Negra Jhô: “desde criança eu sonhava em ser uma mulher negra respeitada”

Multiartista baiana esteve no programa Um Tom de resistência, na TV 247, com a historiadora Melina de Lima, neta de Lélia Gonzalez

Negra Jhô
Negra Jhô (Foto: Divulgação)


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Por Ricardo Nêggo Tom - Muito se ouve falar em empoderamento feminino nos últimos anos. O termo está relacionado a uma tomada de consciência coletiva por parte das mulheres, no sentido do combate ao machismo imposto pela sociedade e na luta por igualdade de gênero. Porém, quando falamos de mulheres negras, essa luta por igualdade e respeito requer ainda mais resistência. Nesse caso, o conceito de mulherismo africana, criado pela educadora norte-americana Clenora Hudson, funciona como uma ideologia de empoderamento voltada para as mulheres afrodescendentes e baseada unicamente na cultura africana e no afrocentrismo, concentrando-se nas lutas, nas experiências e nas necessidades e desejos dessas mulheres. 

A historiadora Melina de Lima, que esteve no programa Um Tom de resistência, na TV 247 (assista abaixo), explica que “o mulherismo africana entende as violências sofridas pelo povo preto, primeiramente, pela questão da raça. Cor, cabelo, biótipo e traços étnicos. É um movimento que entende que a nossa raça chega primeiro. Por mais que haja diferença de gênero, a mulher preta está muito mais próxima do homem preto, do que da mulher branca. Isso, para nós compreendermos as dores do racismo e nos enxergarmos na pirâmide social. Um pouco diferente do feminismo negro, que está relacionado exclusivamente com as questões de gênero, da mulher, especificamente, a mulher negra, observando a interseccionalidade e todo o pluralismo envolvido no processo”.

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Neta da também historiadora Lélia Gonzalez, uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado e um dos principais nomes do ativismo feminista e racial no Brasil, Melina lembra que o conceito de mulherismo africana também abrange outros aspectos. “Tem também a questão do pan-africanismo, da afrocentricidade, do matriarcado, da importância da mulher negra como mãe e pilar da nossa comunidade e da nossa luta. Aborda ainda a necessidade de união entre os povos africanos e o ter orgulho do nosso afrocentrismo. No Brasil, existem poucos debates sobre o conceito de mulherismo africana e o feminismo negro, só agora, está chegando com mais força. Eu até costumo falar que a minha avó começou a ter esse reconhecimento e voltou a ser lembrada nesses últimos anos. Ela faleceu em 1994, há 28 anos, e tem dois ou três anos que o seu nome voltou a ter força para o feminismo. Já que no movimento negro, ela sempre foi vista como uma potência e como uma necessidade. O feminismo, por exemplo, precisou ouvir a Angela Davis, que é uma grande feminista negra norte americana, falar de Lélia Gonzalez para as mulheres brancas brasileiras começarem a enxerga-la. É a tal da síndrome de “vira-lata”, onde valorizamos mais o que vem de fora. E a própria Angela Davis recomendou que as mulheres lessem Lélia Gonzalez e se espelhassem nessa mulher negra brasileira que valorizou e teorizou a luta de todas”.

A força expressiva de Negra Jhô, multiartista baiana que através do seu trabalho resgata e exalta a cultura africana, sem dúvida, incorpora os conceitos do mulherismo africana e do feminismo negro de Lélia Gonzalez. Premiada com o título de Doutora Honoris Causa, pela Ordem dos Capelães do Brasil, em função do seu trabalho de valorização da cultura, da arte e da religiosidade negra, ela avalia que “esse prêmio foi o caminhar do fortalecimento da nossa ancestralidade e dos nossos valores. Nós (negros) merecemos esse prêmio e outros prêmios que virão para nós. Lembrando do que representaram uma Lélia Gonzalez, uma Mãe Stella, uma Makota Valdina, eu mereço esse prêmio. É um prêmio que veio sobre a minha caminhada ancestral e a minha religiosidade. Juntos podemos sempre mais. Eu me senti muito feliz e sei que esse prêmio representou muitas mulheres e homens negros, porque quando conseguimos essa representatividade, temos que aplaudir e acreditar que juntos seremos mais fortes. Nesse caminhar de cultura, religiosidade, irmandade e família, temos que caminhar e não fechar a porta. Ela deve ficar encostada, porque outros prêmios virão. Não só para mim, mas para toda a comunidade negra”.

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O trabalho de Negra Jhô é um grito de empoderamento da cultura africana, com foco na autoestima da mulher negra. Ela é um dos maiores nomes do Brasil na arte das tranças, torços e turbantes. Filha de Ogum com Iansã, Negra Jhô encarna o papel de mulher guerreira, um sonho que, segundo ela, vem dos tempos em que era uma criança pouco valorizada na própria família. “Eu comecei a trabalhar os meus valores e minha autoestima, ainda era criança. Eu era discriminada dentro de casa pela minha família, pelos meus vizinhos e pelos meus amigos, que chamavam de ‘menina feia do cabelo duro’, ‘do narizão’, nunca me valorizaram como uma grande guerreira, uma grande rainha. E eu peguei essas falas negativas deles, e as transformei em nobrezas. Comecei cuidando do cabelo de irmãs e de vizinhas, no quintal de casa, onde eu trabalhava a nossa autoestima através das nossas vestes, das nossas indumentárias, com a nossa maquiagem, dizendo a elas que podemos vestir a cor que a gente quiser e usar o nosso cabelo como a gente quiser. Eu sempre procurei cultuar o que estava dentro de mim, porque, desde criança, eu sonhava em ser uma mulher negra respeitada. Quando pequena, eu já dizia para mim mesmo que um dia eu me vestiria diferente, para que o povo me encontrasse no meio da multidão.”

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