O “fenômeno Brasil” e a miopia cambial

Real forte é uma realidade que veio para ficar, mesmo com todas as tentativas para a desvalorização da moeda brasileira



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O Brasil é o atual “Fenômeno” da economia mundial e tem sido o destino de investimentos de empresas internacionais multibilionárias que estão de olho no mercado consumidor promissor. Tal situação tornou-se mais relevante após o país ser graduado ao seleto grupo de economias consideradas seguras para investimentos internacionais chamadas de: “Investment Grade” ou “Grau de Investimento”.

Além da economia pujante, o Brasil também está em evidência por seu “pré-sal” e por sediar nesta década (2011-2020) os dois principais eventos esportivos do globo: Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016). Em tempo, apenas 4 países sediaram as Olimpíadas e a Copa na mesma década: Suécia na década de 50, México em 60, Alemanha em 70, Estados Unidos em 90 e o Brasil na atual década (2011-2020).

Mas, apesar de toda essa mudança que fez o Brasil subir de patamar em termos mundiais, alguns executores da política econômica parecem sofrer de um mal chamado “miopia cambial”, com visão excessivamente “curto prazista” sobre fatores circunstanciais e querem, a fórceps, alterar o curso natural de valorização da moeda nacional, que ocorre desde 2003, denotando que essa é uma mudança estrutural e não conjuntural e que tem em sua origem, em partes, a letargia observada nos países desenvolvidos há pelo menos duas décadas.

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Não enxergo alternativas de reversão deste quadro de fortalecimento da moeda nacional por via monetária. Neste contexto, é necessário que ocorram mudanças efetivas de comportamento na gestão da política econômica, principalmente fiscal e monetária, bem como na gestão privada como, por exemplo, redução das margens de retorno, maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento que sejam revertidas em ganhos de produtividade, entre outras medidas estruturais. Pois, o Real forte é uma realidade que veio para ficar.

Porém, para compreender melhor esse atual fenômeno, bem como consubstanciar o diagnóstico dessa miopia cambial, é necessário retroagirmos pelo menos 6.221 dias, que foi no ato da entrada em vigor do Plano Real, adotado em 1º de julho de 1994, sob o governo de Itamar Franco e coordenado pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

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O principal objetivo do Plano Real, bem como de seus antecessores sem sucesso, era reduzir a taxa de inflação e mantê-la em níveis civilizados. Até agora, mesmo que um pouco aquém do ideal, o Plano tem cumprido com seu ofício e já é o plano econômico de maior duração desde 1964.

O mercado financeiro, após conviver oito anos sob um regime ortodoxo imprimido pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e seu fiel escudeiro: Pedro Sampaio Malan, Ministro da Fazenda, vislumbrava mudanças de rumo na condução e execução da política econômica do Brasil, com viés fortemente heterodoxo, na medida em que se aproximava das eleições presidenciais de 2002 e Lula se distanciava de seus oponentes nas pesquisas de opinião.

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Mas foi no outono de 2002 quando tudo começou a mudar e, apesar da época fria, o clima já estava quente. Segundo as pesquisas de opinião pública, elaboradas periodicamente desde o final de 2001, o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva era o preferido na disputa do pleito eleitoral, que ocorreria em outubro de 2002, com diferença de 26 pontos percentuais do segundo colocado. Neste momento entrou em cena a “Carta Aberta ao Povo Brasileiro”, de junho de 2002, na qual o então candidato Lula e seu partido (PT – Partido dos Trabalhadores) reiteraram o respeito aos contratos e obrigações do País. Ou seja, afirmaram que não haveria qualquer moratória das dívidas interna e externa – esse era o maior temor dos investidores domésticos e internacionais.

Nesse contexto, em 27 de outubro de 2002, com 61,3% dos votos válidos no segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva superou seu oponente (José Serra) e sagrou-se o primeiro Presidente da República Federativa do Brasil sem ensino superior na era democrática.

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Nos primeiros seis meses de governo, Lula e o PT continuaram surpreendendo o mercado financeiro ao seguir a cartilha da ortodoxia empregada por seu antecessor, e não emplacou a filosofia histórica de sua bandeira política, intitulada por alguns como: “Robin Hood”. Certamente essa mudança relativa de filosofia, que deu continuidade e sobrevida ao Plano Real, foi determinante para o que hoje chamo de “Fenômeno Brasil”.

Diante da continuidade da política econômica e da mudança estrutural praticamente silenciosa que a economia nacional vivia na primeira metade de 2003, a volatilidade observada nos ativos financeiros no início do governo Lula passou a dar lugar para um cenário de relativa tranquilidade com a credibilidade sendo construída de forma cautelosa e gradativa.

