Diversidade cultural

A matança de ursos na China, a antropofagia indígena, os rodeios de peão, as touradas e a mutilação genital africana só existem ainda porque se escondem sob a pretensa diversidade cultural, perpetuando hábitos selvagens em pleno século 21



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Certa vez ouvi do jornalista Arnaldo Jabor uma constatação interessante. Dizia ele que a vida, quando ele era jovem, nos anos 1950, era mais simples de ser definida, compreendida e aceitada. Que hoje, com a profusão de tantas mídias e vozes gritando sem parar no mundo, a vida é dificílima de ser entendida. Com essa reflexão, concluí que o maior mal do século 21 talvez seja o relativismo. Em algum momento da história recente, a palavra relativismo se conectou fortemente à ideia de respeito à diversidade, o que se tornou algo perigosíssimo para a humanidade. Em prol deste tipo de relativismo, cometem-se atrocidades em diversas regiões do mundo, sem que haja uma devida punição. E aí surge o terceiro conceito que infelizmente se conectou também à ideia de relativismo e respeito à diversidade. O terceiro conceito é a tal diversidade cultural.

Tem se tornado um perigoso clichê a panfletagem a favor da diversidade cultural. De que se deve fazer tudo para preservar ao máximo as diferentes manifestações culturais, contra a terrível influência do American Way of Life ou dos hábitos eurocentristas. Mas por trás desta pretensa tolerância ao diferente, tem-se permitido atitudes ditas culturais que são, na verdade, um crime à humanidade ou ao planeta Terra. Vamos a alguns exemplos: em prol do respeito àmedicina tradicional e secular chinesa, ursos passam a vida enjaulados em cubículos, torturados para retirar sua bile, que na verdade vale uma fortuna no mercado internacional. O método de extração é tão cruel que ursos urram e mordem as mãos para que os chineses extraíam 7 mil quilos de bile por ano de 7 mil ursos confinados em centenas de fazendas, muitas delas do próprio governo chinês.

Deve-se respeitar a medicina tradicional chinesa? Evidentemente que não. Isso deveria ser um crime internacional, o problema é que não há órgão ou país que tenha coragem de enfrentar de fato a ditadura chinesa, pois isso reverterá em prejuízos diplomáticos e econômicos. Ainda para ficar na China, o mesmo acontece com osraríssimos tigres do sul, cujos órgãos sexuais são extraídos porque a crendice chinesa acredita que cura impotência. O mais curioso é que os órgãos internacionais de proteção da diversidade humana e animal fazem o mínimo na China quando comparado ao combate da mutilação genital feminina em algumas culturas africanas, algo também erroneamente ligado à cultura, que não deve ser respeitado, deve ser banido e considerado primitivo e prejudicial ao planeta.

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Mas para não ficar na confortável posição de criticar a "cultura" alheia, voltemos ao Brasil. Muito se fala sobre o desrespeito dos jesuítas e colonizadores europeus aos índios brasileiros no século 16 em diante. Mas nem tudo da cultura indígena deve ser tolerado. A antropofagia, por exemplo, não deve ser tolerada jamais. E deve, sim, ser considerado um ato de manifestação cultural primitiva. Pelo simples fato de que tal ato fere um direito universal básico do ser humano, o respeito à vida alheia – que vale também para as atrocidades animais da Ásia. Mas os falsos relativistas logo argumentariam que tais manifestações estão imbricadas na cultura e religião local, e que ceifá-las da comunidade seria desfigurar a cultura indígena. Ao que respondo: e daí? Todas as culturas devem estar sujeitas a serem alteradas por outras populações e crenças, nenhuma cultura deve ser estática ou alheia às mudanças do tempo. Por que preservar a cultura indígena de maneira intacta e manter aberta as influências à cultura do branco, do negro, do imigrante italiano, japonês etc.?

E antes que se diga que tais manifestações são inerentes a culturas primitivas, é bom lembrar que países culturalmente admiráveis, como a Espanha, são capazes de uma brutalidade inadmissível como as touradas. Considerar as touradas um esporte é tão covarde e primitivoquanto torturar ursos em extinção para extrair a bile. Mas ao contrário dos índios e da medicina chinesa, é praticamente impossível proibir as touradas, porque dentro e fora da Espanha há uma multidão de bilhões de seres humanos que cultuam cegamente qualquer manifestação cultural europeia, sem questionamentos ou ponderações – ou melhor, sem aquele bom e saudável relativismo. Nos Estados Unidos, México, Canadá, Austrália e no Brasil, outra manifestação pseudocultural intolerável são as festas de rodeios, como a de Barretos, no interior de São Paulo. Em prol do entretenimento e do esporte, tortura-se touros para que eles pulem e tentem derrubar o peão. Quanto mais o peão fica em cima do touro, mais o bicho sofre de dor.

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Alguns anos atrás, a cantora Rita Lee foi ameaçada por grupos de rodeios ao criticar a tortura animal nestas festas. Ou seja, além de torturarem animais, estes eventos ainda ameaçam a vida humana. O pernicioso relativismo cultural também ataca a gastronomia. Em prol da cultura gastronômica local, diversos animais são mortos de maneira torturante e – para frisar – de maneira absolutamente desnecessária. Não há crítico gastronômico que me convença que jogar um caranguejo (ou uma lagosta) vivo numa panela quente torna o prato mais saboroso. Paramim, é um ato selvagem. Mas não quero parecer hipócrita, pois sim, infelizmente, devo comer carne de frango, peixe, boi e porco que também são mortos de forma terrível. Mas acredito que a humanidade irá evoluir a ponto de um dia – quem sabe ainda neste século – somente matar animais sem causar dor e única e exclusivamente para suprir as necessidades nutricionais básicas. Quem sabe um dia, inclusive, nem matar animais seja mais necessário. Li em algum lugar que estão desenvolvendo a carne vermelha feita em laboratório, que tem o mesmo gosto da picanha do boi. Se isso se tornar acessível e popular, porque continuar matando bois?

Em suma, o que se quer dizer aqui é que a defesa da diversidade cultural nunca deve superar os direitos humanos, dos animais e da biodiversidade do planeta. Qualquer manifestação cultural que fira homens e bichos deve ser considerada intolerável. Isso soa radical? Pode ser que sim, mas quem sabe só assim homens, mulheres, crianças e animais consigam conquistar um futuro digno neste planeta que não é só nosso.

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