Agruras de um produtor cultural

Para idealizador do Homem da Marreta, em Brasília, dar tequila é investimento



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Quarta feira, 23:00 hs, Stadt Bier, em Brasília. Chope gelado ao som de uma banda que toca clássicos do rock. Há um pequeno burburinho na porta e produtor Thiago Freitas chega pra liberar a entrada de duas belas mulheres, mas antes precisa saber quem são: "Qual o nomes de vocês mesmo, gatas?" "Cicrana e Fulana", elas dizem. Ele vira-se para o segurança: "Qual o seu nome mesmo, grande?" "Beltrano." Ótimo, tudo resolvido: "Beltrano, libera aí a entrada de Cicrana e Fulana no evento!"

A gente sabe que não é fácil lembrar o nome de todo mundo e até o mais bem intencionado dos mortais já esqueceu o do interlocutor em alguma altura do campeonato. Ainda mais se estamos falando de alguém que tira uma grana – e se diverte, claro – fazendo festas. E principalmente se o Agave-azul se manifestar com freqüência. Explica-se: segundo letrados enciclopedistas, "o Agave-azul (Agave tequilana) é uma espécie de planta do gênero Agave e um importante produto econômico do estado mexicano de Jalisco devido ao seu papel como ingrediente principal no fabrico de tequila, uma bebida alcoólica muito apreciada."

No plano simbólico, o Agave-azul se manifesta como uma entidade: a logomarca da produtora nos apresenta um mexicano muito risonho e mal intencionado saindo como um gênio de uma dose tequila, ladeado por um punhado de sal e uma fatia de limão, com um grande martelo atrás das costas. O objetivo é claro e a metáfora cristalina: uma dose de tequila equivale a uma marretada. Com duas dela goela abaixo e uma paulada ao estilo AC/DC ou Led Zeppelin na orelha, você começa a entrar no clima da festa.

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É uma tradição do Homem da Marreta, idéia/empreendimento que os amigos Daniel Lemos, Luis Alberto Ramirez, Márcio Leal e Tiago Freitas bolaram alguns anos atrás. Nas festas, há para os primeiros a chegar até 100 doses de tequila. Thiago acredita que isso é um investimento: "A gente faz festa pras pessoas se divertirem. Já se deram ao trabalho de ir até o evento, então não custa motivá-las um pouco." A tática tem dado certo. Além das parcerias com casas de show da cidade para promover eventos como Capital do Rock e Keep Rocking, o Homem da Marreta tem um calendário de festas invejável e com nomes sugestivos.

Há tiradas como "Um por Todos, Todos Bebum" ou "Beba ao Entrar, Reze pra Sair." O calendário festivo brasileiro é lembrado com a "Festa do Trabalhador" e o "Chão João." Já o projeto "Num Mingambela"- neologismo inspirado em canção homônima de Luis Gonzaga – pende para o experimentalismo e a música tradicional brasileira. Mas a produtora O Homem da Marreta é definitivamente uma marca ligada ao rock. Os últimos meses do ano fecham com as raivosas "October Rock Fest", "Cachorro Louco" e por fim, em dezembro, o pertardo existencialista "Noel Não Vem." Não vai mesmo.

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"No começo, não tinha equipe de faxineiro. Era a gente que limpava tudo." Limpar resto de festa não deve ser um passatempo prazeroso, mas te faz ver uma ou duas coisas sobre a natureza humana: "No banheiro, é normal ficar tudo vomitado. Pia vomitada, privada entupida, chão todo melecado. Já vi banheiro feminino todo cagado." Ao ser perguntado se é fato ou lenda que as mulheres de hoje bebem mais do que homens, o produtor não hesita: "O mesmo tanto."

A molécula do álcool etílico (CH3 CH2OH) é mesmo um denominador comum na história da humanidade: a composição está presente no mais sublime espumante e na mais reles cachaça, no absinto dos poetas simbolistas e na seiva fermentada e destilada do Agave-azul, idílica fonte de marretadas. Homens e mulheres bebem em igual proporção o que mais sai na casa (o bar é gerido pela própria produtora, que prefere não terceirizar o serviço). "Cerveja em primeiro, claro. Depois tequila, vodka e uísque. A alta madrugada aumenta mais o consumo de destilado. E não esqueçamos do ´Vagalume Energético', drink feito de uma fórmula secreta a base de gim e que fica fosforescente na luz negra da pista de dança."

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Pergunto se é verdade que outras produtoras vendem bebida falsificada, causa da dor de cabeça (literal) de tanta gente que só queria se divertir. "Não duvido nada, mas é claro que não vou citar nomes nem nada."

Às festas do Homem da Marreta costuma comparecer um público médio de 900 ou 1000 pessoas, com picos de até 1500 seres humanos bebendo, flertando e se divertindo. A lotação depende de fatores como as outras opções do que rola na cidade, perspectiva não muito empolgante pra quem é jovem em Brasília, de modo que a produtora dificilmente tem prejuízo. "Se há um evento do pessoal do London Calling, Marreco, Moto Capital ou outras produtoras de rock na cidade rola um déficit de público na festa, mas há uma galera que sempre acaba indo" diz Thiago. Parece haver público pra todos, já que a população do DF é atualmente de quase três milhões de habitantes e tem uma das maiores rendas do país.

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"A equipe de uma festa, somando bar, bilheteria, montagem, desmontagem e operação é de cerca de 30 pessoas" estima. No começo tentaram algumas experiências com bandas, mas hoje predomina discotecagem ao som do bom e velho rock. Thiago faz questão de enfatizar isso. Faz sentido, porque na cena de Brasília há principalmente a festa Criolina, com uma pegada de música negra, e a London Calling, que toca rock inglês "alternativo." Já numa festa do Homem da Marreta você pode ter certeza que vai ouvir as pedras: AC/DC, Beatles e Led Zeppelin, muito punk rock e hardcore com The Clash e Ramones, sucessos dos anos noventa como Offspring e Nirvana e, pra catarse de quem foi adolescente em Brasília nos anos 90, umas pedradas dos Raimundos e Little Quail. Coisa pra quem gosta de ROCK e TEQUILA BARATA - "seis reais a dose, não existe isso em Brasília" - já que nem sempre se pode agradar a gregos e troianos, quanto mais Fulanas, Cicranas e Beltranos.

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