“TV é um eletrodoméstico, como um liquificador, uma geladeira”

Em entrevista ao 247, o escritor Mario Prata, que teve seu livro Minhas Vidas Passadas relanado este ano, fala sobre novelas, livros e tablets

“TV é um eletrodoméstico, como um liquificador, uma geladeira”
“TV é um eletrodoméstico, como um liquificador, uma geladeira” (Foto: FELIPE CHRIST/AGÊNCIA ESTADO)


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Aline Oliveira_247- Há dez anos, Mario Prata desistiu de São Paulo e foi refurgiar-se em Florianópolis. Lá, ele diz manter uma vida mais tranquila e que é possível confiar mais nas pessoas. Morando de frente para o mar – como fez questão de frisar ao telefone – Mario escreve um livro por ano e afirma não conseguir viver sem esse hábito. “Todas as ideias esparsas que tenho, anoto no celular, e quando estou fazendo um livro, geralmente meus pensamentos remetem a ele”, conta o escritor que adora tecnologia, mas ainda resiste à evolução do e-Book. “Livro tem que ter cheiro”. Veja a entrevista completa.

 

247- O livro Minhas Vidas Passadas foi publicado em 1998. Por que republicá-lo agora?
Mario Prata - Foi um pacote que fiz com a Planeta de quatro livros, dentre eles o 'Diário de um Magro' e 'Será o Benedito'. Mas o legal de republicar é atingir outra geração, outro tipo de leitor.

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247- Li que seu intuito, em 1998, era ironizar os livros sobre vidas passadas. O que acha desse estilo literário?
MP- Na época, estava muito na moda escrever livro sobre vidas passadas. Tinha até gente vendendo k7 para fazer regressão em casa. Tava uma avacalhação isso! Eu lia e via que não tinha nenhuma informação sobre o período que a pessoa estava vivendo. Então, eu resolvi fazer o contrário. Contratei uma pesquisadora da USP, entreguei as personagens do livro para ela, que fez uma pesquisa muito rica. Quando publiquei o livro, chegaram a pensar que eu tinha ido a todos os lugares.

247- Em seu penúltimo livro, "Os Viúvos", que você conta de história de Ugo Fioravanti e Darwin Matarazzo, você fez uma dedicação polêmica a ministros, secretários e contadores, motivado por um problema que teve com seu ex-contador e, posteriormente, com a Receita Federal.
MP- É um grande problema. O contador me roubar, tudo bem. É um direito dele. Só que [na Receita Federal] só existem aquelas 'gerundetes'. Você não consegue conversar com ninguém, falar com departamento nenhum. Eu só queria ter falado: 'olha eu paguei, foi o cara que me roubou'. Sei que a falha foi minha, mas isso me irritou muito, porque não consegui falar com ninguém da Receita. E minha dívida é bem menor do que as dívidas das grandes empresas. E além disso, todo mundo sonega imposto aqui no Brasil. A pessoa compra uma casa e o cara pergunta qual valor quer que ponha na nota. Você vai ao médico e ele questiona se é com nota fiscal ou sem.

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247- E o que você acha que deve ser feito?
MP- Os contadores têm uma profissão imune [perante à Receita Federal]. Para ela, o contador não deve explicações, mesmo se o contador disser que roubou. Para Receita só existe ela e o contribuinte. Essa é a sacanagem. Acho que o contador deveria ser responsável pelo seu cliente.

247-A política brasileira e o governo são boas pautas para um livro?
MP- Não.

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247- Por quê?
MP- Porque está tudo dando certo. Acho que os últimos dois governos (FHC e Lula) puseram o Brasil no centro do mundo. Se você ver o Brasil de 20 anos atrás e hoje vai notar que é outro país. Governo só rendia pauta na época da Ditadura, que estava tudo errado. Agora não. É claro que existem muitas coisas erradas, mas não dá para mudar um país em dez anos e nós estamos chegando lá.

247- O que você está lendo atualmente?
MP- Estou lendo muito livro policial. Em quatro anos, li uns 600. Ultimamente, li Andrea Camilleri, Lawrence Block, Ruth Rendell. Mas leio também biografia de autores e também livros sobre literatura policial. É uma forma de estudar, porque estou com isso na cabeça. Aliás, estou até escrevendo um livro para o ano que vem.

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247-Se não pensarmos na parte comercial, por que e para quem você escreve?
MP- Primeiro eu penso em me divertir escrevendo, também penso no que vão achar do texto, mas isso não é prioridade. Escrevo pela necessidade financeira e por não conseguir ficar sem escrever.

