Alphaville, de Godard, prevê e critica o mundo maquinário e tecnicista
Imagine uma sociedade em que um computador controla todos os movimentos sociais e os sentimentos das pessoas; esse é Alpha 60, computador de "Alphaville", máquina que faz projeções e cálculos para todos os destinos sociais; lançado em 1965 por Jean-Luc Godard, "Alphaville" (tradução de Cidade Alpha) é um filme que mistura ficção científica, com policial noir; leia crítica de Ricardo Flaitt para o 247
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Por Ricardo Flaitt, para o Brasil 247 – Imagine uma sociedade em que um computador controla todos os movimentos sociais e os sentimentos das pessoas. Esse é Alpha 60, computador de "Alphaville", máquina que faz projeções e cálculos para todos os destinos sociais.
Alpha 60, inventado pelo cientista Von Braun, faz parte de uma cidade fictícia, totalmente tecnicista, em que as pessoas têm de abrir mão de sua expressão individual em função de uma sociedade mecânica, lógica, científica.
Para destruir Alpha 60, o detetive Lemmy Caution infiltra-se na cidade. Lá, encontra um mundo novo, onde o pensamento é proibido. Sociólogos, professores, poetas, filósofos, ou seja, pensadores em geral, são relegados à marginalidade. Vivem quase que na clandestinidade.
Em uma cena marcante, um personagem fala ao detetive que constantemente o poder estabelecido ordena que se retirem palavras dos dicionários. São palavras que podem desencadear um sentimento, sensações que podem vir a ser sementes contra o sistema de uma sociedade técnica.
"Alphaville" (tradução de Cidade Alpha) é um filme que mistura ficção científica, com policial noir. Em preto-e-branco, a ausência de cor também retrata o tom da sociedade e daquelas vidas mecânicas.
O detetive Lemmy Caution infiltra-se nas esferas do poder de Alphaville. Todo "estrangeiro" tem de ser submetido a uma série de testes para fazer avaliações de perfil para que não infecte a sociedade criada pela máquina.
E é por meio dessas entrevistas que o detetive vai corrompendo o sistema lógico de Alpha 60. Lammy Caution se utiliza de metáfora e outras figuras de linguagem que fogem à compreensão da máquina Alpha 60, por mais que seja um ultracomputador, capaz de executar milhões de análises por segundo. Mesmo assim, os homens que projetam os computadores e como já disse Picasso, "computadores não podem sonhar como os homens".
No final de "Alphaville", o impiedoso computador Alpha 60 diz, com sua voz rouca, uma frase de Borges (Nova Refutação do Tempo), que poderia ser uma resposta: "o tempo é a substância mesma da qual sou feito. O tempo é o rio que me carrega, mas eu sou o rio: é o tigre que me rasga, mas eu sou o tigre: é o fogo que me consome, mas eu sou o fogo..."
Alpha 60 chega ao seu limite ao tentar compreender trechos de poemas. Por mais que processe, analise os sentimentos humanos, torna-se capaz de combinar elementos e sensações que escapam às máquinas, que só conseguem reproduzir com tamanha perfeição ao ponto de chegarmos a pensar que elas realmente pensam por si e tem sentimentos.
Como Alpha 60 diz: "mesmo se a significação das palavras e expressões não é mais percebida, uma palavra isolada ou um detalhe isolado num desenho podem ser entendidos, mas a significação do conjunto escapa. Uma vez que nós conhecemos um, nós acreditamos conhecer dois, porque um mais um é igual a dois. Nós esquecemos que antes é preciso saber mais".
Ainda que possa parecer devaneio, produto de filme de ficção uma máquina controlar as pessoas, quando voltamos os olhos para o mundo atual, em que a internet, computadores, redes, aplicados controlam nossos panos, mapeiam nossos gostos, processam dados de nossas vidas, constatamos que Alphaville retrata os tempos atuais e que caminhamos, freneticamente, para o controle da cognição, com máquinas pensando, já trabalhando nas indústrias, controlando-nos, tornando-nos reféns de forma invisível.
Assista ao trailer:
ALPHAVILLE
(Alphaville, Itália / França, 1965).
Direção e roteiro: Jean-Luc Godard.
Elenco: Eddie Constantine, Anna Karina, Akim Tamiroff, Valérie Boisgel, Jean-Louis Comolli, Michel Delahaye, Jean-André Fieschi, Christa Lang, Jean-Pierre Léaud, László Szabó, Howard Vernon.
Ficção científica / Drama / Mistério.
99 minutos.
PREMIAÇÃO
– Festival de Berlim: Urso de Ouro, no Festival de Berlim, por "Alphaville" (1965).
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