Kátia Abreu diz que Brasil errou ao minimizar desmatamento
"O eleitor europeu, especialmente o francês, alemão, inglês é muito verde, muito ambientalista, está muito focado nisso", disse ela
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Sputnik – Antiga detentora do Troféu Motosserra de Ouro, concedido pelo Greenpeace, a senadora Kátia Abreu faz um mea culpa do governo em entrevista exclusiva à Sputnik e diz que fechar um acordo com um país que descumpre a lei seria uma insanidade para qualquer político, em referência ao acordo UE-Mercosul.
Relatora do Projeto de Lei 2.159/2020 (Lei Geral de Licenciamento Ambiental), conhecido como PL da Boiada, em referência à frase de Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, de que a pandemia era o momento de passar a boiada para mudar a legislação ambiental, Kátia afirma não fazer nada que seja contra o meio ambiente.
Na entrevista, concedida em Lisboa pela presidente da Comissão das Relações Exteriores (CRE) do Senado durante seminário sobre agronegócio, ela procura poupar o presidente Jair Bolsonaro das críticas. Apoiada por ele para a vaga no Tribunal de Contas da União (TCU) aberta com a saída do ministro Raimundo Carreiro, que teve aprovada sua indicação para ser embaixador em Portugal, nesta quinta-feira (25), Kátia esquiva-se de confrontos.
"Não sou da base do governo, mas não estou aqui para ficar atacando o governo", afirma a senadora.
Confira a íntegra da entrevista a seguir:
Sputnik: Durante a COP26, em Glasgow, a senhora deu um beijo na testa da indígena Jaciara Borari quando ela pediu para que a senhora impeça a boiada de passar. Como relatora do PL 2.159/2020 no Senado, o que a senhora pode e pretende fazer além de um beijo na testa?
Kátia Abreu: Vou fazer o que for estritamente importante para o país, para os interesses nacionais e não de uma categoria ou de um segmento. Então, tudo que não vier prejudicar o comércio internacional, as relações do Brasil com o mundo, que não vier prejudicar, em primeiríssimo, lugar os brasileiros, será feito. O que mais incomoda, hoje, o licenciamento ambiental, por incrível que pareça, da vinda da Câmara para o Senado, não é a questão do agro. São as grandes obras. O Ministério da Infraestrutura e os próprios governadores estão muito incomodados com a dificuldade enorme de se licenciar uma grande obra. Por sua vez, tenho conversado com especialistas e ambientalistas que já foram inclusive licenciadores e eles acham que o erro está na forma. A questão ambiental já deveria ter sido colocada no projeto antes mesmo de ele ser apresentado. Como a questão ambiental vem depois do licenciamento, os problemas aparecem depois e paralisam as obras. Então, é um erro de forma, que eu vou tentar corrigir no projeto de lei, exigindo uma atenção maior à questão ambiental antes de o projeto ficar pronto.
S: Alguns ambientalistas consideram esse PL uma catástrofe e dizem que facilitará o desmatamento na Amazônia, além de impactar em terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas. É uma missão possível ou impossível não deixar passar a boiada?
KA: Na verdade, não vamos fazer nada que seja contra o meio ambiente. Mas não podemos também fazer com que o desenvolvimento do país não aconteça. Temos que achar o equilíbrio da preservação, da conservação, do respeito às comunidades que moram nesses lugares, nessas regiões, ouvindo as pessoas, com cuidado às compensações. E eu tenho a certeza de que vamos achar um meio do caminho. Somos um país inteligente, portanto não somos um país da unanimidade. Não existe uma lei perfeita que traga a unanimidade, a não ser dias comemorativos, que trazem alguma unanimidade, mas o restante jamais trará.
S: Nem mais os dias de comemorações, depois do que aconteceu no Dia da Independência...
KA: Exato. Agora, uma coisa interessantíssima que eu aprendi ao longo da minha vida [é] que todas as críticas que venham contrárias a uma determinada ideia, elas vêm sempre para contribuir. Quando alguém critica, chama atenção, todo mundo alerta às vezes de um perigo que você não está vendo. Não me incomoda sob hipótese alguma que essas críticas venham. Só não vou aceitar nem me deixar morrer por radicalismos ideológicos, nem de um lado, nem de outro.
S: Como a senhora avalia a atuação do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, na COP26? Houve alguma evolução em relação a Ricardo Salles?
