Elke Maravilha: “Silvio Santos é tão pobre que só tem dinheiro”
Nessa entrevista de 2013 ao jornalista Alex Solnik, publicada na "Gazeta Russa", Elke Maravilha, que morreu essa madrugada, no Rio de Janeiro, fala de sua relação com a Rússia, onde nasceu e onde seu pai foi considerado "traidor da pátria" e seu bisavô nadava em dinheiro. Ela também revela que seus conterrâneos vieram ao Brasil para estudar o fenômeno Chacrinha, com quem trabalhou. E por que rejeitou seguranças para fazer shows em Serra Pelada
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Por Alex Solnik, do 247 - Nessa entrevista de 2013, publicada na “Gazeta Russa”, Elke Maravilha, que morreu essa madrugada, no Rio de Janeiro, fala de sua relação com a Rússia, onde nasceu e onde seu pai foi considerado “traidor da pátria” e seu bisavô nadava em dinheiro. Ela também revela que seus conterrâneos vieram ao Brasil para estudar o fenômeno Chacrinha, com quem trabalhou. E porque rejeitou seguranças para fazer shows em Serra Pelada.
Você se chama Elke mesmo?
Meu nome é Elke Giorgevna Gronnup. Eu nasci no dia 22 de fevereiro de 1945 em Leningrado. Estavam caindo as últimas bombas da guerra. Da primeira infância eu tenho pouca memória, não me lembro nada, mas depois eu fui três vezes à Rússia. Da primeira vez, eu tinha 22 anos. Fui pra Moscou, depois São Petersburgo, eu fui pra vários lugares porque eu estava morando num carro... então eu fui de aldeia em aldeia, de cidade em cidade.
Você se identificou com os russos? Se sentiu em casa?
Normalmente eu me sinto em casa em todos os lugares. Eu gosto da Rússia, acho legal. Mas não é uma paixão. Eu estive lá duas vezes no alto comunismo e uma vez depois que caiu. Eu gostei. Eu gostei do povo porque é um povo transparente. Mesmo que ele seja mau ele não tem medo de mostrar o mau que ele é. Então, a gente sabe bem onde está pisando com ele. Ele não fica dando risada da tua cara e depois dá uma facada nas costas, não. Se ele quiser dar uma facada ele vem direto na tua frente. Nesse ponto eu acho legal. Se estão bravos, estão bravos. São muito amorosos. Dos povos brancos é o mais amoroso e também o mais bravo. É um povo sem filtro. E é bipolar. É legal porque não fica disfarçando nada, não. Eu não gosto de disfarces.
Quando você saiu de lá – aliás, saiu por que?
Meu pai era prisioneiro político na Sibéria. Ficou seis anos fazendo trabalhos forçados porque foi considerado traidor da pátria. Meu pai era idealista. Ele queria consertar o mundo. Em 1939, a Rússia já tinha anexado todos aqueles países da Cortina de Ferro. Polônia, Tchecoslováquia, Romênia...Quando a Rússia tentou anexar a Finlândia, meu pai e outros amigos foram para a Finlândia para serem guerrilheiros voluntários pela Finlândia. Ele foi contra o então regime russo, por isso foi considerado traidor da pátria. E a Finlândia ganhou essa guerra, não foi anexada. Quando saiu da prisão, ele encontrou minha mãe e eu na França, em Strasburgo. Foi preso pelos franceses de novo, iam repatriá-lo – ia ser a morte dele – mas aí ele conseguiu fugir de novo e falou: bom, na Europa eu não posso ficar. Três países recebiam imigrantes: Nova Zelândia, Canadá e Brasil. Graças aos deuses, ele escolheu o Brasil.
Vocês foram bem recebidos no Brasil?
Muito. Ao chegar, fomos despejados na Ilha das Flores, na Baía da Guanabara. Era uma ilha onde tinha quarentena para estrangeiros fazerem exames médicos. Só saía dali quem arrumava emprego. O meu avô saiu logo porque ele sabia construir aviões pequenos. E na época se construía aviões pequenos no aeroporto do Galeão. O meu pai escreveu para o jornal Brazil Herald, que circulava em inglês, dizendo que queria começar a vida no campo. E perguntava se alguém tinha uma roça pra ele cuidar. Então veio um senhor de Minas Gerais chamado Sr. Amintas de Moraes, de Itabira. Terra do ferro e de Carlos Drummond de Andrade. Ele falou: tem uma fazenda muito boa em Minas, mas ela está meio abandonada e tem um problema. Não sei se o senhor vai querer ir. “Qual é o problema?” “Lá só tem negro.” Meu pai falou: “Ótimo, seremos negros!”. E viramos negros. Foi ótimo. Foi um privilégio começar nossa vida no Brasil no meio de negros.
Teu sucesso no Brasil também se deve ao fato de ser russa?
Acho que não. Bem, claro que, com a bipolaridade, pode ser. Porque o russo é um povo que ri muito. É um povo que dança muito, que bebe muito e eu sou assim. Isso talvez ajude, sim. Mas tem o outro lado. O brasileiro não gosta de ouvir as verdades que o russo fala. E eu falo as verdades que o russo fala.
Eu li outro dia que você disse que “Silvio Santos é a pior pessoa do mundo”! Você falou isso mesmo?
Ah, sim. E é mesmo. (Gargalha.) Perguntaram pra mim: qual é a melhor pessoa do mundo? “Chacrinha”. E qual é a pior? “Silvio Santos”. Eu trabalhei com o pior e o melhor.
Mas por que ele é o pior?
