A Bahia não se divide. Ou já se dividiu?

Enquanto o Oeste baiano puxa a economia baiana para cima com o agronegócio, o governo baiano dá pífia assistência à região; por lá, o debate sobre divisão do Estado só ganha fôlego



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Otto Alencar, vice-governador e secretário da Infraestrutura, surpreendeu o mundo político ao declarar-se a favor da criação do Estado do São Francisco. Mais que uma opinião, quando ele falou estava na condição de governador, substituindo o titular, Jaques Wagner, então em viagem a Portugal. E ainda fez questão de ressaltar que não se trata de uma derrapada, lampejo infeliz ou coisa assim, mas uma convicção externada com discurso pronto e acabado. "Não tenho medo desse debate".

Surpreenderia só por se tratar de uma autoridade top da Bahia, onde historicamente 99,9% da representação política se declarou ostensivamente contra a divisão do Estado, mas é mais que isso. É um sinal de que na Bahia do pós-ACM as coisas estão mudando, e que o debate inclui nova roupagem também no modo de encarar temas tabus.

Na era ACM, a reação a tais pretensões, muito mais intensas com o cogitado projeto de criação do Estado de Santa Cruz (região de Itabuna) do que no do São Francisco, vinham tintadas com todos os ingredientes emocionais que a expectativa de uma agressão eminente geral. O próprio ACM puxava o coro. Levantava a voz e bradava: 'Nasci baiano, daqui não saio, daqui ninguém me tira'.

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A falácia ancorava-se em apelos publicitários cujo pano de fundo era um elenco de baianos notáveis declamando a sua baianidade, como no bem bolado anúncio criado por Duda Mendonça intitulado 'A Bahia não se divide'. Nele, Maria Bethânia, a cantora deixava o seu lado atriz imperar: não se separa Dorival de Caymmi; Glauber de Rocha; Jorge de Amado; Gilberto de Gil; Ruy de Barbosa. A Bahia não se divide.

Novos tempos na era Wagner

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Claro que com o poder que detinha e a eterna disposição para enfrentar brigas independente do tamanho do adversário, ACM barraria qualquer projeto sério nessa direção. Preferia, por conveniência, o apelo midiático para adubar o espírito de baianidade que, forjado ou não, sempre pautou a trajetória dele. Desprezava o debate racional para deixar prevalecer o emocional. Sabia que politicamente a divisão territorial da Bahia não tinha futuro, mas faturava também a opinião pública.

A era ACM se foi, a Bahia está como sempre, o tempo é outro, um tempo novo até diante de tal debate. Desde 2006 em Barreiras, ainda candidato 'sem chances', dizia-se na época, Jaques Wagner declarou ser contra a divisão. Em 2010, na reeleição, novo ingrediente. Wagner reafirmou sua posição, mas numa andança pelo oeste com a chapa majoritária ouviu Otto Alencar, o candidato a vice, se dizer a favor. E ficaram elas por elas, um contra e outro a favor.

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Na banda da atual oposição também o quadro é outro. ACM Neto, herdeiro do DNA e da grife do avó, diz ser contra, mas ressalva que é a favor 'desse debate'. Em suma, as partes já se predispõem a conversar, ao invés de guerrear.

Resumindo: a alma do 'A Bahia não se divide' já não é mais aquela. Ou melhor, a Bahia já se dividiu. Não territorialmente, mas em antes e depois de ACM.

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Oziel entre em cena

Antes como hoje, nada indica que na Câmara dos Deputados haja algo mais consequente. O autor do projeto que cria o Estado de São Francisco é o deputado pernambucano Gonzaga Patriota (PSB), proposta encaminhada em 2003 e que em 2007 acabou derrotada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

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Patriota é pernambucano de Petrolina e sempre evoca nos seus discursos que a área do chamado oeste baiano hoje, com 35 municípios, já pertenceu a Pernambuco. Foi incorporada ao território baiano em 1824 pelo Imperador Dom Pedro I como punição pelo movimento separatista conhecido como Confederação do Equador.

Na Bahia, o assunto foi vitaminado a partir de abril deste ano, quando o deputado Oziel Oliveira (PR), baiano do Paraná, ex-prefeito de Luiz Eduardo Magalhães, prometeu apresentar novo projeto sobre o assunto. Em 17 de agosto último cumpriu o prometido. Protocolou na Câmara o Projeto de Decreto Legislativo (PDC 355/2011) que pede a realização do plebiscito.

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Se na banda da Bahia a leste do São Francisco a coisa corre em banho-maria, na oeste o debate fervilha. Na Assembleia, os dois deputados da região, Herbert Barbosa (DEM) e Kelly Magalhães (PCdoB) embora opositores entre si, manifestaram-se em favor da causa. Em Barreiras e adjacências, onde a emancipação já é mote de campanhas eleitorais, seja ela qual for, nem se fala.

Cacau e soja, o contraponto

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No plano nacional, a discussão ainda é algo incipiente, com a desvantagem de que o governo federal se mostra indisposto a criar novos estados, o que significa mais despesas. Mas a economia aduba a discussão, já que o oeste baiano a cada temporada dá sinais de pujança, expandindo-se como um dos principais núcleos do agronegócio no Brasil.

No tempo do 'A Bahia não se divide', que atacava a intenção de se criar o Estado de Santa Cruz, Fernando Gomes, ex-prefeito de Itabuna e pai da ideia, era deputado federal e o cacau ainda era o cacau. A vassoura de bruxa era só um fantasma que povoava a literatura e a Região Cacaueira esbanjava riqueza. Gozava do prestígio de quem já foi responsável por 60% da arrecadação do ICMS da Bahia.

Tirar a fatia rica da Bahia incomodava. Não seria só baianidade ferida. Seria o cofre também. O cacau faliu com a vassoura de bruxa e o debate minguou. No Oeste Baiano, se dá o oposto. À medida que o agronegócio capitaneado pela soja se expande, a evocação da criação do Estado ganha pique.

Diz Otto que lá é 'outra cultura'. E de fato, é. Os grandes empresários do agronegócio são de distintos rincões do país. Oziel Oliveira, o deputado federal da região, é paranaense. A mulher dele, a prefeita de Barreiras, Jusmari Oliveira, também. O prefeito de Luiz Eduardo Magalhães, Humberto Santa Cruz, ex-aliado e hoje inimigo de Oziel, é gaúcho.

Junte-se a isso o fato de que a assistência que o governo baiano dá à região é pífia. Faltam estradas, o aeroporto de Barreiras é uma lástima e a representação política no governo é quase nenhuma, o referencial de saúde da área é Brasília e para completar Wagner partilhou o governo por critérios partidários e por essa via, o oeste sobrou. Não há representantes da área em postos de comando expressivos.

De notável só mesmo a Ferrovia da Integração Oeste-Leste (Fiol), uma linha direta do agronegócio com o Oceano Atlântico. Ao invés de arrefecer o debate, tal iniciativa tende a adubar.

Curioso é que em maio deste ano no lançamento do Bahia Farm Show, a maior feira de Agronegócio do Norte e Nordeste, em Luiz Eduardo Magalhães, os organizadores, liderados de Humberto, inimigos de Oziel, colocaram na abertura o Hino ao Dois de Julho, que Jaques Wagner, presente ao ato, adotou como Hino da Bahia. Faz parte do cabedal de picuinhas da política local.

Mas na hora do vamos ver, a chama se acende. A ideia da emancipação pode ser incipiente em Salvador e Brasília, mas no oeste solta labaredas. É fogo em palha seca.

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