KA: Muita evolução. Não sei nem se é uma forma de elogiar o ministro ou então reforçar o quanto o outro era inadequado. Vamos dizer que agora, pelo menos, temos um ministro normal. O que é um ministro normal? É o ministro da Agricultura se preocupar com a agricultura. É o ministro das Relações Exteriores se preocupar com as relações exteriores; o do Meio Ambiente com o meio ambiente. Acho que ele [Ricardo Salles] estava no ministério errado. Agora, vejo um rapaz muito inteligente, preparado, que tem experiência na área e que está trazendo o debate de volta para o equilíbrio necessário e devido. Acredito que melhorou bastante a nossa performance. Deverá melhorar ainda mais nos próximos meses, especificamente com relação ao desmatamento. Por vez ou outra, ligo para ele para conversar um determinado assunto, principalmente antes da COP, ele está sempre na Amazônia, com a Polícia Federal, com o Ministério da Justiça, in loco, indo a campo. Gosto muito disso. Era o que eu faria se fosse a ministra do Meio Ambiente.
S: E lá na COP-26 especificamente?
KA: Quando eu o vi falando, que foi uma vez no evento da CNI na abertura, não só eu, mas a maioria dos brasileiros que estavam lá, acharam o discurso dele bastante adequado.
S: E a ausência de Bolsonaro na COP26? Reforça o isolamento mundial do Brasil, já observado na reunião do G-20?
KA: Rússia, China, Índia também não foram. Então, não acho que tenha sido uma postura muito diferente do que muitos países importantes fizeram.
S: Mas o comportamento dele no G-20 não foi uma postura de isolamento?
KA: Eu não estava lá, mas, de certa forma...
S: Mas a senhora não viu os vídeos dos bastidores?
KA: Assisti a tudo. Não é bom para o Brasil. Nenhuma situação de isolamento é boa para país nenhum. Tudo o que a gente puder fazer para reverter isso acho que deve ser feito.
S: A questão ambiental, nomeadamente do desmatamento na Amazônia brasileira, é o principal entrave na ratificação do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Acredita que isso seja possível com Bolsonaro como presidente? O que o Congresso pode fazer para ajudar?
KA: Diplomacia parlamentar. É o que estamos tentando fazer, que é uma coisa legítima. Os nossos diplomatas têm uma competência diferenciada, inclusive não temos nada a reclamar. Mas acho que, nesta hora, a diplomacia política parlamentar é muito importante, de Parlamento para Parlamento. E muito vai depender, de fechar com ou sem Bolsonaro, dos resultados da Amazônia. Estamos numa força-tarefa, e eu não acho impossível fechar no governo Bolsonaro. Acho que depois da eleição da França, as coisas podem melhorar um pouco mais nessa condição e nessa direção. Uma coisa que precisamos considerar é que, com ou sem Bolsonaro, a Europa precisa muito desse acordo também. É diferente do passado, em que ela não precisava tanto. Mas hoje é uma situação bastante diferente. Estive em Roma, estive na Alemanha, com os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, conversei com autoridades. Eles estão muito ansiosos com esse acordo, mas totalmente impedidos se no desmatamento não houver um recuo sustentável, o fim do desmatamento. Aí, o acordo não sai de jeito nenhum. Temos reiteradamente falado disso. Eu, pessoalmente, no último encontro com o presidente Bolsonaro que tive, a convite dele, no Palácio do Planalto, numa audiência pessoal, entre as amenidades e os cumprimentos, o assunto grave que julgo importante e toquei com ele foi esse: ele precisava entender a importância do recuo para que avançássemos na questão comercial, na questão econômica, na questão de emprego, porque o acordo comercial significa crescimento do país. Se o país cresce, tem emprego. Pedi a ele essa reflexão, muito mais em função dos pobres e desempregados do que até mesmo pela questão ambiental. E ele disse que ia, sim, avaliar e que, inclusive, o ministro novo estava na antessala para ser recebido e que ia conversar com ele.
S: Quando foi esse encontro?
KA: Em setembro. Claro que muitas pessoas devem ter dito a mesma coisa. Não é em função da minha palavra. Mas é um mais um mais um, que a pessoa vai consolidando uma ideia... E o próprio chanceler [Carlos França], que também foi uma troca muito interessante e boa. Comparando, fomos do inferno para o céu. Ele [Ernesto Araújo] não só não ajudou, mas atrapalhou. Esse chanceler [França] é, de verdade, um diplomata.
