Pina Bausch: bela e visceral, sua arte renasce em filme

Filme de Win Wenders uma homenagem coregrafa que morreu dois dias antes do incio das filmagens

Pina Bausch: bela e visceral, sua arte renasce em filme
Pina Bausch: bela e visceral, sua arte renasce em filme (Foto: Divulgação)


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Fernanda Melo, do Sul 21 - O filme Pina, de Wim Wenders, era para ser feito em parceria com Pina Bausch, que descobriu em si um câncer cinco dias antes das filmagens e morreu dois dias antes do início delas, em 30 de junho de 2009. Wenders desistiu imediatamente do projeto mas foi convencido pelos bailarinos da coreógrafa a ir em frente. Assim, Pina é, na verdade Ein film für Pina Bausch. A tradução do título para Pina, simplesmente Pina, no Brasil, é um empobrecimento do original: Um filme para Pina Bausch. Pois é isto mesmo, trata-se de um filme dedicado a Pina Bausch, uma homenagem. O resultado — que está em cartaz nas maiores capitais brasileiras — é excelente. O filme traz entrevistas com seus colaboradores e conta um pouco da trajetória da artista, mas, principalmente, permite que o público tenha a experiência de ver o seu trabalho. Foi filmado em 3D, o que finalmente dá sentido à existência dessa tecnologia. Pina já tinha experiência no cinema: atuou em La Nave Và (1983), de Fellini; colaborou com Almodóvar em Fale com ela (2002); foi tema de documentários, com destaque para Un jour Pina m’a demandé (Um dia Pina me perguntou), de Chantal Ackerman, e dirigiu um filme, o perturbador Die Klage der Kaiserin (O Lamento da Imperatriz, 1990).

 

O filme de Wenders é visceral. Mostra imagens de arquivo que trazem a bailarina em ação, dançando e dirigindo, enquanto seus colaboradores apresentam trechos de obras conhecidas de Pina, como A sagração da primavera (1975), Café Müller (1978) e outras. Além disso, há depoimentos dos bailarinos que surgem de forma inusual: com suas vozes em off, eles parecem atuar o que vão descrevendo. Assim, Wim Wenders demonstra brilhantemente um fato: eles sempre foram fundamentais, não apenas ao se exporem, mas também contribuindo com suas experiências na criação das coreografias. A partir de vivências particulares, Pina retirava o conteúdo meramente individual para levantar questões de significado sócio-político. A beleza não é, em si, o objetivo do seu trabalho. Corpos famintos, roupas sujas, grupos assustados – qualquer padrão estético pode ser deixado de lado em nome de uma reflexão, com a finalidade de causar maior impacto no público.

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Por outro lado, Pina Bausch possuía sólida formação clássica. Ela chegou a ser bailarina do New American Ballet e do Metropolitan Opera Ballet nos dois anos em que passou morando em Nova York. Era capaz de produzir Pas de deux belíssimos e movimentos de grande leveza. Quando necessário, colocava bailarinas em pontas e, pelo apuro técnico de suas coreografias – com giros, saltos e a perfeição das linhas –, percebemos o uso da técnica clássica.

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Uma radical de sólida formação clássica

A relação entre homens e mulheres é um dos temas recorrentes do seu trabalho, que muitos classificam como feminista. Vemos homens fortes que ajudam a carregar mulheres frágeis, mas também vemos homens fragilizados carregados por mulheres, alternância de papéis, mudanças no jogo de forças, brincadeiras onde os corpos masculino e feminino se misturam. Existe a discussão sobre opressão feminina e agressão masculina como parte de uma sociedade de valores agressivos, assim como existe o amor e a possibilidade de encontrar no outro um complemento.

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Cena do filme de Wenders: Love.

 

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Em sua formação, Pina teve grande influência da dança moderna e do Teatro de Dança através de seu professor Kurt Jooss, que tinha um trabalho de forte cunho social e foi perseguido pelo nazismo. Em suas raízes modernas, Pina tem a compreensão dos movimentos do corpo – cada corpo se move de uma maneira própria, que reflete a maneira de ser de cada um. Cada pessoa possui uma estrutura física, mas o corpo vai além: ele tem seu próprio fluxo, seus gestos característicos, uma maneira pessoal de se projetar no espaço. Esse conhecimento permite ao bailarino aumentar a qualidade de seu trabalho, ao mesmo tempo que alcança um maior conhecimento de si. Cada um dos bailarinos, num processo de conhecimento e auto-conhecimento, era reconhecido através de movimentos característicos, cores e músicas.

Diferentes bailarinos de Pina:

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O nome de Pina Bausch está hoje indissoluvelmente ligado ao Teatro de Dança de Wuppertal, companhia que fundou em 1973. Com mais de 30 produções, o Tanztheater Wuppertal está em plena atividade e os frutos do talento da coreógrafa ainda podem ser vistos. O grupo veio ao Brasil após a morte de Pina, no ano passado. A estabilidade (e a fidelidade) dos bailarinos dentro da companhia – hoje dirigida por Robert Sturm e Dominique Mercy — pode ser bem avaliada no filme de Wenders. É interessante notar como Bausch não desprezava seus bailarinos veteranos.

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Cena de Café Müller:

 

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A longevidade de Pina – agora nos referimos a sua longevidade em vida – permitiu que ela, ao longo de sua carreira, incorporasse o trabalho de várias correntes da dança; pouco a pouco sua linguagem se tornou mais contemporânea e cada vez mais teatral. A superação de limites técnicos e conceituais levou-a a influenciar e ser influenciada os coreógrafos do mundo inteiro. A vontade de levar o público a posturas e reflexões diferentes, nem que para isso fosse preciso apelar para uma linguagem radical, coloca o trabalho de Pina próximo à proposta teatral de Bertolt Brecht (1898-1956), por procurar impactar o público com narrações que só se fazem sentido no palco: na atitude dos atores-bailarinos, no cenário, na música, nos sons e até nos silêncios. Ela preferia suscitar indignação e protesto a criar histórias meramente bonitas. Nas suas próprias palavras: “Fazemos assim por acreditarmos que seja a maneira certa. Não estamos aqui apenas para agradar, devemos desafiar o espectador”.

 

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