Dólar: os dois lados da moeda decadente
Os efeitos, para o bem e para o mal, da forte queda da moeda americana na vida das pessoas e empresas
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247_ Lu Miranda - A cotação do dólar cai ladeira abaixo no Brasil e chegou ao menor nível em três anos (R$1,578 na sexta-feira 15). O governo e o Banco Central mostram dificuldades para frear o movimento e as medidas adotadas são muito questionadas pelos economistas. Elas teriam o objetivo, realmente, de contar esta desvalorização da moeda americana? Sidnei Nehme, especialista em câmbio, acredita que há interesse, sim, de manter o dólar baixo para conter a alta da inflação. Ele acredita que a facilidade de consumo de produtos importados limita a alta dos preços das mercadorias fabricadas no Brasil, mas trata-se de uma política cambial que pode ser um tiro no pé. “As empresas exportadoras perdem competitividade e devem restringir investimentos. Esta desindustrialização vai gerar desemprego e uma crise econômica ainda este ano no Brasil.”
Neste contexto, apenas a indústria exportadora agrícola não é afetada porque as “commodities”, ou seja, alimentos com cotações negociadas em bolsas de valores (a exemplo de soja, milho, café e açúcar) estão em alta no mercado internacional. “Isso ainda segura a nossa balança comercial.”, afirma Nehme.
Já a indústria exportadora não agrícola padece porque perde competitividade internacional. E um dos setores que mais sentem os efeitos da queda do dólar é o têxtil. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil, o crescimento projetado até dezembro, em torno de 5%, deverá ser totalmente absorvido pelas importações. Só no primeiro trimestre deste ano, o déficit comercial do setor foi 47,3% superior ao do mesmo período de 2009.
Esta situação leva o diretor financeiro da Vicunha para a Argentina com maior freqüência. José Maurício D’Isep conta que a perda de competitividade na América do Norte, Europa e, principalmente, na Ásia, levou a indústria de tecidos em índigo e brins a redirecionar esforços de atuação internacional para o país vizinho e também para o Equador. Os investimentos nestas duas unidades somaram US$65 milhões no ano passado e o foco é a produção para os mercados locais. Segundo o executivo, as exportações da indústria no Brasil tiveram uma redução significativa nos últimos cinco anos. Caíram de 30% para 12% da produção. Em 2010, a Vicunha fabricou 150 milhões de metros de tecidos. “Não é fácil arrumar clientes fora do país. E quando você perde por conta de condições desfavoráveis de câmbio, para reconquistá-los é muito difícil”, reclama D’Isep.
A queda do dólar ajudou a empresa num único aspecto. Reduziu as dívidas de empréstimos em dólar obtidos com bancos brasileiros, e “funding” no exterior. A Vicunha registrou alavancagem de R$ 276 milhões no ano passado. Para D’Isep, trata-se de um ganho no curto prazo, com melhora no resultado financeiro, mas não há motivo para comemorar. “No longo prazo, a perda operacional é irreparável com a diminuição dos clientes internacionais”
No setor do turismo, a queda do dólar traz benefícios e prejuízos. Quem leva a pior é a rede hoteleira no país. “Para o turista estrangeiro, o dólar apreciado frente ao real torna o Brasil um país caro para um passeio”, lembra Sidnei Nehme. No entanto, as agências brasileiras focadas no turismo internacional não têm do que reclamar.
Cristina Martins é dona da Monções Turismo, com três agências em Sorocaba, no interior de São Paulo. Com a queda do dólar, a quantidade dos chamados “primeiros viajantes”, ou seja, aquelas pessoas que viajam pela primeira vez ao exterior, aumentou em 50% no ano passado. “As pessoas aproveitam o momento para viagens internacionais a turismo e para estudos. O preço é fechado em dólar e há facilidades para parcelar.”
Segundo Cristina, a estabilidade econômica brasileira também ajudou o setor porque as pessoas se sentem mais seguras para parcelar o pagamento das viagens por não terem seus empregos ameaçados. A agente de turismo lembra que o visto americano tem sido liberado com maior facilidade porque os brasileiros ilegais nos Estados Unidos pós-crise retornam ao país para ter melhores condições de vida. Se há limitador na expansão do setor é no número de aviões que fazem a linha Brasil-Estados Unidos. “Não há aeronave suficiente para tantos passageiros”, lamenta Cristina.
Em um destes lotados aviões vai embarcou Fernanda Portela em sua primeira viagem à América do Norte. O dólar em baixa deu a possibilidade à publicitária de 27 anos realizar o desejo antigo de realizar um intercâmbio. Ela ficou na casa de uma família em Boston, no estado de Massachusetts, na costa leste americana, e fez um curso de inglês. No fim da viagem, passou uma semana em Nova York, que fica próximo. Para conseguir realizar o sonho, Fernanda parcelou o pacote em 12 vezes e termina de pagá-lo no meio do ano. Outras despesas foram pagas com dólar em espécie, cartão de débito e também com cartão de crédito, com fatura a vencer agora em meados de abril, sem risco de variação cambial brusca neste curtíssimo prazo. “Planejei estas férias há um ano. Se o dólar não estivesse baixo assim, talvez não fosse possível. Teria que me programar com antecedência muito maior.”
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