Tem uma palavra em alemão que eu gosto muito. “Feingefühl”. Literalmente seria “sentimento fino”. Mas é muito mais. É uma daquelas palavras alemãs sobre as quais você pode fazer um compêndio. Engloba respeito, educação e muitas outras coisas. E é uma coisa que o Silvio Santos não tem. Ele já teve a cara de pau de comparar Jesus Cristo com Collor de Mello! Eu não sou judia, mas não comparo Moisés com Collor de Mello! Respeito é bom! Fainguefilt... e ali naquela convivência eu não vi respeito... aliás, Pedro de Lara tem uma frase que é ótima. Agora eu posso dizer porque o Pedro já morreu, na época em que ele era vivo, ele não falava. Mas agora ele morreu, tá tudo bem. Ele disse um dia, se referindo a Silvio Santos: “é, Elke, tem gente que é tão pobre, tão pobre, que só tem dinheiro”. Eu gostaria que essa frase fosse minha. Mas é do Pedro.
Por que teu talk-show na TV do Silvio Santos acabou de repente?
Eu não sei, porque eu também não pedi o programa. Me deram o programa e depois tiraram o programa. Nunca me deram uma satisfação. Eu já disse: não existe respeito ali. Enquanto estava dando audiência baixa, estava bom. No dia em que eu bati 20 de pico e 15 de média, tiraram. Fizeram isso com o Serginho Groissman também. Eu acho que aquela emissora tem problema com ibope...
No auge do sucesso você era muito paparicada?
Eu sempre fui muito assediada. Até hoje. Durante os 14 anos que trabalhei com Chacrinha vinha gente do mundo inteiro, inclusive da Rússia, estudar o fenômeno Chacrinha. Eu perguntei aos russos – e era comunismo na época – por que vocês vieram estudar o Chacrinha. “É que nós temos os melhores palhaços do mundo (quase todos os palhaços do Cirque Du Soleil são russos) e nós soubemos que tem esse palhaço no Brasil e nós sabemos que palhaço não dá certo na televisão, só em circo, então nós viemos estudar o Chacrinha porque o Chacrinha é um palhaço que deu certo em televisão”. Ele gostava muito de mim e eu muito dele. Eu não ganhava muita grana com ele, mas era uma ótima vitrine. Nunca tive tendências a ficar rica. A riqueza de dinheiro tem um preço. E esse preço eu não pago. Ninguém enriquece com trabalho. A última vez que eu estive na Rússia, já tinha caído o comunismo... o meu bisavô foi a pessoa mais rica da Rússia depois dos czares... ele era muito, muito rico, uma riqueza que não tem no Brasil. Banqueiro. Da noite para o dia ele perdeu tudo. Bem feito. Ficou louco, foi amarrado, e ficou em chagas até morrer. O sobrenome era Cerezniof. As pessoas me diziam: “Cerezniof? Você tem que pedir o dinheiro dele, agora que caiu o comunismo”. Eu falei: “Não, meu amor. Primeiro, porque é um dinheiro maldito e segundo: eu não fiz nada para ganhá-lo”.
Além de atuar como jurada de TV o que mais você faz?
Eu fiz vários shows em Serra Pelada, onde havia 140 mil homens. Quando eu fui ensaiar um dia eu cheguei lá e tinha oito caras com metralhadora para a minha segurança. Eu estranhei. Falei: “Eu não quero”. “Tem que ter. Você não sabe o que aconteceu com a Gretchen? Com a Rita Cadillac?” “Mas tem uma coisa: eu quando deixo um homem de pau duro eu dou pra ele. Eu não vou deixar ninguém de pau duro. O meu show é outro. Eu até vou sentar no colo de uma pessoa, mas não vou deixar ninguém de pau duro. Não se preocupem. Não vai acontecer nada”.
Você tem sorte no amor?
Eu tive muita sorte com meus amores, com meus maridos, maravilhosos, um foi complicado porque era psicopata, aí ficou perigoso, mas todos meus ex-maridos são meus amigos.
Por que você foi presa na ditadura?
Em 1971 eu fui presa no DOPS, perdi a cidadania brasileira (eu era naturalizada) e virei apátrida. Até hoje eu sou apátrida. Não porque eu seja de esquerda – eu não acredito em direita nem esquerda. Fui presa porque arranquei uns cartazes no aeroporto de “procura-se terroristas”.
Como foi seu encontro com Carlos Drummond de Andrade?
Uma vez, eu tinha 30 e poucos anos. Na Avenida Nossa Senhora de Copacabana eu dou de cara com Carlos Drummond de Andrade. Falo com ele? Não, não tenho coragem. Aí ele veio falar comigo. Ele me abraçou, me abraçou e falou: Elke, eu sou doido por você... (Quase caí de bunda, né? Imagina o Drummond dizer que é doido por mim.) Ele falou: pois é, você sabe que eu sou fechado, eu sou uma pessoa triste, taciturna. E quando estou bem triste eu ligo a televisão, te vejo, fico alegre, fico até feliz. Mas uma coisa eu não entendo: como é que você é desse jeito, e é de Itabira, de Minas Gerais.? Você é muito diferente da gente. “Por que eu sou alta e loira?” Ele falou: “Não é a imagem, é tua alma. Muito diferente. Nós, mineiros, somos fechados, somos taciturnos, ficamos em cima do muro e você é o oposto disso.” “Meu coração é mineiro, mas eu nasci em Leningrado.” E ele: “Ah, então não precisa dizer mais nada. Já entendi tudo.” Ele escreveu um poema chamado “Leningrado não caiu”.
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