O cravo e a ferradura americana

Mais uma vez, os EUA mostram que não estão dispostos a negociar fazendo concessões. Ainda se comportam como única potência mundial em panorama claramente em transformação para um mundo multipolar



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Quando o assunto é economia nacional e relações internacionais, torna-se ainda mais acentuada a recorrente tendência de analistas e da imprensa de observar e ressaltar apenas um dos lados das questões. Um exemplo recente disso é a decisão dos EUA sobre os subsídios ao etanol.

A escolha por contar só a metade da história impede entender por inteiro o que significou a decisão do Senado dos EUA de derrubarem a tarifa de importação de álcool e os subsídios ao etanol norte-americano. A proposta, que ainda deve passar pela Câmara dos Representantes, pode pôr fim ao crédito fiscal (subsídio) de US$ 0,45 por galão de etanol produzido nos EUA e eliminará a taxa de US$ 0,54 por galão ( 3.785 litros ) de etanol importado.

A versão propalada, contudo, não tratou de todas as nuances da questão em sua integralidade. Primeiramente, há de se ressaltar a surpresa em tal decisão ocorrer sob o governo do presidente Barack Obama, do Partido Democrata, tradicionalmente mais protecionista do que governos do Partido Republicano no que se refere ao comércio, além de atuar com mão mais pesada contra os interesses dos parceiros comerciais norte-americanos.

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Ademais, para nós, os reflexos da possível decisão de tirar os subsídios ao etanol repercutirão apenas no futuro, pois enfrentamos dificuldades na ampliação da oferta interna, limitando nossa capacidade de exportar etanol. De todo modo, pode-se abrir uma janela de oportunidades ao Brasil, que, caso concretizada, devemos aproveitar.

Mas para acompanhar essa “no cravo” dos EUA, como se costuma dizer popularmente, veio uma “na ferradura”: a Câmara dos Representantes aprovou bloqueio do pagamento de US$ 147 milhões anuais ao Brasil em decorrência da disputa comercial entre os dois países em torno do algodão. O pagamento decorria de uma vitória brasileira na OMC Organização Mundial do Comércio), contra os subsídios que os EUA concediam ao seu algodão.

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O bloqueio fará o caminho inverso da possível derrubada do subsídio ao etanol, seguindo para o Senado, onde dificilmente passará sem modificações. Os valores bloqueados integram acordo firmado entre Brasil-EUA no ano passado, pelo qual suspendemos a aplicação de retaliações comerciais no montante de US$ 800 milhões aos EUA, autorizadas na decisão da OMC.

Desse jeito, fica difícil os EUA firmarem parcerias ou se aproximarem do Brasil. Faltam ação e vontade política do governo Obama para romper com o protecionismo. E pior: como não há como os próprios americanos produzirem etanol suficiente para abastecer sua frota, e a suspensão de subsídios internos e da tarifa sobre a importação do produto tramitam morosamente, a substituição da gasolina não vem —a poluição e o custo permanecem altos para eles.

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O ruído torna-se ainda maior com a proposta do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, de querer que os países ricos e os emergentes, principalmente Brasil, China e Índia, congelem suas tarifas de importação por tempo indeterminado. O intuito é evitar a “tentação protecionista” na disputa comercial feroz que se desenrolou pós-crise econômica de 2008-2009.

A proposta de Lamy soa como presente de grego: enquanto os EUA praticam uma política abertamente expansionista, desvalorizando o dólar e aumentando suas exportações, pedem para nós, Brasil, Índia e China que não aumentemos nossas tarifas. Ou seja, que aceitemos a guerra cambial e comercial, sem defender nossa economia. A proposta reforça a estratégia norte-americana de repassar a conta da crise que eles criaram para os demais países do mundo.

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Mais uma vez, os EUA mostram que não estão dispostos a negociar fazendo concessões. Ainda se comportam como única potência mundial em panorama claramente em transformação para um mundo multipolar. Essa nova ordem é desejável e saudável aos demais países. Mas enquanto os EUA não entenderem isso, mais difícil será nossa caminhada para a resolução de conflitos entre nações —sejam políticos, sejam econômico-comerciais.

José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

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