Entre o cinema e a realidade

Frustrações universitárias de quem se prepara para o próximo personagem: adulto



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

No Brasil, a Universidade está para um indivíduo de classe média/baixa como o Cinema está para artistas americanos – todos sonham, é difícil entrar e, uma vez tendo conseguido, isso não te garante absolutamente nenhum sucesso. Alegoria que converge a analogia e sustenta o argumento é a promessa dos filmes pastelões hollywooadianos de que a vida na faculdade poderia ser descrita facilmente pela seguinte equação: graduação = esporte aleatório em alto nível + alta possibilidade de sexo com ninfetas sedentas, na casa de um debilóide rico. Vale ressaltar, o esporte aleatório em alto nível pode ser igual a líderes de torcida (tal qual o fetiche que 96, 719% dos homens têm), caso trate-se de um pornô – e, assim sendo, encontramos o resultado: graduação = putaria no nível máximo. Evidente que esta expectativa, construída em sessões da tarde, telas quentes e Xvideos, não é lá muito verossímil.

Paremos de falar de sexo, porque o quanto você se fudeu pra passar no vestibular já foi o suficiente. Por conta disso, é possível que sua expectativa não seja (só) essa acima. Talvez você pense no seu futuro profissional, desenvolvimento intelectual e até no poder de agência política, compromissado em dar algum retorno à sociedade – afinal, são tão poucos os que chegam no nível superior. Então, supõe que se a universidade é o grande centro do conhecimento, onde os indivíduos têm um engajamento menos interesseiro e acomodado, encontrou o lugar certo para ser o que sempre quis.

Take 1: hora do trote. Nele, perceberá que é muito mais fácil conseguir dinheiro se você está pintado de tinta guache porque é calouro, do que se for um mendigo imundo precisando de esmolas para sobreviver – curioso que muita gente não dá as moedinhas no segundo caso com medo da pessoa usar em bebidas, sendo que o recém-universitário vai encher muito mais a cara.

continua após o anúncio

Ainda no desenvolvimento deste enredo, começarão a brotar churrascos, choppadas e convites a bares – na verdade, tratam-se de botecos sujos, mas cults. Até você, que não é lá muito de beber, vai se permitir tomar uma ou outra, embebido (por ora) de euforia. Mais tarde, beberá mais cerveja que água, cultivando carinhosamente uma pochete abaixo do umbigo É claro, você não gosta propriamente do saber da bebida, mas precisa desta coragem (ou desculpa?) líquida para fazer o que sóbrio é incapaz de tentar. Veja bem, não sou careta, é até possível que você me veja um dia segurando um copo numa birosca; só não venha com esse papo que cerveja é ruim no começo e depois melhora, porque cerveja tem gosto de apenas uma coisa: sociabilidade.

Nesses eventos, vai notar o óbvio. Os romances não viram musicais, as garotas não usam silicone e não existem futuras promessas do esporte nacional na tua turma. Se você for mulher, verá que o veterano super cool, cuja vestimenta é um uniforme de camisas listradas e violão nas costas, se vale deste papel para ficar com as calouras inocentes, uma vez que não pega ninguém fora do espaço mágico da universidade. Se for homem... bem, você vai se aproveitar disso, idiota que é – por sinal, fuma cigarro pra tirar onda de adulto, um dos poucos recursos que o Cinema não usa mais. Se você for da área de Humanas, provavelmente curte muito maracatu (sem necessariamente gostar de dança) e Chico Buarque (eu também, mas não sou retardado de achar que é música de churrasco), além de usar uma retórica prolixa (quase indiscernível) pra ganhar discussões estéreis e inócuas, afirmando sua pseudo-intelectualidade – toca aqui, sou de Ciências Sociais! E se você é das Exatas, provavelmente é alienado de todas discussões políticas, quer acabar a graduação o quanto antes pra entrar no mercado de trabalho e certamente ganhará mais do que eu.

continua após o anúncio

Mudemos o cenário. Agora estamos num debate. Não, não estamos. Não existe debate na faculdade, apenas seminários, porque quem organiza o evento é tão pouco isento (e não estou sendo ingênuo de esperar imparcialidade) que é inábil de colocar uma posição antagônica à sua numa mesa de discussão. Mas deixemos isso de lado, porque o protagonismo de simpósios, palestras, colóquios e coisas do gênero – que você se forma sem saber diferenciar – não está nos convidados internacionais ou estrelas do mundo acadêmico que só o seu curso conhece. O grande destaque reside nas intervenções de lunáticos avulsos, com as famigeradas e longas “colocações” delirantes que nada tem a ver com o tema, a não ser na mente esquizofrênica do indivíduo.

De que vive o Cinema Blockbuster? Mocinhos e heroísmos. O movimento estudantil, em geral uniformemente variado, se digladia na disputa de um bastião megalomaníaco. Tratam de todas mazelas do mundo, votam posições relativas à guerra na Palestina – mesmo morando no Piauí – e fazem muito pouco da prática. Na maioria dos casos, têm opinião formada sem nunca ler/estudar determinado assunto, apenas apregoando assertivas antagônicas aos caracteres estruturantes do modus vivendis hegemônico – tradução: usando uma metralhadora de conceitos que não dominam para pagarem de intelectuais. Parecem ver os centros e diretórios acadêmicos como um grande tabuleiro de WAR, na busca narcisista e infantilóide de conquistar a Comunicação, a área Médica e mais um curso à escolha.

continua após o anúncio

Close na vida real: eu sei, estou falando de estereótipos, mas, macacos me mordam (?), o cinema também não costuma tratar do cotidiano com verossimilhança. O fato é que a ficcionalidade da vida provoca expectativas que fatalmente serão frustradas. Muitos mudam mil vezes de curso, outros confundem gostar das disciplinas no fluxograma com a vocação pela respectiva carreira, tantos querem só zoação – e encontram à brasileira – e uns poucos têm um real compromisso com o querem para si e para o mundo, intervindo desde nas entidades nacionais até na micro-esfera que é a sala de aula, com colegas e professores.

Depois de toda a batalha para conseguir o canudo, o triste é perceber que por mais que sua visão de mundo tenha sido alargada, a maioria dos seus conhecidos que têm bom retorno financeiro são boçais, quando não indivíduos empreendedores que nem entraram na faculdade. É meio como fim de filme pornô: a vida tá gozando na sua cara.

continua após o anúncio

Com o fim da graduação, perde-se o tão querido status de universitário-garotão para o possível desespero de enquadrar-se entre os de-sem-pre-ga-dos. E, então, já com os créditos surgindo, é hora de preparar-se para o próximo personagem: um adulto. Luz, câmera, ação!

continua após o anúncio

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247