Medo e angústia

Ozzy adotou a indumentária das trevas porque sabe que a humanidade tem a necessidade de sentir pavor



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Cada época cria a ideologia de que tem necessidade. Em sua biografia, Ozzy Osborne nota: sua banda Black Sabbath ensaiava, nos primórdios, ao lado de um cinema, na periferia de Londres. Que lotava tão somente quando exibiam filmes do mais arrevesado terror. Foi assim que o Black Sabbath passou a adotar a indumentária das trevas. Ozzy começou a ganhar muito dinheiro porque, refere, “as pessoas tem necessidade de sentir medo: e pagam por isso”.

Martin Heidegger, 40 anos antes, ia por um caminho semelhante. Diferenciava o medo da angústia. Para ele, o medo se assenta sobre um objeto. A angústia repousa no nada. As pessoas pagam o que for, os diabos, para saírem do estado de angústia, e irem para o de medo. Tecnicamente, busca-se um bode expiatório sobre o qual purgam-se os males. “Bruxa de Blair” fez tanto sucesso porque explorava a angústia, o nada, talvez pela primeira vez em Hollywood: aquilo a que Freud chamava de objeto fóbico não era mais um tubarão, um Jason: era o nada, o vento, a natureza (de resto, a palavra pânico vem de “pan”, o medo primevo da natureza).

Ditadores erigem seus discursos apontando bodes expiatórios palpáveis. “Não falamos para dizer algo, mas apenas para produzir algum efeito”, notava oi ministro da propaganda de Hitler. Essa cousa chamada ser humano gosta de quem lhe aponta o bode a ser culpado, o que nos dá uma consciência de palpabilidade. Medo sem cara não serve. Le Bon, Freud, Wilhelm Reich, Elias Canetti e Ortrega Y Gasset falaram a mesma cousa com 15 anos de espaço: o povo se reúne e apóia o líder que lhe mostra o objeto sobre o qual purgaremos nossos medos.

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A tese de doutorado do jornalista Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, escrita há tantos anos, diz melhor, e mais. Indica que, em épocas de crise, o cinema atrai o populacho purgando-lhe os medos reais com medos imaginários ainda mais terríveis. Foi depois da crise da Primeira Guerra Mundial que a República de Weimar produziu o clima para Nosferatu, para Fritz Lang, e para os terrores e monstruosidades em preto e branco de Murnau. Os monstros clássicos do cinema japonês, Gargula, Monstro da Bomba H, Godzilla, vieram depois de Hiroshima e Nagasaki. A crise do Petróleo de 73 gerou a primeira filmagem do Destino do Poseidon, Tubarão e Inferno na Torre, a partir de 1975. O medo da virada do milênio, de 2000 para 2001, nos trouxe Mar em Fúria e Independence Day. Hollywood também buscou outros panegíricos: quando a autoridade federal entra em crise nos EUA, a partir de 1973, com o caso Watergate, a indústria de cinema gringo convida as minorias a serem, nas telinhas, heróis federais: o tira grego Kojak, o tira negro Shaft, e os tiras italianos Columbo e Serpico.

Há uma forma boa de se ganhar dinheiro com isso: escolha um inimigo, invada seu país, escoe a sua produção encalhada. Satanize o inimigo e gere lucro.Vejamos a obra Le bonheur economique, de Francois-Xavier Chevallier (Albin Michel, 1998, Paris). Ele nos conta coisas nada animadoras, com base nas teorias dos "ciclos", do economista russo Kondratieff. Para o economista, avanço tecnológico e redução de tempo de produção resultam guerras e instabilidades bem localizadas – para lastrear a produção encalhada pela redução de seu tempo de manufatura. Nessa visão, a Revolução Industrial teria gerado, a partir de 1783, e seguindo o economista, o crack na Bolsa de Londres e a Revolução de 1830. A introdução da química do ferro, a partir de 1837, deu empuxo à Revolução de 1848, à Guerra de Secessão nos EUA e ao crack de Viena. A química pesada, no início do século, teria potencializado e gerado a Primeira Guerra Mundial, o crack de 1929 em Nova York e a Revolução de 1930, no Brasil.

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Quando invadiu-se o Kossovo, em abril de 1999, para tirar-se da mídia o escândalo Monica Lewinski (a tese e do brilhante jornalista Phillip Knightley, autor de First Casualty), a então secretaria de estado dos EUA, Madeleine Allbrigth, comemorou que a antiga Iugoslavia seria um ótimo mercado para se escoar a produção dos EUA...Hosni Mubarak e Muamar Khadaffi serviram aos EUA dentro daquela ótica pela qual o ex-presidente Roosevelt definia o ditador nicaraguense como “um filho da puta, mas o nosso filho da puta”.

Quem será o novo personagem de quem os EUA tirarão o seu apoio, em troca de escoarem os encalhes, agora os gerados pela crise da bolha imobiliária de dois anos atrás. A bolsa de satanizções está com apostas em alta. E, por falar nisso, assista Invasão do Mundo, a Batalha de Los Angeles, que ele promete um medo mais estilizado do que o vazamento nuclear japonês.

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