Coelho, coelho

Humoristas politicamente incorretos, que ganham dinheiro satanizando gays, negros, nordestinos ou judeus, dispõem apenas de suas piadas



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Jorge Luis Borges, o bruxo da Caille Maipu, apoiava a ditadura argentina. Não levou o Nobel, conta-se, porque disparou que a única contribuição da África para a civilização ocidental foi “a escravidão e os ritmos lascivos”. Nelson Rodrigues apoiava os militares, e ao mesmo tempo era xingado pelos comunas. Arthur Schopenhauer, filósofo predileto de Einstein, emprestou sua luneta para que um fiscal prussiano acertasse tiro na cabeça de um revolucionário. Georges Lemaitre, um padreco belga, foi o primeiro a defender a teoria do Big Bang. Einstein, gênio, militante político pacifista, foi capaz de negar carta de recomendação a judeus perseguidos. Karl Marx criou a expressão “dirty jewish”. Bram Stoker, criador de “Drácula”, descreveu o rosto do vampiro em cima das feições do escritor Oscar Wilde, porque não gostava de gays.

O que nivela os destinos desses gênios? Já que aprendemos a tolerância aos poucos, como aprendemos a controlar o esfíncter, aprendemos a tolerar que o homem é uma coisa e sua obra é outra. Karl Max foi o primeiro a demonstrar isso naqueles documentos chamados "Cartas à Madame Harckness". Tais missivas constituem o mais reluzente relicário da estética marxista. Madame Harckness escreve a Marx. Pergunta se ele não gostava das peças de Lassalle, advogado e militante comunista. Marx respondeu que não lhe engole as peças de teatro, a que chama de "libelos". Diz à madame que prefere Balzac, sabidamente um conservador, mas cujas obras são libertárias. "O realismo venceu sobre Balzac", diz Marx.

O prêmio Nobel de literatura sempre negou esse tipo de diferenciação: acham que homem deve ser igual a obra. Eis porque, até a vitória de Mario Vargas Llosa, tecnocrata centrista, politicamente falando, o Nobel sempre ia para marxo-católicos e comunas (o parlapatão medieval Saramago e El Gabo constam dessa gavetinha). Nesse sentido, o Nobel deu a mãos ao câncer, que também evolui...

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Em 1996 este repórter esteve com Jim Davies, criador do Garfield. Ele se postava radicalmente contra o politicamente correto. Referia que o humor nasce da diferença. “Se você é azul e eu rosa, é óbvio que vou dar risada de você, porque você é diferente. Garfield tira um sarro de Odie porque ele é muito diferente”, disse.

Os instrumentos de tolerância do politicamente incorreto vieram, até agora, balizados, na alta esfera da crítica literária: que sempre defendeu que o homem deve ser visto com uma coisa, a obra como outra.

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O Nobel sempre foi contra isso porque achava que a obra é um duplo da vida do autor, ou vice-versa, como num jogo de espelhos. Essa tradição de ver duplos é antiga: o duplo foi lançado em 1796 por Jean-Paul Richter, sob a designação alemã de doppelganger, que pode ser traduzido como "aquele que tenho de lado" ou ainda "companheiro de estrada". Virou moda, em literatura: mas já estava no Plauto de Os menecmas (206 A.C.), no Shakespeare de Comédia de erros (1592), e veio para o Retrato de Dorian Gray, de Wilde (1891), e para o conto O outro, de Jorge Luís Borges (1975).

Tolerar que gênios falem bobagens ou pratiquem pequenas barbaridades é uma abolição gerada pela obra do gênio.

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Não consta do ar nenhum perdão a humoristas politicamente incorretos, que ganham dinheiro satanizando gays, negros, nordestinos ou judeus, porque nada eles dispõem além de suas piadas. Suas almas não contém mundos, apenas chistes. Mas, repetindo: a tolerância é algo que aprendemos aos poucos, como aprendemos a controlar o esfíncter.

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