“As elites brasileiras deveriam pesar se não estão apostando no cavalo errado”, diz economista dos EUA sobre dólar

Com passagens por Harvard, Stanford, Yale e Sorbonne, Richard Wolff deu uma entrevista exclusiva ao correspondente do Brasil 247 nos Estados Unidos, Pedro Paiva

(Foto: Reprodução)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Pedro Paiva, correspondente do 247 nos EUA - Durante a visita à China, o presidente Lula fez declarações contundentes em relação ao uso do dólar como única moeda de transação internacional. Para o presidente, é tempo de pensar novos mecanismos que possibilitem a troca de bens e mercadorias entre países - e que não passe necessariamente pela tutela dos Estados Unidos. Essa é uma posição que vem ganhando força no mundo, sobretudo em resposta às múltiplas sanções impostas pelos EUA a seus adversários.

Richard Wolff, economista renomado dos Estados Unidos, que passou por Harvard, Stanford, Yale e Sorbonne, deu uma entrevista exclusiva ao Brasil 247 sobre o tema. Wolff é professor emérito de economia na Universidade de Massachusetts e professora convidado de Relações Internacionais da New School University, em Nova York. Ele é um dos fundadores do Democracy at Work, uma produtora de conteúdo anticapitalista sem fins lucrativos. Para ele, a queda do dólar americano é inevitável e está associada à queda do que chama de “império americano”.

continua após o anúncio

PEDRO PAIVA (P.P.): Professor, como o senhor deve ter assistido, o presidente Lula esteve recentemente na China e se reuniu com o presidente Xi Jinping. Ele fez comentários sobre a necessidade dos países do BRICS negociarem em moedas diferentes do Dólar Americano. Minha primeira pergunta é: o dólar estadunidense está perdendo sua primazia no mundo? E qual é o papel dos BRICS nisso?

RICHARD WOLFF (R.W.): Bem, a resposta curta para sua pergunta é sim. O Dólar dos Estados Unidos está perdendo a posição que já teve e que adquiriu no final da Segunda Guerra Mundial, e da qual desfrutou nos últimos 75 anos. Não há dúvida de que isso está acontecendo. Não é mais uma questão de saber se isso vai acontecer. Na verdade, a única questão é: com que rapidez e até onde irá? E nessa pergunta uma das respostas tem que ver com os BRICS. Acho que a maneira de entender isso, e isso é especialmente importante para o povo brasileiro, mas também para as pessoas ao redor do mundo, é que estamos vivendo uma grande mudança histórica. O que estamos vivenciando é o início da queda do Império Americano, ou seja, do Império dos Estados Unidos sobre o mundo. Desde a Doutrina Monroe, lá em 1830, quando os Estados Unidos anunciaram a América Latina como sua área, estamos em um mundo que antes era dominado pelo Império Britânico e que foi substituído pelo Império Americano, e agora está desaparecendo como todos os Impérios. Os portugueses já tiveram um império, os espanhóis tiveram um império, os persas, os turcos, os gregos, os romanos… Todos vêm e depois todos vão. E é um momento muito difícil. Aqui nos Estados Unidos a gente vê um país, do qual eu faço parte, que está em negação. Eles não querem ver. Eles insistem que não. Eles estão tentando na Ucrânia impedir que esse processo continue. Estão falhando. Eles já falharam na Ucrânia. O plano deles na Ucrânia era destruir a Rússia, enfraquecê-la para derrubá-la, isolá-la como disseram os líderes americanos. Eles não fizeram isso. A Rússia não está isolada. A Rússia usou os BRICS para encontrar outras saídas para seu petróleo e seu gás. Eles fizeram isso. Eles resistiram a todas essas sanções. Todos esses são sinais de uma situação em que outros países estão encontrando outras maneiras melhores de resolver seus problemas econômicos e não querem mais viver dentro da estrutura do Império dos EUA. E a única questão para mim, como eu disse, sobre o Dólar, é quão rápido e quão longe essa transição irá.

continua após o anúncio

P.P.: Professor, indo um pouco para trás, por que a primazia do Dólar é tão importante para os Estados Unidos?

