A vacuidade pirotécnica de Tarantino

Django Livre, a última besteirinha de Quentin Tarantino, tem um único mérito: despertar o interesse das novas gerações pelo western italiano, que foi realmente importante



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Django Livre (Django unchained, 2012), a última besteirinha de Quentin Tarantino, tem um único mérito: despertar o interesse das novas gerações pelo western italiano, que foi realmente importante.

Já a mixórdia pop de Tarantino, nem de longe o é. Óbvio rato de cinemateca, ele usa e abusa das referências do passado porque nada de significativo tem a dizer sobre o presente.

Seu estilo pode ser resumido em duas palavras: vacuidade pirotécnica. Ou seja, lembrando a frase imortal de William Shakespeare, são filmes que não passam de fábulas contadas por um idiota, cheias de som e fúria, significando nada.

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Django (d. Sergio Corbucci, 1966), do qual extraiu a matéria-prima, tinha pelo menos três sequências memoráveis:

a chegada do soturno Django (Franco Nero) a uma cidade decadente e enlameada, a pé, arrastando um caixão de defunto; o confronto com os 42 seguidores do Major Jackson (Eduardo Fajardo), quando afinal abre o caixão e dele retira uma providencial metralhadora giratória; e seus angustiantes esforços para adequar o colt às mãos feridas e encaixá-lo numa cruz, quando os últimos seis inimigos vêm chegando para o duelo final.

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Ou seja, apesar da produção barata e do elenco inexpressivo, Corbucci brilhou intensamente em três momentos, que até hoje estão entre os mais lembrados do bangue-bangue à italiana.

E, num momento em que os extremistas de direita eram bem mais atuantes e perigosos, teve a coragem de caracterizar os efetivos de Jackson como uma mistura de Ku Klux Klan (os capuzes e as cruzes queimadas) e Tradição, Família e Propriedade (os lenços vermelhos no pescoço).

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Já Django Livre, noves fora, nada vai legar quando cair no merecido esquecimento, dentro de alguns meses. Afora, talvez, as atuações marcantes de Christopher Waltz (Dr. King Schultz) e Samuel L. Jackson (Stephen), contraponto à inexpressividade de Jamie Foxx (Django) e à canastrice de Leonardo DiCaprio (Calvin Candle).

Spike Lee reclama do excesso de vezes em que os escravos são chamados de niggers. É a obsessão dos politicamente corretos, exigir que utilizemos eufemismos, como se o importante fosse mudar a forma como nos referimos às coisas do mundo, e não mudar o mundo...

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Muito pior para a imagem dos negros (se ninguém os chama de afro-americanos nas ruas, por que eu deveria fazê-lo, artificialmente, nos meus textos?) é um ex-escravo (Stephen) se tornar o serviçal mais devotado ao patrão e outro (Django), um vil caçador de recompensas.

É claro que a realidade é bem menos edificante do que a desejada pelos maniqueístas. Dizem, por exemplo, que os quilombolas de Palmares também possuíam seus escravos; e todos sabemos terem sido os próprios africanos que supriam os navios negreiros, vendendo os inimigos capturados nas guerras tribais.

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Mas, Tarantino vai além, atribuindo ao seu Django uma ignomínia extremamente repulsiva e sem base histórica (não há registro nenhum de negro atuando como caça-prêmios). E o que é pior, apresenta-a como perfeitamente justificável.

Da mesma forma, em Bastardos Inglórios (2009) ele fez a apologia das mais covardes execuções e das torturas mais hediondas, desde que impostas por guerrilheiros judeus aos militares alemães. Se o Brilhante Ustra fizesse um filme sobre DOI-Codi x resistentes, não diferiria muito...

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Mas não exageremos. Oportunismo e calculismo (busca descarada de succès de escandale) à parte, Tarantino quer mesmo é faturar alto, com o beneplácito da indústria cultural.

Então, passou longe, muito longe, de outra característica emblemática do western italiano, a simpatia pelas revoluções. Bater em cachorro morto (racismo, hitlerismo) é sempre mais conveniente.

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E até mais vantajoso, quando o presidente da República é negro.

Artigo publicado no blog Náufrago da Utopia

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