Eike, o rei Midas, está nu

Não é verdade que tudo o que ele põe a mão vire ouro



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O capital, qual a vida, não surge por geração espontânea. A razão do capitalismo é fruto ou furto do trabalho alheio e da alma mortal de quem o produz, que incorpora e dá vida à mercadoria. Segredo que Marx desvendou. Antes, desde a cerca que delimitou a propriedade privada e gerou sobra na produção familiar, o capital surgiu de algum pecado original. Alguém tomou de alguém ou da natureza e a apropriação não foi diferente aqui em Pindorama.

No Brasil, a exploração começou pelo extrativismo dos recursos naturais, que eram dos silvícolas, se é que há algum dono de alguma coisa. Essa riqueza constituída das terras, das matas, das águas, dos demais recursos minerais, dos índios escravizados e, mais tarde, dos negros, é que representa “a acumulação primitiva do capital”. A partir dele, foi possível à Coroa fazer capital e manter seu Império Colonial, que a Inglaterra garantiu em troca de pano por vinho, mas ficou com o nosso ouro no esterlino, moeda da Revolução Industrial. Aqui, sem guerra, virou República, que com percalços houve progresso, mas o pecado capital continua acabando com as matas e os recursos minerais. Bela paisagem que, vista do alto ou em imagens de satélites, apenas os cegos não vêem nossa terra nua, com as vísceras expostas pelas estradas, fazendas e mineração provocando voçorocas, deslizamentos de encostas e assoreamento de rios.

É de se admirar como é fácil no Brasil fazer-se fortuna do nada. Uma fórmula infalível é passar a moto-serra numa bela floresta e encher o bolso de grana! É o caso da devastada Amazônia abandonada até pelo curupira, que assiste passivo sua mata virar grama. Ou, com os recursos minerais, que pertencem a União, a lei é tão singela, que qualquer quinhão do subsolo, ainda sem dono, se registrado com a chancela de um geólogo, faz um rico do dia para a noite. Capital virtual de muitas minas de papel do novo rei Midas Eike Batista – que não conheço e não é nada pessoal –, empresário na moda que nos tripudia quando diz: “sou o homem mais rico do Brasil”. Agora, quer ser o primeiro do mundo, pois vendeu direitos minerais de “jazidas” de ferro de sua empresa MMX, que havia adquirido barato, por 5,5 bilhões de dólares para a Anglo American e ações de empresas de petróleo, que nem se sabe se vai jorrar. Ai de nós, meus compatriotas. Minerar é uma atividade de risco, por isso todo capitalista, se protege das incertezas e usa os serviços de um profissional que saiba usar bem o martelo – um símbolo do trabalho, um perigo se cruzado com uma foice, mas a picareta indica uma mina, mesmo abandonada, ou quem faz mal o trabalho.

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No setor mineral, são raras as empresas que fazem prospecção e pesquisa racional, com investimento de capital de risco. Entre nós, os entendidos, Eike fez seu negócio nas filas junto ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), onde dormem seus lacaios, e do “Diário Oficial da União” (DOU), que indica áreas livres ou em disponibilidade para a mineração. O alvo da maior sinecura, agora, é a ANP – Agencia Nacional de Petróleo e também a Vale, privatizada pela metade, que se houvesse coragem política voltaria ao estado. Ou, Eike vai ficar com ela também? A nossa Vale, que mal avaliada por empresas notáveis, foi vendida, em leilão de dois interessados, por um vale de 3,3 bilhões de dólares. Ganhou um neófito em mineração, Benjamin Steimbruch, que de uma fábrica de pano, sem trocar por vinho, fez um império de aço. Primeiro comprou, sem dinheiro, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), por R$ 1,2 bilhão, em 1993. Depois, com o mesmo dinheiro, comprou a Light, por 2,26 bilhões de dólares, em 1996. E, da mesma forma, num negócio de pai para filho, comprou a Vale, em 1997, com o Bradesco associado aos novos donos do dinheiro sem capital, dirigentes sindicais que operam os ricos Fundos de Pensão. Hoje a Vale é dos nossos fundos e do banco e em 2007 deu R$ 30 bilhões de lucro, maior que o do criador o Bradesco, R$ 8,3 bilhões! Em 2010, o lucro se repetiu, mas o poderoso chefão, Roger Agnelli, caiu sem dar um pio. Em comparação, como foi possível que a MMX tenha sido vendida sem que tivesse reserva mineral definida, um plano de lavra e ambiental aprovado, uma licença de instalação e operação da mina virtual? Mas, Mr. X é mesmo o tal, sem mina autorizada, a MMX pretende lavrar 26,6 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano, na Serra do Cipó, um santuário ecológico. Já conseguiu obter licença do mineroduto (sem água suficiente) de 525 quilômetros, que atravessa 32 municípios e incontáveis propriedades, até chegar a seu novo porto seguro, no litoral norte do Rio de Janeiro.

