"Com esse cabelo e com essa cor, você nunca vai ser a rainha da primavera"

Relato é da médica Andreia Beatriz, que conta como foi apresentada ao racismo estrutural. Ela e o professor Hamilton Borges, diretores de “Genocídio e Movimentos”, falaram à TV 247

Andreia Beatriz e Hamilton Borges
Andreia Beatriz e Hamilton Borges (Foto: Divulgação)


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Por Ricardo Nêggo Tom, para o 247 - Um dos objetivos do racismo estrutural é dizimar o povo preto através das políticas de segurança do estado. Ao usarmos o termo genocídio, estamos chamando a atenção para esse projeto de extermínio existencial e físico desse grupo étnico. A médica de família e comunidade e com atuação dentro do sistema prisional, Andreia Beatriz conta que sua trajetória de militância começa ao chegar na Bahia, vinda do Rio Grande do Sul, seu estado natal. “Eu começo a minha história de militância dentro da organização política ‘Reaja ou será morto’, que começa em 2005 com uma história de enfrentamento ao genocídio do povo negro. E trazendo comigo a história de uma família preta do Rio Grande do Sul, começo a me organizar politicamente a partir daí. Porque o racismo para uma pessoa de pele escura nesse país, a gente desconhece quando ele não tenha sido apresentado. Esse racismo nos acompanha desde a escola, desde que começamos a circular pelos lugares, nos diálogos intrafamiliares, quando somos orientados a respeito do tratamento que iremos receber por sermos negros. E dessa maneira, começamos a entender como o mundo trata uma pessoa que tenha a pele escura e traços africanos”.

Sobre esse tratamento racista imposto pela estrutura social, a médica revelou uma situação de racismo a qual foi submetida na infância. “São episódios muito dolorosos e violentos, que se torna difícil não lembrar. Eu me recordo de inúmeros deles. O mais marcante ocorreu na ocasião de um evento chamado ‘Rainha da primavera’, quando eu ainda morava em Porto Alegre. Eu tinha 7 anos de idade e queria ser a rainha da festa, quando uma professora branca me disse que, ‘com esse cabelo e com essa cor, você nunca vai ser a rainha da primavera. Nem pede para ser’. Também me lembro de outras situações em que eu estava na rua com a minha família e éramos agredidos com palavras violentas ou quando eu e meu irmão éramos perseguidos por seguranças dentro do supermercado”. Com o foco voltado para o enfrentamento às ações policiais que resultam na morte de jovens negros, Andreia explica que passou a entender que “a brutalidade policial era um dos eixos do ódio racial direcionado aos negros, que a morte era um dado objetivo, mas que havia outras maneiras de enfrentar politicamente esse racismo.”

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A ideia do filme “Genocídio e Movimentos” surge a partir desse entendimento e dessa visão política de combate ao racismo. O ator, professor, escritor e ativista Hamilton Borges fala do apoio recebido para a realização desse projeto audiovisual. “Os apoios fundamentais que nós tivemos foram dos prisioneiros. Cada vez que a gente gravava dentro do sistema prisional, eles preparavam o melhor para nós comermos, cotizam a sua própria comida e dividem com a gente que vem de fora. Tivemos apoio das comunidades, nos levando nos locais e tendo a coragem de nos revelar a situação de genocídio que estava colocada e dizer os lugares onde ocorriam os fatos. A ‘Reaja’ abriu esse precedente. Porque as pessoas só falavam dos desaparecidos forçados da chamada democracia, os desaparecidos na ditadura, que, invariavelmente, eram pessoas brancas. Mas nós começamos a descobrir várias covas rasas, vários cemitérios clandestinos. O apoio do grupo ‘Das Lutas’ foi muito importante, porque repercutia o processo de violência que estávamos sofrendo nas ruas, diante de uma polícia que queria nos esmagar. Encontramos cemitérios clandestinos, fizemos o georreferenciamento desses locais e entregamos às autoridades que nada fizeram. Nunca tivemos apoio de instituições públicas e nem da justiça.”

Hamilton também cita a parceria com o diretor e roteirista Luís Carlos de Alencar, que também assina a direção do filme. “Esse encontro nosso com o Luís foi diferenciado. Porque nós não somos simpáticos a qualquer tipo de abordagem que queira fazer drenagem da nossa vida política e do nosso capital político. Tínhamos uma desconfiança com relação a isso. Mas ele foi comprovando e provando ao longo do tempo, que estava ali para fazer algo compartilhado. Por isso, essa generosidade de termos uma direção compartilhada entre três pessoas. Na verdade, são três pessoas porque não contamos todos. Porque nós contamos as mães e, sobretudo, os mortos. Porque nós só existimos e estamos nessa luta, porque pessoas foram assassinadas, tiveram suas cabeças arrancadas, foram torturadas e viveram a pior desgraça que se pode imaginar numa situação de democracia, num país que prega o mito da democracia racial”. O diretor também sugere uma reflexão para os próximos governos de esquerda, que, na sua visão, pouco se diferem dos governos de direita e de extrema direita no que diz respeito às políticas de segurança pública, para que eles não deem sequência a esse genocídio estrutural do povo negro.

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