R.W.: Existem várias maneiras pelas quais o dólar é fundamental. Em primeiro lugar, os Estados Unidos são um importador líquido de uma enorme quantidade de bens e serviços. Em uma situação normal, para que um país traga o produto de outros países para seu próprio povo, ele teria que devolver os produtos de seu próprio país. Ou seja, se os Estados Unidos querem trazer vinho francês da França, têm que dar aos franceses algo produzido aqui. Essa é a ideia do comércio internacional. Mas os Estados Unidos, por muitas décadas, não foram obrigados a fazer isso. Por que? O que os EUA dão aos estrangeiros em troca do algodão brasileiro ou do café brasileiro ou qualquer uma das coisas que o Brasil manda para cá? Mandamos para o Brasil, ou para a França, pedacinhos de papel verde: o Dólar. Eles não custam nada para produzir. É como papel higiênico. Não tem nenhum valor real. E ainda fica melhor. Esse dinheiro que enviamos para as autoridades francesas ou brasileiras é depositado em bancos brasileiros ou bancos franceses que, por sua vez, o entregam a seus governos para obter a moeda local, o euro na França, o real no Brasil, e assim por diante. E o que o governo faz? O governo transfere esses dólares para os Estados Unidos, porque detém obrigações do tesouro americano, dívidas dos Estados Unidos, tão boas quanto reservas de ouro para a sua moeda. Então, você entende, este é um sistema cujo resultado final é dar aos Estados Unidos os frutos do trabalho das pessoas do mundo, pagos em dólares, que são então emprestados ao governo dos Estados Unidos, para fazer o que bem quiser. Esta é uma forma de fazer com que o mundo inteiro sirva aos Estados Unidos. É como se o mundo inteiro fosse a colônia dos Estados Unidos. Foi isso que Portugal fez com as suas colônias, foi o que a Grã-Bretanha fez com as suas colônias ou a Alemanha, a França, a Holanda… Os Estados Unidos fazem isso de uma maneira diferente e o papel crucial é desempenhado pelo dólar.

continua após o anúncio

P.P.: Essa é a primeira vantagem. Temos uma segunda?

R.W.: É que o dólar se tornou a forma de comprar e vender entre muitos países, principalmente para o petróleo, no século em que todos dependemos do petróleo, mas para muitos outros bens o Dólar é usado para comprar e vender. E o que isso significa é que os dólares se tornam o sistema. E o sistema para pagar chama-se sistema SWIFT. É assim que o dinheiro é movimentado ao redor do mundo. E isso permite aos Estados Unidos, porque tudo é feito em dólares do sistema Swift, poder monitorar, inspecionar, todos os aspectos do mundo. Isso é, novamente, uma espécie de colonialismo. É como se você tivesse uma autoridade que examinasse o que você faz na sua conta bancária, o que sua empresa compra com esse dinheiro, e isso permite que eles tenham as sanções para punir as pessoas de quem eles não gostam. Os russos, neste caso, mas Cuba foi sancionada por meio século, o Irã foi sancionado, a Coréia do Norte foi sancionada, a Venezuela foi sancionada, e assim por diante. Portanto, dá aos Estados Unidos um controle político-econômico sobre grande parte do resto do mundo. Tudo isso está diminuindo.

continua após o anúncio


P.P.: Bem, como você disse, a primazia do dólar americano dá aos Estados Unidos uma espécie de status de "polícia do mundo". Os EUA sozinhos podem decidir sancionar um país inteiro e o fizeram com Cuba, Venezuela, Irã e muitos outros. Você acredita que essas sanções também são a razão pela qual muitos países estão procurando outras formas de comércio, que não dependam de dólares americanos? Você acredita que as sanções contra a Rússia, por exemplo, motivam o mundo a dizer, bem, você sabe, precisamos negociar com a Rússia, então, se os Estados Unidos vão sancionar a Rússia, vamos tentar negociar de outra maneira?

continua após o anúncio

R.W.: Exatamente. Acho que o resto do mundo está assistindo ao declínio do Império dos Estados Unidos e este declínio está levando o país a fazer coisas que as pessoas aqui nos Estados Unidos, muitas, entendem serem erros muito perigosos. Se você quer ser o governante do mundo, então você vai ter que tratar todo mundo da mesma forma, caso contrário, você vai criar enormes divisões internas. Mesmo uma potência colonial quer que haja paz nas colônias, porque é o contrário é perigoso. Nos Estados Unidos, e aqui chamamos isso de "armamento do dólar", estão transformando o dólar em uma arma. O dólar está se tornando não a moeda neutra administrada pelos Estados Unidos para todos, mas uma ferramenta da política externa dos Estados Unidos contra a Rússia, esta semana, e contra sabe-se lá quem na semana que vem. Então, sim, todos os países do mundo agora estão olhando para os Estados Unidos e dizendo, mesmo que não usem essas palavras, “um império em declínio está se tornando desesperado”. Essa é a razão pela qual temos a guerra na Ucrânia. Eles descobriram, nos Estados Unidos, que têm um verdadeiro concorrente econômico, sobretudo, na República Popular da China. Não há como contornar isso. Essa é a colossal nova potência econômica do mundo. Os Estados Unidos não querem ter um concorrente. Embora os Estados Unidos tenham surgido para substituir um antigo império, não quer ser trocado por outro. É isso que estamos vendo e o resto do mundo está olhando para um Estados Unidos desesperado. Na guerra da Ucrânia, decidiu isolar a Rússia. Mas aqui está a ironia da História: o que está fazendo é isolar os Estados Unidos.

