Zé do Caixão do Sertão: vai que chega a Cannes...

Na pequena Ccero Dantas, no semirido baiano, cineasta com poucos recursos faz terror trash. Seu novo filme, A lenda da Lagoa Vermelha II, deve estrear em meados de outubro; ele j ganhou mais de 50 prmios; veja vdeo



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Por Elieser Cesar_Bahia 247

Encravado no semiárido baiano, a 300 quilômetros de Salvador, o pequeno município de Cícero Dantas – antigo Bom Conselho, em homenagem a Antônio Conselheiro, o líder messiânico da Guerra de Canudos – produz feijão e milho quando a seca deixa . Porém, debaixo de um sol inclemente ou da chuva redentora, faz também cinema. E tem orgulho de seu cineasta: o radialista Eutímio Carvalho, conhecido como o Zé do Caixão do Sertão.

Aos 45 anos de idade, 26 de cinema (começou a carreira de cineasta sertanejo aos 23), quase sem recursos, Carvalho pede dinheiro a comerciantes da cidade, passa cheques pré-datados, vende e penhora os poucos bens que possui. Mas com uma câmara nas mãos e uma idéia na cabeça, como pregava Glauber Rocha, o Zé do Caixão do Sertão já fez seis filmes. A filmografia minimalista dele já incluiu do terror trash ao faroeste caboclo: A noite do terror; A maldição de Cíntia (filme mais locado em Cícero Dantas); A maldição de Cíntia II, o retorno; Bravios do sertão; A lenda da Lagoa vermelha e A lenda da Lagoa Vermelha II. Este último filme vai estrear em meados de outubro na pequena cidade sertaneja, com direito a exibição promovida em Salvador pela Diretoria de Artes Visuais e Multimeios (Dimas) da Fundação Cultural do Estado da Bahia.

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A história desse verdadeiro herói do cinema do sertão é digna de filme. Várias peripécias marcaram as produções de Eutímio Carvalho. O primeiro filme, A noite do terror (1989) foi feito com uma câmara VHS e muita imaginação. O George Romero – autor clássico de filmes de Zumbi – de Cícero Dantas escreveu o roteiro e convocou pessoas da própria cidade para o elenco. De arrepiar, o filme foi exibido em um galpão e se transformou num sucesso de público local. Já pensando em novas produções, ele cobrou R$ 1 pelo ingresso.

O exorcista da caatinga

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Em 1997, veio A maldição de Cíntia, a história de uma mulher que odeia a vida, só pensa em riqueza, faz um pacto com as forças das trevas num terreiro de umbanda, mata a própria mãe, tenta matar a irmã e acaba morrendo, ao cair de uma escada, depois de lutar com o irmão. Mas como o personagem brucutu de Bruce Willis, Cíntia também é dura na queda e retorna em forma de demônio para uma vingança terrível. A mulher do cão se apossa do espírito do irmão e aí entra um pouco do clássico O exorcista: o padre da paróquia tenta exorcizar o espírito que domina Daniel num embate titânico entre a igreja e o demônio, a luz e as trevas. Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Premonitório como A profecia – outro ícone do terror hollywoodiano – o filme trouxe consigo uma "maldição autêntica" como acredita muita gente em Cícero Dantas. Era ser exibido e uma pessoa morrer. "Quatro pessoas morreram nas localidades em que o filme foi passado. Um padre me pediu para não exibi-lo mais", relembra Eutímio Carvalho ou, melhor, Zé do Caixão do Sertão.

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Na sequência, A maldição de Cíntia II, o retorno, um grupo e jovens, por brincadeira, rouba a taça de ouro da igreja, mas Cíntia volta dos infernos para levar a alma de todos e assim vencer o poder das trevas. Aventurosa mesma foi a produção de Bravios do sertão, faroeste caboclo de 1999 que conta a história real de um filho de Cícero Dantas, desmedido e corajoso, que enfrenta um bando de jagunços. A saga desse Django sertanejo, deveria ser custeada pela Fazcultura, programa do governo do estado de incentivo à produção cultural. O projeto de Eutímio foi aprovado para a captação de R$ 300 mil, megainvestimento digno de um blockbuster, considerando que o orçamento doméstico dos outros filmes não ultrapassou R$ 6 mil, Porém, as empresas não deram dinheiro ao persistente cineasta

"Pensei em desistir, mas aqui no sertão pequenas empresas aprovaram o meu projeto. Conseguiu R$ 6,5 mil para uma produção orçada em R$ 300 mil, e fiz o filme com a cara e a coragem. Tomei dinheiro emprestado a agiota, empréstimo no Banco do Brasil, vendi meu carro, uma motocicleta CG. O dinheiro que consegui não deu para o começo e eu tive que eliminar 20 sequencias do filme", conta Zé do Caixão do Sertão.

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Elenco é perseguido por índios de verdade

Eutímio Carvalho é a prova cabal da dificuldade de se fazer cinema no Brasil e do heroísmo de quem se mete na empreitada sem quase nada no bolso: "Os dias se passaram e o dinheiro estava acabando. Faltava comida no set, no meio do mato. Um diretor que contratei tinha diabetes e precisava de insulina e ainda teve uma crise de hemorróidas. A mulher dele pegou uma faca e, como se tivesse incorporado o espírito maligno de Cíntia, veio para cima de mim. Tive que contornar a situação", recorda.

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As atribulações do cineasta caboclo não acabaram por aí. Quando voltava do set de filmagem, o carro dele quebrou na localidade de Mirandela onde um tribo de índio estava em guerra com posseiros locais. Até parecia o roteiro de um novo faroeste, Os índios confundiram o elenco de artistas com posseiros e incendiaram o carro do cineasta. Como o General Custer batendo em retirada dos apaches, todos fugiram para o mato, "com fome, frio e muito medo".

Eutímio Carvalho está entusiasmado com seu novo filme A lenda da Lagoa Vermelha II – a vingança, continuação da história de dois irmãos que saem para caçar em pleno sertão baiano sem levar em conta o aviso da mãe sobre uma lenda da região que diz que não se deve caçar no mês de agosto. No caminho, se perdem e começam a perceber que terão de lutar muito por suas vidas, como revela a sinopse do filme. Orçado em R$ 50 mil, o novo filme foi feito pela 402 Produções, do produtor Duda Falcão, em Salvador.

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"É o melhor filme de minha carreira. Caprichamos no roteiro e nos efeitos especiais", aposta o Zé do Caixão do Sertão. Quem duvida é só aguardar o avant-première. Quem pensa que o cineasta da gente simples do sertão está longe de Gramado, Cannes Hollywood e outros palcos do cinema, deve saber que Eutímio Carvalho já conquistou 52 prêmios em festivais de cinema independente, inclusive em Portugal, na Suécia e na Holanda. Com tantos sacrifícios, porque Zé do Caixão do Sertão persiste no sonho de fazer cinema com tão poucos recursos e quase nenhum patrocínio? Ele mesmo responde como um dos personagens de seu terror trash: "Tem coisas que aparecem na vida da gente que é mistério".

 

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