Fernanda Machado: “sociedade faz com que a cultura negra ainda fique invisível”

À TV 247, a neta de Mestre Bimba, um dos criadores da capoeira moderna no Brasil, falou sobre ancestralidade, resgate cultural, racismo religioso e empoderamento da mulher preta

Samba de roda em Belo Horizonte
Samba de roda em Belo Horizonte (Foto: Reprodução)


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Por Nêggo Tom, 247 - O resgate ancestral da cultura negra através da capoeira e do samba de roda esteve na pauta do programa “Um Tom de resistência” na TV 247. A ativista cultural Fernanda Machado, uma das fundadoras do grupo “Sambadeira de Bimba – Filhas de Biloca”, falou sobre a resistência da cultura negra frente ao epistemicídio imposto pelo sistema e sobre empoderamento das mulheres negras através da liturgia ancestral presente no trabalho do grupo. “O coletivo nasceu 2010, seguindo um formato de organização cultural, com as apresentações de samba de roda, o afoxé, o candomblé, a dança dos orixás, a culinária baiana, com o tabuleiro de acarajé tradicional e a capoeira. Um formato que minha mãe já trabalhava com o meu avô, desde os 12 anos de idade”, explica ela. Falando sobre a atuação das mulheres de sua família nos movimentos culturais afro-brasileiros, Fernanda levanta a questão do machismo na capoeira, que faz com que os homens tenham mais visibilidade do que as mulheres que praticam o esporte. “As mulheres da família Mestre Bimba, todas elas tocam, jogam, cantam, fazem capoeira, mas nenhuma delas nunca teve a mesma visibilidade que os homens. Então, vimos a necessidade de dar evidência ao trabalho de Dona Biloca e batizamos o coletivo com o seu nome”.

Fernanda Machado critica a dificuldade imposta à negritude para visibilizar a sua cultura, seus conhecimentos e seus saberes e reivindica o protagonismo da mulher negra no cenário cultural. Ela pontua que, “sendo uma mulher preta, de comunidade, de matriz africana e com um diálogo de mulher preta, fica mais difícil você reafirmar o seu trabalho”, e exalta a “força do berço afro-brasileiro”, como fonte de resistência da população preta. Ela ainda ressalta a união dos gêneros dentro da cultura africana, como um dos pilares da tradição ancestral. “No candomblé, por exemplo, não falamos sobre recorte de gênero. Somos todos irmãos, não tem essa necessidade de identificar quem é homem e quem é mulher, porque na cultura preta não brigamos por lugar e nem por espaço. Todos já temos o nosso lugar e o nosso espaço. Mesmo a sociedade fazendo com que nossa cultura ainda fique invisível. Minha mãe morreu invisibilizada e sem o devido reconhecimento, mesmo tendo colocado faixa de capoeira na cintura de muitos, no Brasil e até no exterior. Ela deixou um legado enorme, construiu muitas pessoas, deu nome à muita gente. E mais uma vez, vemos a crueldade do recorte racial e de gênero, ignorando o trabalho de uma mulher preta, mestra, griot, que produziu tanto para a capoeira e para sociedade”.

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Iarobá no candomblé, que é a pessoa que tem um cargo dentro da religião, mas não incorpora nenhum orixá, Fernanda pegou como fio condutor o enredo da escola de samba Acadêmicos do Grande Rio, que levou a história do orixá Exu para a avenida, e falou sobre o racismo religioso que costuma classificar as religiões de matriz africana como algo do “mal” e diabólico. Uma narrativa ainda hoje absorvida por muitos, a partir de uma ideia de demonização de outras culturas, principalmente, a africana, concebida pela colonização europeia, cujo objetivo principal era estabelecer uma dominação cultural e religiosa em todo o mundo. “Não só o enredo da Grande Rio, mas também os enredos de outras escolas que dialogaram com a cultura preta, foram importantes para mostrar o que Exu representa para nós de matriz africana. Principalmente, quando nascemos e somos criados dentro de uma sociedade patriarcal, cristã e branca, onde o poder de decisão está nas mãos de pessoas que nunca pisaram numa senzala ou numa comunidade e nunca dialogaram com a cultura preta. Como o nosso carnaval é global e chega em vários outros lugares do mundo, foi grandiosa a forma como Exu foi retratado, corrigindo essa demonização imposta a ele e a nossa religião. O demônio que também é uma criação da branquitude para manter as pessoas aprisionadas no medo por estarem cometendo algum pecado”.

Voltando à questão da representatividade feminina através da capoeira, Fernanda Machado reconhece que as mulheres ganharam mais espaço, mas ainda estão “silenciadas” dentro do segmento. “O patriarcado ainda fala muito alto na capoeira. Nós mulheres ainda encontramos muita dificuldade para dialogar com os homens, em chegar à mestria, de chegar a um patamar de equidade com os homens. O patriarcado adoece tanto o lado feminino, como o masculino. Quando a mulher é engessada por esse sistema, é porque ele tem medo da potência feminina. Temos milhares de mulheres que tocam, jogam, cantam, seguram a roda, organizam eventos e que são tão potências quanto os homens. Eu vejo uma masculinidade frágil de alguns homens dentro da capoeira, ao tentarem calar essa potência feminina. Porque nós não estamos em busca de uma queda de braços, queremos apenas equidade. Você pode e eu também posso. Não é uma disputa por poder, é sobre um lugar de fala onde a mulher também é muito capaz de estar. Essa é a minha visão. E eu falo com uma mulher preta da cultura popular, que faz samba de roda e que está dentro da capoeira desde de criança, mas que não têm muito diálogo com os capoeiristas. Porque eu não admito que me digam que não sou capaz, apenas por ser mulher. E, com 40 anos de idade, posso dizer que já produzi para a capoeira muito mais do que muitos mestres que estão há anos no segmento”.

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