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Ao mesmo tempo em que o Brasil passava (passa e ainda passará) por esse processo de mudança estrutural em sua economia, o mundo também anotava mudanças igualmente silenciosas. Em termos globais, ao revisitar os dados da evolução da formação do PIB mundial e da composição da corrente de comércio exterior global desde a década de 1950 e 1960, verifica-se que as mudanças mais relevantes e identificadas que mudaram (e estão mudando) as forças econômicas foram a maior presença dos países emergentes e a redução dos países desenvolvidos na participação das variáveis analisadas.

Vale destacar que esses dois indicadores (PIB e corrente de comércio exterior) evidenciam as forças econômico-financeiras dos países e que se reflete diretamente no valor das moedas por meio da mudança de preços relativos que, por sua vez, afeta o comportamento dos agentes econômicos (investidores, produtores, consumidores e o Estado).

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Na formação do PIB, enquanto os países desenvolvidos (considerando apenas o G7) reduziram sua participação de 67,1% na década de 1980, que foi o melhor ano para esse grupo – para 57,4% na década de 2000, com perda de 9,7 pontos percentuais, os países emergentes (EM28) anotaram ganhos de 9,1 pontos percentuais no mesmo período, passando de 16,5% para atuais 25,6%.

Com relação a corrente de comércio exterior global (exportações mais importações), os países desenvolvidos estão perdendo participação desde a década de 1980, após ganhar mercado no pós-guerra. Entre a década de 1980 e a década de 2000, os países desenvolvidos reduziram sua participação na corrente de comércio exterior global em 8,8 pontos percentuais (ou US$ 14,6 trilhões), enquanto os países emergentes elevaram sua participação de 19,4% na década de 1980 para 34,3% na década de 2000, com ganho de 14,9 pontos percentuais equivalentes a US$ 24,8 trilhões na última década – isso é equivalente a quase dois PIBs dos Estados Unidos.

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Nesse contexto de mudança no eixo da economia mundial, com transferência de renda de desenvolvidos para emergentes, faz-se necessário destacar que, ao longo da última década (2001-2010), enquanto os países desenvolvidos amargaram baixo ritmo de crescimento econômico (1,2%), os países emergentes anotaram grande vigor no desempenho do PIB (EM28 = 3,8% e BRIC = 6,6%). E a diferença no desempenho do PIB deverá continuar ao longo desta década (2011-2020), com os países desenvolvidos crescendo em média 2,0% ao ano, enquanto os emergentes deverão crescer entre 4,1% (EM28) e 6,5% (BRIC).

Algumas economias conseguiram se aproveitar melhor dessas mudanças e com maior antecedência, colhendo bons frutos, como é o caso da China que em 1994 ocupava a 9ª colocação no ranking do PIB mundial, com R$ 560 bilhões, e em 2010 desbancou o Japão e assumiu a 2ª colocação com um PIB de US$ 5,35 trilhões (quase 10 vezes mais) tornando-se um importante player no cenário global e com reflexos positivos sobre sua sociedade, mesmo que ainda de forma comedida.

Porém, no Brasil, em virtude de manter sua economia fechada até início dos anos 90 e ainda conviver com instabilidades econômicas e políticas, além de recorrentes insucessos de planos econômicos, os efeitos dessas mudanças foram retardados e são sentidos somente nos anos mais recentes e em maior intensidade devido alguns fatores, adicionalmente, como o aprofundamento da globalização financeira com novos instrumentos de negociação internacional, o maior índice de internacionalização das empresas brasileiras, bem como da abertura comercial e aprimoramento do manejo das políticas monetária e cambial com utilização de instrumentos mais sofisticados, como, por exemplo, introdução do sistema de metas para inflação (inflation target), em julho de 1999.

O que deve ser feito é uma mudança estrutural na formação de preço doméstico para elevar a competitividade global e, com isso, reverter o déficit em transações correntes. Tais medidas devem ser focadas, primordialmente, na redução do papel do Estado na economia, seja por meio da desburocratização e realização de investimentos, ou pela desoneração fiscal com efetiva redução da carga tributária e não apenas uma “troca de equivalências” como foi em 2009, quando se reduziram alguns impostos no setor produtivo, mas se compensou com elevações de impostos para o consumo de bens e serviços.

Não serão medidas pontuais arrecadatórias e burocráticas, meramente paliativas, como, por exemplo, aumento de IOF sobre capitais estrangeiros, que mudarão a trajetória de valorização do Real, pois o que a evidência empírica revela é uma constante perda de valor das moedas dos países desenvolvidos e a transferência desse valor para a moeda de alguns países emergentes, como o Real brasileiro. Em tempo, destaca-se a atual situação de elevado risco fiscal que se encontra os Estados Unidos e que, apesar de tudo, é a maior economia do globo e ainda continua dando as cartas – só falta descobrir até quando.

(*) Alex Agostini é economista-chefe da Austin Rating, coordenador da área de projetos e estudos especiais e responsável pela área de rating de entes públicos.

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