Antônio Vieira, o padre treloso

Se você acha os padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo saidinhos demais, reveja seus conceitos aqui



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Faz tempo que tento emplacar “treloso” num título, e a oportunidade não poderia ter se apresentado de forma melhor. Não apenas porque o padre Antônio Vieira era de fato encrenqueiro, mas porque boa parte de suas trelas ocorreu no nordeste brasileiro, onde o termo em questão faz mais sentido do que em qualquer outra parte do país — e eu aproveito pra voltar pro Recife, embarcado na nostalgia. Se você acha os padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo saidinhos demais, reveja seus conceitos em “Antônio Vieira, jesuíta do rei” (Ronaldo Vainfas, Perfis Brasileiros, Cia. das Letras, 2011, 352 p.).

Se a melhor forma (ou mais fácil) de admirar Antônio Vieira é ler seus célebres sermões, é na compulsiva atuação política do padre que mora a saudável relativização do gênio. O religioso que, não se assuste, ainda hoje pode ser capaz de lhe convencer sobre a legitimidade da escravização de africanos, tinha uma queda por intrigas de poder, das quais invariavelmente saiu mal.

Ainda assim, Vieira praticamente governaria Portugal por dez anos, enquanto principal conselheiro do rei dom João IV. Durante os anos 1640, o padre ganharia o status informal de chanceler português e, seja pela falta de habilidade política de Vieira ou pela situação complicadíssima em que Portugal se encontrava, o resultado dessa diplomacia está longe de ser o maior de seus legados.

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Que sirva de aperitivo se você for ler o livro e de informação se o assunto não lhe interessar mais: Antônio Vieira chegou a se posicionar contra a Igreja, contra o próprio Papa, ao encampar, em favor da recuperação econômica de Portugal, a causa dos judeus portugueses, impossibilitados de viver no país sob o risco permanente de serem condenados pela Inquisição. E essa não foi a única confusão em que ele se meteu.

O padre tomou o partido dos cristãos-novos (os judeus, que não podiam ser judeus em Portugal) de olho no dinheiro desses comerciantes, que poderiam ajudar a coroa portuguesa a sustentar suas disputas com a Espanha e com a Holanda — os holandeses haviam tomado Pernambuco dos portugueses anos antes. Vieira chegou a defender num célebre texto chamado “Papel Forte” que Portugal não tinha condições de enfrentar a Holanda pelo Nordeste brasileiro, e que seria melhor entregar de vez o território ou comprá-lo dos holandeses — tudo para poder concentrar forças na defesa de seu próprio território, ameaçado pelos espanhois.

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Esse tipo de comportamento não contribuiu para o prestígio do jesuíta na colônia, principalmente depois que os rebeldes brasileiros conseguiram expulsar os holandeses.

No fim da vida, Vieira ainda atacaria de profeta, ou melhor, historiador do futuro, o que soa ainda mais pretensioso. Com base em textos proféticos, o padre anunciaria o advento de um Quinto Império, governado por Portugal, na seqüência dos impérios dos Egípcios, dos Assírios, dos Persas e dos Romanos. O detalhe é que esse império português seria liderado pelo ressuscitado dom João IV. A brincadeira só não valeu uma punição maior para o jesuíta porque a Inquisição portuguesa não era uma instituição apenas religiosa e Vieira tinha lá sua importância política.

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O livro

E o que dizer, enfim, do livro se Ronaldo Vainfas? Que, por ter sido escrito por um historiador, pode soar enfadonho em algumas passagens, dada a riqueza de detalhes dispensáveis ao leigo. E que talvez seu maior pecado — indigno de punição pela Inquisição, diga-se — seja não ter dado mais atenção aos sermões de Vieira, algo perfeitamente justificado pela opção por tratar da militância política do padre e também pela extensão compacta do livro.

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Para complementar a leitura, portanto, vale ler os sermões, e tem edição nova na praça, editada também pela Cia. das Letras, pelo selo Penguin. “Essencial Padre Antônio Vieira” reúne sermões, cartas e textos proféticos que dão conta da riqueza da obra do jesuíta. Se você não tem disposição ou dinheiro para gastar com mais um livro, fica a dica: como a obra de Vieira data do século 17, está praticamente tudo disponível na internet, e os textos podem ser encontrados no www.dominiopublico.gov.br e no www.brasiliana.usp.br/vieira_sermoes.

Na próxima vez que passar pela estante de religião da livraria, portanto, vê se dá uma chance ao Antônio Vieira, que nasceu em Portugal, mas se criou por aqui. E fica a minha propaganda também para os religiosos. Todo mundo já leu Ágape, vai. Quer sentir Jesus Cristo na veia? Lê os sermões do padre Vieira.

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