Rock Brasília na veia

O documentário de Vladimir Carvalho percorre os passos da garotada entediada no Planalto Central, com a opressão sem limite da ditadura e que buscou na música a válvula de escape para nortear seus sonhos e anseios



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Brasília respira rock. Nessas veias, vias e traços desenhados por Oscar Niemeyer, o gênero que imortalizou a figura de Elvis Presley, dos Beatles e dos Sex Pistols ajudou a construir a trajetória de uma turma que deu identidade ao rock brasileiro por meio de canções, letras e comportamento bem singulares. Eram os meninos da Colina, filhos de diplomatas, embaixadores, funcionários do alto escalão do governo e professores da UnB que um dia desdenharam um futuro promissor nas altas esferas do poder para abraçarem aquilo em que eles acreditaram, de fato: a música.

Essa história foi bem contada pelo brilhante jornalista Carlos Marcelo no seu livro Renato Russo – O Filho da Revolução. E só poderia ser retratada nas telas de cinema por ninguém menos que Vladimir Carvalho, que emocionou o público na noite de 26 de setembro, com exibição na Sala Villa-Lobos, do documentário Rock Brasília – Era de Ouro. O filme marcou a abertura da 44ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Como era de se esperar, foi uma comoção geral, uma catarse emocional, abundantemente visceral. Há muito tempo que o Festival de Brasília não demonstrava tamanha empolgação diante de uma projeção. De uma simplicidade ululante, a narrativa percorre os passos dessa garotada entediada com a falta do que fazer no Planalto Central, com a opressão sem limite da ditadura e que buscou na música a válvula de escape para nortear seus sonhos e anseios.

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A riqueza e preciosidade dos depoimentos são poderosas, mas as imagens arquivadas por mais de 20 anos pelo mestre Vladimir são impactantes. São elas que dão a grandeza e importância do filme, como as passagens perturbadoras do fatídico show da Legião Urbana no extinto estádio Mané Garrincha. Você pode até ter visto algumas cenas da famosa apresentação em algum lugar, mas nunca de forma tão visceral e reveladora como em Rock Brasília – Era de Ouro.

Com veia jornalística, o diretor registrou passo a passo a queda de braço do ídolo Renato Russo com o público irascível e o caos em que se transformou a passagem da banda pela cidade, em 1988, com gente massacrada, estraçalhada nas enfermarias. "Não queremos saber deles nunca mais", brada um fã inconsolável.

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Em outro momento emocionante e igualmente revelador, Dinho Ouro-Preto conta como a morte de Renato Russo ressuscitou o Capital Inicial, hoje uma das bandas mais importantes do rock nacional e herdeira do legado deixado pela Legião Urbana.

Há quem diga que o filme seja longo demais. E é mesmo, mas nem dá para notar tal detalhe porque a narrativa envolve de tal maneira que, quando a fita termina, a gente diz: "Ué, mas já acabou?!" Outros podem reclamar que Vladimir tenha se perdido ou mesmo traído suas origens cinematográficas em experimentalismo como a inclusão de trechos em animação e dramatizados por atores, mas e daí? Woody Allen não fez tudo isso e não entrou para história como gênio?

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Rock Brasília – Era de Ouro já vale por si só como testamento documental precioso de uma fase importante da história de Brasília. Brasília essa que Vladimir Carvalho mais uma vez estampa nas telas do cinema brasileiro porque, como desabafou ontem, no palco da Sala Villa-Lobos, ama demais.

Nós também, Vladimir!

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