S: A senhora foi uma das principais responsáveis pela concretização da demissão de Ernesto Araújo. Ele já pagou os R$ 30 mil de indenização por ter insinuado que a senhora praticou advocacia administrativa em defesa da China na implantação do 5G ou ainda cabe recurso da decisão da 9ª Vara Cível de Brasília?
KA: Ainda não, porque cabe recurso. A Justiça brasileira dá muitas condições de defesa aos acusados. Vamos aguardar pacientemente. O mais importante nem é o dinheiro. Dinheiro é sempre bom, mas o importante, nesse caso, é o exemplo e um marco de que as pessoas precisam entender, principalmente as autoridades, que elas não podem falar tudo o que vem à cabeça.
S: Em meados de setembro, houve um atentado à bomba contra o Consulado da China no Rio de Janeiro. O Itamaraty demorou duas semanas para se posicionar publicamente. A que se deve essa postura de descaso, ainda que a senhora enxergue alguma evolução na troca de chanceleres?
KA: Cada um tem estilo, uma forma de fazer. Eu, sinceramente, acho que a solidariedade e o apoio poderiam ter vindo bem mais rápido. Talvez, é um estilo de trabalho, não estou aqui para interpretá-lo. Eu faria mais rápido essa manifestação de apoio. Não só a China, mas qualquer país que fosse ofendido e atacado dentro do território brasileiro merece o nosso apoio e a nossa proteção, verbal inclusive.
S: Em compensação, o Itamaraty se manifestou de forma mais tempestiva, no dia seguinte ao assalto ao cônsul português no Rio de Janeiro, em que ele e sua família foram feitos reféns. Minha dúvida é se ainda não existe um aparelhamento ideológico dentro do Itamaraty?
KA: Uma sinalização importante que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) deu, agora recentemente, foi indicar o embaixador Marcos Galvão para Pequim. Digo isso não porque [ele] está na minha presença, mas porque ele estava simplesmente em Bruxelas. Quem está em Bruxelas não é um embaixador despreparado. O MRE escalou um dos melhores no grupo dos 10 melhores do Brasil no mundo para ir para Pequim. Quando você menospreza um lugar, quando você não quer dar importância a ele, você manda uma pessoa bem pequena na representação do casamento, da festa, só para comparecer. Quando você quer mostrar para o cônjuge que te convidou que você respeitou o convite, você manda uma pessoa mais importante. Fiquei muito alegre [quando soube que Marcos Galvão tinha sido indicado] e nem perguntei se ele havia gostado. Fiquei gritando no telefone, depois que eu perguntei: "O senhor está feliz de ir para lá?". Ele falou que [estava] muito! Ele vai ter uma missão muito importante. A China tem uma ligação com o poder e o governo muito forte. Se um país manda para lá um embaixador de pouca importância, o governo não recebe. Então, a China vai perceber a importância do embaixador que está indo para lá agora, e a postura e a posição mudaram.
S: Mesmo colocando quadros importantes diplomaticamente, como lidar, por exemplo, com as atuações dos filhos do presidente nas redes sociais, como já aconteceu algumas vezes, de ataques e inclusive de resposta do lado chinês?
KA: São os filhos do presidente. Não tenho que comentar as atitudes. Eu faço a minha parte, o Congresso brasileiro tem feito a parte dele, nos nossos encontros na COP26, Rodrigo Pacheco reiterou várias vezes a importância da relação com a China. Fazemos a nossa parte. Cada um tem que fazer a sua e arcar com as consequências dos seus atos.
S: Em entrevista à Sputnik, a Capitã Cloroquina revelou que teve uma reunião com o embaixador de Portugal em Brasília para compartilhar a experiência do Brasil no combate à COVID-19, incluindo o tratamento precoce. No fim de outubro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, esteve em Lisboa a convite de uma universidade para falar sobre o mesmo tema. Portugal, um dos países com maior cobertura vacinal do mundo, tem algo a aprender com o Brasil no combate à pandemia? Ou seria o inverso?
