“Na tela da TV, no meio desse povo...”

Foram pagos R$ 3,6 milhões à Mangueira, mas em Cuiabá não temos sequer um teatro. É cultura para inglês ver



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O desfile da Mangueira foi lindo. Ponto. Alegorias ricas em detalhes e fantasias de encher os olhos. O samba-enredo, que pifiamente falava de Cuiabá, foi sobreposto pela beleza eufórica das plumas e das lantejoulas. E nós, cuiabanos, pudemos ver tudo isso pela televisão, sim, pela televisão!

A prefeitura espalhou, em pontos estratégicos, telões para que a população pudesse acompanhar o desfile. Isso mesmo. Porto, CPA, Pedra 90, Mandioca, ao invés do tradicional Carnaval, foram agraciados com telões, onde puderam assistir com o atraso de uma hora, pelo fuso horário, o desfile em homenagem a Cuiabá.

Pouco a pouco, pessoas iam se ajuntando como podiam em frente ao telão, presente da prefeitura. O desfile ia começar. Na tela, à distância, o povo pôde assistir ao desfile. Alas cheias de pacus, florestas, noivas cadáveres, jequitibás... Ao se projetar na tela, bastava-se forçar um pouco a imaginação para criar uma identificação com o que estava sendo transmitido. Eis o poder da televisão: reduzir e amplificar. Reduzir nossa cultura e amplificar sua projeção. Éramos notícia nacional!

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O simbolismo do telão nas praças pode ser considerado como uma metáfora do cenário cultural de Cuiabá. Um cenário onde se investe R$ 3,6 milhões na compra de uma "homenagem" feita por uma escola de samba do Rio de Janeiro, enquanto não temos um teatro municipal, um centro cultural em atividade, nada. É cultura para inglês ver. A elite política quer "teles" da cultura, quer distância. Transformou-se público em massa e massa em telespectadores.

Aquilo que se via na televisão, era nossa cultura de fato? A preguiça criativa da Mangueira em representar a cultura cuiabana é justificada pela referência bibliográfica da escola de samba: o livro "Esperando o Trem" do professor Fernando Borges, que fala sobre a construção da ferrovia que passaria por Cuiabá e de um trem que traria progresso e modernidade. Um trem que nunca chegou. Um ótimo livro, mas que não serve como única fonte de inspiração ao se tratar de uma cultura tão diversificada, como é a cuiabana. Além de que, como no próprio livro diz, ao qual tive a honra de ser presenteado com um exemplar pelo autor, o desejo do trem estava na visão de mundo das pessoas letradas da cidade e que estes poderiam ser raros. O livro ainda faz referência à obra de Samuel Beckett, "À espera de Godot", onde os personagens falam sobre trivialidades para não demonstrarem a tensão da espera de Godot (Deus), que também nunca chega.

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Ainda me é um mistério saber quem foram os agraciados, convidados a preencher os camarotes da escola no Rio de Janeiro. Regados a champanhe e caviar, pagos com nosso suado dinheiro de impostos, enquanto estávamos em pé nas praças, assistindo tudo à distância. Inertes, irresolutos. Cadê Jejé? Cadê Maria Taquara? Liu Arruda? Zé Bolo Flor? Quanta coisa dava pra fazer com esse dinheiro aqui em Cuiabá. Cinema, teatro, dança, música, artes plásticas...

Ainda estamos esperando o trem. E, assim como aludido no livro, conversamos sobre trivialidades para aliviar nossas tensões dessa espera. Mangueira, Copa... São essas nossas trivialidades para nos livrar da agonia de algo que nunca chega.

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Sei que este artigo, diferentemente do livro do professor Fernando Borges, tem pouco valor histórico, uma vez que falo do agora e, por isso, me é impossível o distanciamento necessário. Tampouco é essa minha intenção. Quero falar de urgências. Não quero distância, não quero teleconferências. Quero mudanças, que podem e devem ser feitas já. Faço parte dessa parcela da população que não foi à Sapucaí. Pertenço ao grupo dos que assistiram tudo pelo telão. Estou incluído nessa maioria que tem pressa de viver e nem por isso deixa de sonhar.

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