247-E a expectativa de venda? Seus livros costumam vender muito e isso não lhe traz a preocupação de um novo trabalho não emplacar?
MP- A gente não sabe quando o livro não vai dar certo. Meu único livro que ultrapassou os 100 mil exemplares, o Diário de um Magro, eu não dava bola para ele. Achei que três gordinhas iriam ler e só. Mas foi um sucesso. Por outro lado, às vezes acho um livro vai ser sair bem e não vende tanto. Não há receita para best-seller, mas quando vira um, eu fico bem feliz. É legal ver seu nome na lista dos mais vendidos.

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247-Você também é escritor de novelas e escreveu folhetins que fizeram sucesso, como Estúpido Cupido. Mas sua última novela Bang Bang não atingiu a audiência esperada pela Globo...
MP- [Interrompendo] Foi um fracasso!

247- E é por isso que você não escreve mais novelas?
MP- É. O problema é que eu escrevia há vinte, trinta anos e naquela época, a produção de capítulos diária era metade do que é hoje. Nos anos 70, eu escrevia 20 capítulos por dia, o que já era muito. Agora são 42 por dia e eu não tenho condição física para isso. Não dá tempo de escrever. Então, quando eu vi que não conseguia, contratei colaboradores. Mas aí eu me perdi completamente, porque cada um atirava para um lado. É claro que não estou colocando a culpa em ninguém, a culpa foi minha, de me meter a fazer isso.

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247-E você não terminou de escrever essa novela.
MP- Escrevi os trinta primeiros capítulos e saí por uma questão de saúde mesmo. Tive tendinite calcária e fiquei oito meses fazendo terapia. Tive uma tendinite no cérebro também... despiroquei (risos).

247-Você acha que a qualidade da novela caiu?
MP- Sim e muito. Caiu pelo seguinte: nos anos 70 quem tinha TV eram as classes A e B, composta por pessoas mais informadas. Não estou dizendo que a classe C é burra, mas é ignorante. Muita gente não tem informação. E a leitura das classes baixas fez com que a TV baixasse o nível.

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247-Mas você não acha que a TV tem que informar?
MP- Não. Ninguém se informa pela TV. Televisão é um eletrodoméstico, tem a mesma função de um liquificador, uma geladeira. Quem leva a TV a sério são os intelectuais. O povo não leva nada a sério, sabe que tudo é uma grande mentirinha.

247-O que você acha do iPad e dos tablets?
MP- Você já viu alguém lendo em um?

247-Sim, muitos. Inclusive o jornal para o qual você está dando entrevista tem aplicativo para tablets e muita gente aqui na redação tem.
MP- Ah! então estão todos aí. (risos). Olha, o problema da internet e de todas as tecnologias é que são muito jovens e como todo jovem é irresponsável. Não sabe o que quer. Fica tentando informar, entreter, mostrar sacanagem...

247- Isso não é o bacana? Essa pluralidade, tecnologia?
MP- Acho que sim, mas para livro não.

247- Por quê?
MP- Porque não. Olha, outro dia eu estava na casa do Fernando Morais, que é forrada de livros. Aí, ele apontou para o iPad dele...

247- Ele tem um iPad?
MP- Eu também tenho! (risos) Acho sensacional para várias coisas, dicionários, enciclopédias etc. Mas então, estava conversando com o Fernando e ele me disse que daqui quatro anos, tudo vai estar no iPad. Aí eu falei: legal, Fernando, mas quando você for ao banheiro e isso cair na privada? Onde vão parar os milhares de arquivos? Na merda!

247- Mas o fato de você ter um iPad mostra que gosta de tecnologia e você até mesmo disse o quanto ele facilita sua vida.
MP- Sim, eu acho o iPad ótimo. Por exemplo, eu acompanho vários campeonatos de futebol. Então, ligo a TV e ligo o iPad. A cada novo gol, o tablet já atualiza a tabela, automaticamente. Também estou lendo um livro em espanhol, então, quando vou ler, deixo o iPad do meu lado, porque aí não tenho que levantar e pegar no dicionário na estante.

247- Então, isso não é positivo? Um avanço?
MP- Eu acho, mas para livro não. Livro tem que ter cheiro. A folha do livro no iPad não faz barulho. O eBook é um natimorto. Pode me ligar daqui cinco anos...

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