KA: Olha, não existe professor nessa pandemia. Existem algumas análises técnicas, científicas, de comportamento e de cuidado. Mas eu acho que toda experiência, principalmente num país do tamanho do Brasil, a gente não pode desconsiderar o sistema SUS, que tem uma atenção básica muito forte nas prefeituras dos municípios do Brasil e que é um modelo, inclusive no auge da pandemia, estivemos com o Tedros Adhanom, remotamente, e ele disse que não compreendia como é que um sistema tão perfeito e tão copiado no mundo não está refletindo a realidade. O SUS é muito maior do que governos e políticos. Ele é um sistema invejável, que precisa de aprimoramento, claro, mas o Brasil tem muito a ensinar. Em termos de número de vacinas, o que fizemos, ao longo de décadas, com relação a outras vacinas, temos exemplos de vacinação e fim de doenças que os outros países podem querer, sim, aprender.
S: Mas a senhora está falando de antigamente. No momento atual, temos uma vacinação que foi inclusive alvo de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19.
KA: Não sou da base do governo, mas não estou aqui para ficar atacando o governo. Se você quiser falar da COP26, do seminário, de comércio, mas de política, não.
S: Falando de eleições, como a senhora vê a candidatura à presidência de Sergio Moro pelo Podemos?
KA: Acho democraticamente legítima. Qualquer brasileiro pode se candidatar. Eu não votaria nele, mas ele tem o direito de se candidatar.
S: Mas com a tentativa de candidatura de Deltan Dallagnol também, a senhora acredita que havia um projeto político por trás da Lava Jato?
KA: As candidaturas do Moro e do Dallagnol só vêm mostrar que eles queriam atacar e destruir a política para substituir o status quo. O que eles queriam o tempo inteiro era preparar uma candidatura a presidente, vários senadores, dito por eles em todas as gravações que nós acompanhamos. É um ato político, inteiramente político, um projeto político de poder.
S: Qual é a ideia principal desse seminário sobre agronegócio sustentável em Lisboa?
KA: Estamos numa empreitada, já tem bastante tempo, desde 2019, quando o desmatamento começou a ampliar e aumentar, para mudar ou reverter a imagem negativa que tudo isso criou do Brasil aqui fora. Então, na verdade, todo esse esforço que estamos fazendo na CRE [Comissão de Relações Exteriores] no Brasil, fiz em Roma, na Alemanha, na COP26, agora em Portugal, pretendo continuar fazendo esse esforço de demonstrar que cometemos um erro, o Brasil cometeu um equívoco de flexibilizar a questão do desmatamento ou minimizar a importância e a gravidade disso. E acho que até o próprio governo não imaginou que isso chegaria nas consequências que chegou agora. Quis dar uma sinalização aos produtores do exagero que o meio ambiente tem com relação a eles, uma sinalização muito política, e a coisa se agravou demais. Os diplomatas do mundo inteiro e os parlamentares do Brasil têm essa missão agora: não negar o que aconteceu, mas demonstrar que avanços já estão sendo feitos muito em função da exigência do Congresso Nacional, além da sociedade civil.
S: Por mais que a senhora diga que nunca tenha desmatado ilegalmente, a senhora tem aquele título de Miss Motosserra...
KA: Esse título eu já passei para o ex-ministro [Ricardo Salles]. Já não é meu mais. Vocês têm que ir atrás dele para ver o Troféu Motosserra.
S: Mas a senhora considera que houve uma evolução, um amadurecimento do seu posicionamento em relação a essa questão ambiental?
KA: Acho que houve uma mudança de estratégia, porque a gente precisa mudar as posições para poder vencer a batalha. O que eu quero vencer? Aumentar o meu desmatamento? Não, a performance do país, em termos de exportação, acordos comerciais, manter a floresta por conta da chuva e não para agradar a europeu. A floresta em pé interessa aos brasileiros, em primeiríssimo lugar. É ela que garante, em grande parte, a chuva no Centro-Oeste e Sul, inclusive Uruguai, Paraguai e Argentina. Então, a manutenção da floresta é vital para nós e, coincidentemente, é o que o mundo quer para fechar os acordos comerciais. Vai ser uma coincidência de objetivos e focos que vai ser boa para todo mundo. Manter a floresta em pé é bom para todos.
S: Ao mesmo tempo que a questão ambiental é um entrave para fechar o acordo UE-Mercosul, fala-se muito em um lobby agrícola não só francês, como de outros países.
KA: O lobby existe em toda parte. O eleitor europeu, especialmente o francês, alemão, inglês é muito verde, muito ambientalista, está muito focado nisso. Ninguém que pretende ser candidato e ganhar as eleições quer fazer nenhum movimento que venha a tirar votos. Então, nesse momento, fechar um acordo com um país que está descumprindo a lei seria uma insanidade de qualquer político na França ou no Brasil.
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