Um erudito entre os malditos
Com uma sofisticada dramaturgia, pea do diretor e autor Roberto Alvim se inspira na fbula para abordar a humanidade em frentica transformao
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Por Patrícia Lobo_247 - Foi exatamente na primeira fileira na quarta cadeira da direita para esquerda que pude conferir a peça Pinokio da companhia Club Noir, escrita e dirigida por Roberto Alvim, e encenada no espaço de mesmo nome em São Paulo. A montagem é livremente inspirada na fábula infantil do italiano Carlo Collodi (1826-1890). Estava eu, então, na caixa preta. A peça causou-me um constante incômodo pela essência e o todo de sua encenação. No decorrer do espetáculo há uma construção de neologismos (expressos na fala dos personagens) e, ao mesmo tempo, uma desconstrução da linguagem. Seria uma referência ao falar primitivo? Ou uma crítica moderna à tecnologia? É possível identificar a influência das ideias do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) e suas definições de significante e significado, que surgem no espetáculo no destaque que se dá ao modelo narrativo e à forma como o homem/autor significa e nomeia tudo aquilo que o rodeia.
Não se trata de entender ou reconhecer e sim de construir significados. Questões que vão muito além dos sentidos culturais habitualmente atribuídos ao homem. É como se a única certeza existente fosse a da constante mudança, a de um futuro incerto. Um texto denso, sofisticado e fragmentado. Da fábula na qual se inspira traz apenas o estranhamento do boneco inanimado que adquire características humanas. E os personagens estão todo o tempo se transformando, se “coisificando” e se humanizando. Uma linguagem pouco visual e totalmente centrada na voz. A busca pela subjetividade está no âmago de sua dramaturgia e, de certa forma, conta com a participação do público. Não há interação entre os personagens, há monólogos que revelam experiências de transformação de coisas em corpos. O autor nomeia os seus personagens: a mulher velha, o homem velho, a mulher de azul, o menino, o grilo falante e a agente da lei.
Tudo na peça é de cor preta, o cenário, o figurino, o chão de mármore. Não há refletores e, logo no início, apenas uma faixa de neon branco risca o fundo do palco. A pouquíssima luz nos faz ver apenas contornos dos personagens e partes de seu corpo. Só o essencial. Próximo ao final, surge um círculo de neon vermelho, porém não fechado. Uma montagem ousada, com uma estética meio futurista, que o público digere aos poucos e segue se lembrando muito tempo depois de deixar o teatro. Apresenta atuações certeiras, lideradas por Juliana Galdino (Comunicação a uma academia) que a cada novo trabalho exibe uma certeza de entrega, e é hoje uma das grandes atrizes do Brasil. Roberto Alvim consegue, de uma maneira única nos tempos modernos, representar a inquietude e os dilemas humanos. Diria que Alvim é hoje um dos autores mais eruditos da dramaturgia contemporânea, sabendo utilizar muito bem o clássico em uma atuação vanguardista. Uma aposta nos extremos. Pinokio fica em cartaz até o dia 15 de maio.
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