão do pré-sal, você ainda tinha o Lula, um ex-presidente, progressista, com uma visão independente e zelosa quanto à autonomia e a soberania do nosso país. Ele não se submete a nada que não seja de interesse do povo brasileiro. Então ele não podia, pois, vencer – tinha de ser tirado da disputa. E assim foi feito, nos levando a situação que vivemos hoje.

247 – Dr. Batochio, e como o senhor avalia que foi possível a lava jato conseguir se locomover com tanta facilidade à revelia da nossa ordem constitucional, para promover uma derrocada tão grande de nossa democracia?

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Batochio – Nesse ponto, existem críticas internas a serem feitas. Quando estive no Congresso Nacional, entre 1999 e 2002,  via lá uma porção de iniciativas legislativas do Governo Fernando Henrique, por inspiração do Banco Mundial, do FMI — inclusive algumas sobre tratados de cooperação penal. Alguns dos auxiliares do presidente Lula, à época de seu mandato, se deixaram seduzir por este canto da sereia, tendo sido nesse período que nós criamos no Brasil o “FBI brasileiro”, isto é, a polícia federal com poderes que se pretendem autônomos, independentes, e que não dá satisfação para ninguém do que faz, nem como faz, nem de que maneira faz! Nós temos hoje o que os alemães chamam de “um Estado dentro do Estado”. Tem que ter autonomia, sim. Tem que ter liberdade, sim. Tem que ter garantias para o exercício da função, sim. O que não pode é substituir o poder eleito pelo povo. Não pode substituir o Congresso, portanto, não pode substituir o Poder Executivo. Ademais, foi nessa gestão do PT que apareceu a prisão temporária (que depois se degenerou em condução coercitiva), que se teve o incremento de modificações na Lei de combate ao crime de lavagem de dinheiro. Nós tivemos um problema por decorrência dessa elaboração legislativa infraconstitucional, que aconteceu no governo do PT. E vem acontecendo de lá para cá, com as bênçãos do Poder Judiciário...

247 – Poder Judiciário que, também, ficou emparedado pela operação, não concorda, Dr. Batochio? A mobilização que a lava jato fez em relação à população foi um grande fator responsável por fazer com que as Cortes Superiores também se sentissem amedrontadas em tomar decisões que divergissem da posição da operação, certo?

Batochio – Sobral Pinto já dizia que “a advocacia não é profissão para covardes”. Eu diria que os que são amedrontáveis não devem ser juízes. A magistratura, não é profissão para pessoas intimidáveis. O compromisso tem que ser com o que o povo escolheu com a estrutura jurídica e política do Estado, que garante as liberdades que ele, povo, também escolheu. Quem negar, quem contrariar – como faz este governo que aí está – certas garantias constitucionais, certos direitos assegurados na Constituição; quem não os observar ou quem deixar de aplicá-los, é um traidor da Constituição e da Soberania nacional. Porque a Constituição é filha do casamento da vontade do povo com a expressão dos seus representantes  reunidos em uma Assembleia Nacional. Eu acho que quando o Poder Judiciário fez concessões às violências perpetradas por este grupo americanófilo, que respondiam pelo nome de “lava-jato”; quando fez ouvidos moucos; quando fechou os olhos para essas arbitrariedades, sem dúvida nenhuma, registrou na história da nossa democracia, do nosso país, um momento muito infeliz. Tratou-se de uma omissão por falta de coragem.

247 – O que o senhor espera da bancada da lava jato no Congresso, composta por Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e Rosangela Moro?

Batochio – Mais do mesmo. Seguirão fiéis a suas doutrinas. E não são só eles. Diversos são os parlamentares que não estão bem preparados para a atividade legiferante, nem para a fiscalizadora e nem a controladora, que são as três funções do Poder Legislativo. Eles só fazem por ficar prestando atenção aos desejos momentâneos de uma determinada camada da população, sobretudo dos sensacionalistas da mídia. Há uma cascata de propostas legislativas e projetos de lei que não têm nenhum compromisso com a estrutura orgânica da Constituição, do Código de Processo Penal. É verdade que o parlamentar tem que ficar com a mão no pulso da sociedade, mas ele não pode deixar de observar os parâmetros da constitucionalidade, da organicidade do texto que ele vai engendrar. Então, qual é o meu receio com esse zumbido? Vou usar uma expressão do ministro Marco Aurélio “a opinião pública quer vísceras”. Daqui a pouco, irão propor a pena de morte, não sendo suficiente, proporão a pena de morte com o esquartejamento. E se continuar a acontecer crimes, depois irão propor a pena de morte com o esquartejamento mais a difusão dos restos mortais do apenado nos quatro pontos cardinais do país. É uma coisa que tende ao infinito.

247 – O senhor crê que as próximas gerações estão preparadas para enfrentar essa maré montante de autoritarismo que, de novo, surgirá no país? 

