Forró de plástico

Chico César solta o verbo e abre caminho para a discussão sobre a indústria cultural das atuais bandas de forró do Nordeste – e sobre a influência do jabá no seu sucesso



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Estava eu na cidade de São Paulo, em 2005, quando surgiu, durante uma palestra sobre o mercado fonográfico com o querido Ronaldo Lemos, representante do Creative Commons no Brasil, em meio à exposição de exemplos bem sucedidos da música independente, uma explanação sobre o quão sofisticada era a maneira de trabalhar das bandas de forró do Nordeste. Começava aí um dos grandes equívocos da música brasileira.

Para iniciarmos este assunto, vale ressaltar que nem sei até que ponto podemos chamar de “forró” essas manifestações musicais. Uma vez que os elementos que caracterizaram o ritmo ao longo da nossa história, na maioria dessas produções, inexistem ou são totalmente coadjuvantes. É o caso da sanfona, do triângulo, do pandeiro, do zabumba e, principalmente, dos elementos culturais tão singulares da região Nordeste que permeavam com sintaxe ímpar as letras das canções.

Outra coisa que queria deixar bem clara é que não tenho nada contra nenhum tipo de produção musical. O que acho injusto é quando há a exclusão de uma grande maioria de bons artistas em detrimento de uma indústria, como é o caso que vou tentar esclarecer aqui.

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Meus queridos leitores, a manifestação cultural do atual forró nordestino é uma falácia. Não existe essa manifestação. Existe uma indústria bem montada, que aprendeu direitinho a lição do jabá e do jogo de influência. Então, sugiro que tirem as crianças da sala para os casos que vou contar.

Um grande número de rádios comunitárias se instalaram no interior do Nordeste nos últimos anos. O problema é que de comunitárias muitas dessas rádios não têm nada. Uma vez que uma grande parcela foi concebida por políticos para seus fins eleitoreiros. Nestas, é comum a prática de escandalosos contratos com “bandas de forró” para garantir a execução das suas músicas. O mesmo acontece com as rádios oficiais que, não custa lembrar, funcionam com uma concessão pública. Essa prática também se estende às tvs locais de várias grandes cidades da região.

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A outra parte da história pode parecer piada, mas Freud explica. Uma ação encabeçada pelos chamados “paus pequenos” – como são identificados pelos que os repudiam – divulga essas produções em grandes equipamentos de som, conhecidos popularmente como “paredões”. Nesse caso, as músicas, em geral, fazem apologia ao comportamento machista e ao consumo desmedido de álcool, tudo para combinar com a personalidade dos atores que tentam chamar a atenção das pessoas ligando seus sons no último volume, a qualquer hora, em qualquer lugar e dançando bêbados e imbecis na carroceria de suas pick-ups. Para “quem” e o “que” eles querem provar? Não me perguntem. Porém, agem como verdadeiros soldados do exército do mau gosto e da falta de respeito.

Diante de toda essa presença nos meios de comunicação existe para o restante do país uma falsa impressão de que tudo é um belíssimo movimento espontâneo cultural. Uma mentira. A indústria que existe em torno dessas bandas é bem articulada e excludente.

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Recentemente, o secretário da cultura do Estado da Paraíba, o cantor e compositor Chico César, causou grande polêmica ao afirmar que o governo não contrataria as bandas de “forró de plástico” para tocar nas tradicionais festas juninas do estado. O secretário explicou em várias entrevistas que artistas locais da cultura paraibana já eram excluídos por essa mesma indústria o ano inteiro, lembrando que as rádios muitas vezes não cumpriam com seu papel social, mesmo tendo uma concessão pública. Afirmando ainda que essas bandas de forró já se beneficiam do próprio mercado, não necessitando de apoio governamental. Chico esclareceu ainda que nomes como Mestre Fuba, Vital Farias, Biliu de Campina e outros grandes artistas paraibanos, ficam totalmente fora de todas as programações. “A gente precisa trazer poder para esses artistas nas nossas festas, valorizá-los, e precisamos trazer poder também para os grupos de cultura popular”, afirmou o secretário, enfatizando que muitos desses músicos são tratados como se fossem “qualquer coisa” quando, na verdade, são gênios da nossa música.

Diante da polêmica, gerada obviamente por aqueles que têm interesses extremamente comerciais nos eventos paraibanos e nordestinos, vários artistas se manifestaram em favor de Chico César. Nomes como Alceu Valença, Arleno Farias, Chrystal e Zeca Baleiro declararam apoio pela internet ao artista e secretário.

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Aqui no Ceará cresci vendo acontecer exatamente o mesmo processo. Artistas locais sendo sempre desvalorizados em detrimento de projetos forjados com jabás e mídias televisivas. Eventos como o famoso “Férias no Ceará” gastam uma quantidade exorbitante do dinheiro público com bandas que vêm do sudeste do país, enquanto os artistas cearenses são escalados para abrir seus shows, muitas vezes covers das mesmas bandas que tocarão depois deles.

Sendo eu um conhecedor não passivo de todo esse descaso e enquanto artista e produtor cultural brasileiro, resolvi, após falar com o próprio Chico, também declarar publicamente meu apoio ao cantor, compositor e secretário da cultura. Não se trata de protecionismo ou de preconceito, trata-se de responsabilidade cultural e compromisso com a memória, difusão e produção cultural brasileira.

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Parabéns ao Estado da Paraíba. Nosso Brasil precisa de mais secretários da cultura com coragem de fazer o que tem que ser feito e, principalmente, de enfrentar as turbulências que essas transformações podem provocar.

Khalil Gibran é cantor e compositor

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