Documentário Povo Preso mostra os impactos do golpe de 2016 e da prisão de Lula: sertão perde direito ao voto e à água

Durante gravação em 2018, a pequena proprietária de terra Dona Quitéria lembrava bem como era a realidade do sertão antes dos governos petistas (assista)

Dona Quitéria
Dona Quitéria (Foto: Reprodução)


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Por Carlos Fraga e Bruno Bravo, diretores do filme “Povo preso” - Em nossa viagem pelo interior do Nordeste em setembro de 2018 para registrar com nossas câmeras o sentimento das pessoas em relação à prisão e à interdição eleitoral do ex-presidente Lula, conseguimos entender uma das razões para o tamanho da angústia nos semblantes e nas vozes que encontramos. 

Naquele momento, depois de 1,3 milhão de cisternas entregues durante os governos petistas, que em 13 anos beneficiaram cerca de 5 milhões de pessoas, já eram sentidos os efeitos devastadores da seca, ressurgidos com a destruição do programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) iniciada por Temer após o golpe de 2016 e aprofundada pelo governo Bolsonaro.

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Andar quilômetros para levar uma ou duas latas de água suja para a casa era, até 2003, a rotina de grande parte da população dos 1.262 municípios de nove estados nordestinos que compõem o semiárido brasileiro. Naquele ano, o primeiro do governo Lula, o programa de cisternas da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), entidade pioneira no uso de cisternas no sertão, virou política pública e ganhou escala. 

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Segundo o Grupo de Avaliação de Políticas Públicas e Economia, do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Pernambuco (GAPPE/ PIME/ UFPE), a expansão de acesso à água potável entre 2000 e 2010, resultou na redução de 19% na mortalidade infantil, após dois anos do programa de cisternas, e de 69% após nove anos. 

Entre 2013 e 2017, 12,8% do semiárido brasileiro passou por um processo de desertificação, segundo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens e Satélites (Lapis), ligado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Nesse período, a região enfrentou uma das piores secas da história. Apesar disso, os efeitos mais graves foram evitados. Mortalidade infantil, fome e migração em massa, consequências automáticas e generalizadas de secas severas, dessa vez, não aconteceram. Dessa vez, havia um antídoto. 

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Essa obra de resultados gigantescos, estruturada pelo governo Lula e ampliada pela ex-presidenta Dilma Rousseff, contribuiu, ao lado de outras políticas, para tirar, em 2014, o Brasil do mapa da fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Não à toa recebeu, em 2017, o Prêmio Prata de Política para o Futuro (Future Policy Award, no original em inglês), promovido pela World Future Council em parceria com Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas (UNCCD).

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Em 2016 e 2017, as cisternas entregues ainda obedeciam a um cronograma estabelecido durante a gestão de Dilma. Em 2018, quando as dotações projetadas no último governo do PT terminaram, a sede e a fome voltaram a assombrar as populações que vivem em regiões de seca. 

Os recursos para matar a sede dos sertanejos e de suas pequenas criações de animais vêm sofrendo cortes cada vez maiores. Em 2020, já sob o governo Bolsonaro, a queda foi de 73% em relação a 2019.  Desde 2014, quando o governo Dilma investiu R$ 643 milhões e bateu recorde com a instalação de 149 mil cisternas, a redução foi de 94,5%.

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Bolsonaro destinou apenas R$ 183 milhões para o período de 2020 a 2023, uma média de R$ 45,7 milhões por ano. Mas como o descaso com a população pobre não tem limite nesse governo, nem o que foi previsto tem sido executado. O orçamento de 2021 reservou apenas R$ 32 milhões para o programa de cisternas. No entanto, até novembro, haviam sido empenhados somente R$ 496.447,00 decorrentes de emendas parlamentares, o que corresponde a 1,5% da dotação orçamentária.