Batochio – Eu tive de dar uma olhada na relação dos eleitos para a Câmara dos Deputados e verifiquei que nós perdemos alguns valores. Verifiquei também que na área jurídica, mais comprometida com esses com esses temas que falamos sobre, nós também estamos em decréscimo. Então, eu tenho uma grande preocupação. Se somarmos o perfil dos que foram – não estou me referindo a todos – eleitos, são perfis conservadores, punitivos e até direi fundamentalistas. Realmente, há uma tendência ao crescimento do autoritarismo e isso me preocupa bastante. Some-se a isso ainda a circunstância de que – pesa me dizê-lo, mas não posso omitir – o perfil do nosso Poder Judiciário é conservador. Houve o caso de um tribunal de um Estado da Federação em que o juiz foi investigado pelo órgão disciplinar, tal porque ele era um juiz que concedia muita liberdade – veja bem, não havia suspeita de corrupção, mas sim excesso de garantismo. Então, esse é o perfil do Judiciário. Se nós saíssemos na rua e perguntássemos se, por exemplo, devíamos ou não ter pena de morte, é possível que, como Rui Barbosa falava, a turba, ou melhor, a voz das sarjetas humanitárias, fossem a isso favoráveis! Então nós temos que redobrar a nossa vigilância. Nós, os que temos esse compromisso, sobretudo os operadores do direito, nós temos que efetivamente enfatizar esta luta. Temos que deixar as divergências e, digamos assim, não esmorecer nesta luta da consolidação do humanismo, das liberdades. E que fique claro: liberdade de não só de locomoção, de expressão, mas também de informação, de Imprensa. Não há democracia sem uma Imprensa absolutamente livre.

247 – Mas a liberdade de imprensa abrange a liberdade de falar contra a democracia?

Batochio – Vou assentar uma posição pessoal e faço com a responsabilidade da minha biografia. Eu acho que sim. Eu prefiro pagar o preço do excesso de liberdade para a imprensa do que estabelecer qualquer medida restritiva, por menor que seja. Afinal, isso seria o furinho na barragem da represa: os pingos passariam e depois as torrentes destruiriam a barragem que segura o autoritarismo contra a liberdade de informação. Então, eu prefiro, digamos assim, que quem não mereça tenha garantias libertárias do que quem mereça possa vê-las denegadas. Você pode falar o que você quiser. Pode me chamar do nome que você quiser. Você será responsabilizado judicialmente a posteriori. Mas eu não posso ir ao seu jornal, suspender você ou tirar a sua comunicação. Isso não é democrático. Ainda mais quando a censura parte de empresas privadas, porque aí é uma mistura de tirania com dominação econômica e corporações, que são autarquias per si.

247 – Diante de tudo o que discutimos, o que o senhor espera para o segundo turno das eleições presidenciais?

Batochio – Eu espero que a vitória do candidato progressista se reprise no segundo turno. Desejo isso de todo o coração, com muito entusiasmo, com muita esperança. E eu quero dizer a vocês que eu vejo uma certa incompreensão, uma publicidade falsa, mentirosa, completamente grosseira, inculta, que em detrimento do ex-presidente indaga “onde já se viu alguém se dar bem com o presidente da Venezuela, da Nicarágua e etc?”. Vejam: existe o princípio, na ordem jurídica internacional, da autonomia e da autodeterminação dos povos. E o presidente de um país tem, sim, que se relacionar com todos os outros países e respeitar o regime e a política interna desses mesmos, justamente em nome dessa soberania e dessa autodeterminação de cada um dos povos e de cada uma das nações. Então, acho isso uma grosseria, de uma ignorância incrível. Alguns falam que irão implantar no Brasil um regime comunista, em tom de macartismo. Vamos conversar um pouquinho sobre isso: o socialismo real, infelizmente, não reproduziu o socialismo científico, em que pese de todas as doutrinas, o socialismo científico ser a obra mais fascinante que a mente já humana construiu. Esse socialismo, entretanto, quando foi transplantado, tentando se transformar numa realidade empírica, malogrou por uma série de razões que ficaríamos aqui cinco anos discutindo. E o que nós temos hoje, portanto? Só o liberalismo? Logo, se morreu Marx, portanto, viva Adam Smith? Não. O que existe que se contrapõe a essa insensibilidade política, humanitária, econômica é o solidarismo – aquela corrente de pensamento em que as pessoas são capazes da empatia, são capazes de sentir a dor do mais necessitado e são capazes de fazer um movimento no sentido de diminuir essa diferença, essa dor, essa carência, essa necessidade, porque conseguem enxergar naquele outro um ser humano também. Então o que existe é a implantação de inclusão. Essa é a equação moderna. A meu modesto ver, nesta quadra da história da República brasileira, nós não podemos fazer a opção pela barbárie, pela truculência, pela grosseria, pela indiferença à dor dos mais necessitados, pelo descaso em relação à educação. Uma vez nós fizemos uma coisa, quando eu era presidente do PDT aqui no Estado de São Paulo: resolvemos apoiar a Marta Suplicy e o Genoíno quando foram candidatos. Me lembro como se fosse hoje: numa conversa perto do aeroporto, na sede do PT local, estávamos Genoíno, a Marta e eu. Nessa ocasião, perguntaram-me: e qual é a participação que o PDT vai ter nesses governos? Falei uma coisa: escola de primeiro grau em período integral! Nada sobre participação no governo, somente um pedido: escola de primeiro grau em período integral. E assim, não tivemos um cargo no governo. Então, veja bem, esses compromissos que um dos candidatos à Presidência tem (aquele que é visto como esquerdista – mas que eu chamo de solidarista), o faz ser capaz de ser solidário, de sentir a dor do próximo e de trabalhar para que essa dor seja minimizada e diminuída. Eu espero que neste ano, em que vejo passar pelos quadrantes da minha vida pessoal o sol dos 55 anos de exercício da advocacia exclusivamente na defesa do meu semelhante – não importando o que ele tenha feito –, nós não vejamos regredir as garantias e as liberdades no nosso país.

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