P.P.: Existe uma preocupação de que o comentário de Lula possa levar a uma reação dos Estados Unidos. Como sabemos, os EUA derrubaram muitos governos na América Latina ao longo dos anos. Você acredita que esse tipo de postura do governo Lula pode levar a algum tipo de cenário em que o governo dos EUA tente intervir no Brasil ou em qualquer outro país que se posicione de forma semelhante?

continua após o anúncio

R.W.: Eu não posso prever o futuro. Você conhece muito bem a sua história, sabe quantas vezes os Estados Unidos interferiram na América Latina nos últimos 200 anos, basicamente. Acho que seria ingênuo imaginar que os Estados Unidos não estão considerando agora o que fazer com a mudança de Bolsonaro, que parece querer ser outro Trump, que temos aqui, e se o Sr. Trump voltar a ser o presidente, o que é possível, quem sabe o que ele e o Sr. Bolsonaro podem ter em mente para o Brasil. Eu não acho que a questão do Dólar é suficiente, assim como eu acho que a questão do Lula ir para a China seja suficiente. Todo mundo vai para a China. Macron, o chefe da França, esteve na China uma semana antes de Lula chegar lá. Então, isso não é suficiente. Mas levanta há uma preocupação e, junto com outras questões, sim, você pode chegar a um ponto em que os Estados Unidos queiram se livrar do Lula do mesmo jeito que quiseram se livrar de Hugo Chávez na Venezuela, ou Fidel Castro em Cuba ou Árbenz na Guatemala há muitos anos. Como você sabe, a lista é muito longa e seria ingênuo não pensar que os Estados Unidos não considerem essa saída. Mas há uma pergunta: quantas guerras [os EUA conseguem travar ao mesmo tempo]?  A propósito, esta é a questão mais antiga dos impérios: eles sempre acabam tentando travar muitas guerras ao mesmo tempo e depois desmoronam. Acho que os americanos são inteligentes o suficiente, ou pelo menos há algumas pessoas em Washington inteligentes o suficiente, para entender isto. Sério, você vai lutar na Ucrânia, e em Taiwan, e agora no Brasil? O que você está fazendo é ir direto para a borda de um precipício de onde você pode cair.

P.P.: Professor, minha última pergunta é: no Brasil, a grande mídia está falando sobre o dito ataque de Lula ao dólar como um desastre. O que você acha disso? Você acha que o Brasil perde tentando comercializar de outras formas ou você acredita que os BRICS e outros países do mundo têm algo a ganhar fazendo isso? E por que você acha que as elites brasileiras, e provavelmente as elites de outras partes do mundo, ficam tão preocupadas com essa possibilidade?

continua após o anúncio

R.W.: Eu acho que as elites em muitas outras partes do mundo estão gostando desse processo. Elas não estão chateadas com isso. Eles estão ansiosos. Vou dar apenas dois ou três exemplos. Na Arábia Saudita, eles estão abraçando o fim do dólar. E eles não estão fazendo isso por causa de alguma ideia abstrata. Eles estão fazendo isso porque acham que vai aumentar o bem-estar econômico da Arábia Saudita. E acho que poderia dar a vocês muitos outros países que estão vendo oportunidades aqui. Outro, se você estiver interessado, é a Índia. A Índia está indo muito bem. A Índia está economizando enormes quantias de dinheiro comprando petróleo russo usando rublos ou rúpias, sua própria moeda, e assim por diante. Então, não, acho que as elites ao redor do mundo, muitas delas, entendem isso como um passo necessário. Porque eles entendem o declínio do Império Americano. Eles estão dizendo que, e vou usar uma expressão aqui dos Estados Unidos, que "temos que mudar porque estamos apostando no cavalo errado". Você sabe, em uma corrida de cavalos. E as pessoas estão mudando. Número dois: realmente é uma bobagem da elite empresarial no Brasil. O problema do dólar americano não será afetado significativamente por nada que o Brasil fizer. Não quero ser desrespeitoso, mas há peixes muito maiores. A decisão da Rússia, a decisão da China, a decisão da Índia, a decisão de mais e mais países. Esse é o grande evento. O dólar não vai sobreviver se o Sr. Lula mudar de ideia, se eles trocarem o Lula por Bolsonaro ou qualquer outro e só negociarem em dólares. Isso não vai salvar o Dólar. As forças agora são muito grandes. Lembre-se, China e Índia são os dois maiores países do mundo. E se você colocá-los juntos, eles são um desafio para os Estados Unidos em um nível econômico de competição que não vemos no mundo há um século. Os Estados Unidos têm sido os dominantes até agora. É por isso que estou enfatizando, estamos em um ponto de transformação histórica e gostaria de insistir às elites brasileiras, caso assistam ao seu programa, para pensar se não estão apostando no cavalo errado.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247