As cisternas usam a superfície do telhado das casas para recolher a água da chuva e armazená-la. Elas também podem ser abastecidas por carros-pipa. Cada cisterna custa cerca de R$ 3 mil e pode armazenar até 52 mil litros de água, o suficiente para manter uma família de quatro pessoas com acesso à água durante oito meses. Repetindo: R$ 3 mil, 52 mil litros de água, quatro pessoas, oito meses.  

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Quando constatamos que com tão pouco recurso é possível garantir a vida de tantas famílias, fica difícil imaginar o que leva um governo a pôr fim a um programa como esse. A ousadia da maldade é a única explicação possível.  

O projeto neoliberal que, para voltar a ser posto em prática em sua radicalidade, precisou de um golpe de estado e da prisão política do maior líder popular do Brasil, é capaz disso. Desviar todo tipo de recurso para o sistema financeiro por meio da redução drástica do orçamento para políticas públicas. O neoliberalismo tira comida e água da mesa do povo para colocar caviar “Almas” Beluga na mesa do banqueiro.

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Em nossa viagem para realizar o documentário Povo Preso, encontramos Dona Quitéria. Em 2018, a pequena proprietária de terra lembrava bem como era a realidade do sertão antes dos governos petistas. 

Depois de andar alguns quilômetros diariamente debaixo de sol para levar um latão de água para casa, Dona Quitéria separava um pouco para beber e fazer comida. Com o que sobrava dava banho em um de seus dois filhos (assista abaixo). O outro era lavado com a água suja do primeiro. E essa mesma água suja era doada para uma vizinha que tinha uma família maior.Dona Quitéria e seus filhos, já casados e com suas famílias, moravam no mesmo pedaço de terra quando os conhecemos. É possível que ainda estejam protegidos da estiagem, já que uma cisterna pode durar até 30 anos. Mas com a destruição de outras políticas que permitiam a convivência do sertanejo com a seca, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a sobrevivência é incerta. O PAA, criado por Lula em 2003, chegou a investir cerca de R$ 800 milhões por ano. Em 2021, contou com menos de R$ 50 milhões, segundo Tereza Campelo, ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Dilma.

Os governos do PT entregaram 200 mil cisternas a mais que a meta de um milhão prometida. Com o golpe que destitui Dilma e prendeu Lula, e com a destruição do Programa de Cisternas pelos governos Temer e Bolsonaro, ainda restam 350 mil famílias, ou 1,4 milhão de pessoas, sem condições de armazenar água no Nordeste brasileiro.

Vamos voltar ao semiárido e ao sertão de Pernambuco e da Paraíba para ver como estão as pessoas que conhecemos em 2018. Vamos também a outras regiões para conversar com as parcelas mais vulneráveis da população e saber como estão vivendo e vendo o Brasil de hoje. Queremos registrar como a destruição de programas como o das cisternas afetou suas vidas. E como estão se sentindo com a perspectiva de retorno de Lula a uma disputa eleitoral. 

Tentaremos entender ainda por que a população mais vulnerável é tão dependente de uma liderança política como Lula para sonhar com uma vida melhor. O que faltou para que essas pessoas pudessem se organizar para manter e aprofundar suas conquistas com outras formas de luta além do voto?

Estamos em busca de parceiros para continuar filmando pelo Brasil e contando essa história. 

O descaso e ódio ao povo que fizeram com que os efeitos da seca climática no Nordeste voltassem a maltratar o sertanejo são os mesmos que impuseram uma “seca” sem precedentes no campo da produção cultural. Da mesma forma que não há recursos para cisternas, não há recursos e incentivos para o teatro, a dança, os museus, o audiovisual, a preservação da nossa memória...  É um projeto amplo de destruição. Mas, com solidariedade e esperança, estamos resistindo. 

Conheça o projeto Povo Preso e apoie o financiamento para a segunda fase da filmagem.

Assista a um trecho do relato de Dona Quitéria no filme “Povo Preso” sobre a transformação vivida em Monteiro, na Paraíba, depois do programa de cisternas:

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