Ainda que o alvo fosse a “pedra filosofal”, não é verdade que em tudo que Eike Batista ponha as mãos vire ouro, nem ferro ou petróleo, sem que invista nada, qual um “Midas” da literatura de cordel. Se é que ganhou dinheiro com ouro, o foi vendendo no “mercado livre” na corrida da Amazônia e negociando “minas de papel”. Quem passa pela Rodovia Fernão Dias pode ver, em Pouso Alegre (Minas Gerais), que o “novo bandeirante” de jeep deixou lá um esqueleto insepulto, a fábrica de carro JPX.

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Na área de portos, em Peruíbe (SP), foi barrado pela Reserva de um punhado de índios e abandonou o projeto. Em Açu no Rio há conflitos ambientais e, pelo visto, não chegará o minério. Usinas térmicas, a Luma no Ceará é um vagalume, que a ineficiência do governo ajuda a queimar gás à toa. As siderúrgicas no Mato Grosso, à base de carvão vegetal, ameaçam o Pantanal e já haviam sido escorraçadas da Bolívia. A “ilicitação” na concessão da Estrada de Ferro do Amapá, despojos da exaurida mina de manganês da Icomi, que serve à pequena mineração de ferro, de nosso homem de ouro, quase o levou à prisão em 2008, pela “Operação Midas”, da Polícia Federal. Escapou das barras de ferro por pouco ou por outra barra. Um hotel decadente, no Rio Janeiro, pode ser um capricho de rico, mas não sua glória, nem a marina de mesmo nome, onde Eike pinta e borda no veloz iate, deve virar seu quintal. A glória e a decadência é questão de tempo ou de lucidez do mercado, quando olhar o balanço, sem maquiagem, pois perdeu até a fábrica de batom Há que se perguntar às autoridades – e ao próprio Eike Batista: se ele é mesmo de fato o homem mais rico do Brasil, quanto pagou de Imposto de Renda (IR) pela fortuna? Pois, só e mostrada a lista de doações políticas, até para a Madonna. Segundo a revista “Forbes”, sua riqueza, em 2009, que era avaliada em 7,5 bilhões de dólares (61ª posição no ranking mundial), aumentou 19,5 bilhões de dólares em um ano, tendo saltado, como num passe de mágica, para 27 bilhões de dólares (8ª. posição). É pouco, pois segundo o novo rico, sua meta é atingir os cem bilhões de dólares. Contudo, Eike pode ficar sem nada, pois todos serem enganados ao mesmo tempo é impossível, por longo tempo. Uma empresa quando faz uma IPO (oferta pública inicial), como a OSX, em 22/03/10, interessada em portos e coligada da petrolífera OGX (holding EBX), de R$ 10,9 bilhões, que caiu para R$ 5,5 bilhões – conseguiu jogar no mercado R$ 2,4 bilhões – não é dinheiro para aumentar a fortuna pessoal do acionista controlador, e sim turbinar o caixa da companhia (integrada por novos sócios) e fazer investimentos, já atrasados, em estaleiro e no porto! A indústria do petróleo exige elevado capital de risco e experiência, por isso é controlada, há séculos, por um grupo de empresas que não passam dos dedos das mãos, mas brigam entre si e provocam guerras. A Petrobras está entre as irmãs do petróleo. Então, como é possível alguém que nunca tirou uma gota de petróleo começar logo no pré-sal? Já imaginou o X do problema, se vazamento semelhante ao do Golfo do México, que ocorreu com a gigante BP – British Petroleum, ocorrer no litoral do Espírito Santo, Rio de Janeiro ou São Paulo com o aprendiz de mineração Eike Batista? Rei Midas, posto a nu, contradiz Marx, num abuso da “acumulação primitiva do capital”, ao fazer o capital do nada e agora nada no nosso suado dinheiro. Para alguns ele não fede, porém, se olhar bem, tem sempre uma face suja de sangue. Basta de espoliar e enganar o povo!

O autor é geólogo e ex-professor da USP e da UFMG – Diretor do Centro de Geologia Eschwege; e ex-presidente da CPFL – Cia. Paulista de Força e Luz. everaldogoncalves@uol.com.br 

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