A peleja de Suassuna contra Joyce, Elvis e os demais Diabões

Opinião de Fernando Monteiro, um intelectual e artista, sobre o recifense que completou 85 anos neste sábado

A peleja de Suassuna contra Joyce, Elvis e os demais Diabões
A peleja de Suassuna contra Joyce, Elvis e os demais Diabões (Foto: Leo Caldas/Folhapress)


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Por Fernando Monteiro, especial para o Sul21- Conheci Suassuna quando ele completava 41, num almoço de comemoração no engenho São João, de Francisco Brennand. Foi em 1968, e, fazendo-se as contas, são mais de quatro décadas, desde aquela tarde na companhia do autor do futuro A Pedra do Reino (1971), do pintor anfitrião Chico e mais João Cabral de Melo Neto, Tomás Seixas, Renato Carneiro Campos e outros.

Contaram-se muitos "causos" naquele almoço, com o paraibano de Taperoá dominando a cena, a voz deliberadamente arrastada e uma verve que, ele mesmo me disse mais tarde, teria provavelmente assimilado daqueles palhaços de circos mambembes, lonas esburacadas sobre as caras mal pintadas dos comoventes clowns que, quase à luz da Lua e das Estrelas (com maiúsculas do gosto de AS), faziam suas graças primitivas com repetições de volta ao ponto de partida das histórias e as vozes forçadamente anasaladas que o narigão de Suassuna também favorece, ao arremedá-los, nas piadas com que costura as suas "aulas-espetáculos".

Continuei a vê-lo quixotesco, magérrimo, correndo, com as pernas compridas, a fim de alcançar o ônibus da linha "Cidade Universitária" (quando dava aulas na UFPE), porque, ele afirmava, era "melhor perder a dignidade do que a condução". Ironia da boa, levava os alunos ao riso... Mas, era bem menos engraçado quando o mesmo professor – de Estética – passava a ensinar que "José de Alencar é mais importante do que James Joyce" [SIC].

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Tudo bem, qualquer um tem o pleno direito de achar que o romancista de Iracema é mais importante (?) do que o autor de Ulysses, porém mais ou menos em particular, na intimidade cercada de xilogravuras de Onças Castanhas e Beatos e Príncipes-do-Vai-e-Volta etc. Já um professor de Universidade, em sala de aula, precisa ter cuidado quando se permite certas opiniões expressas diante da atenção basbaque de jovens estudantes tendentes a respeitar um mestre reconhecido – naquela altura – mais como o dramaturgo do Auto da Compadecida do que como o futuro autor do romance que, em recente tradução francesa, teve 200 páginas cortadas fora pelo editor, por serem repetitivas (e o tijolo A Pedra do Reino, na França, veio a reaparecer bem mais palatável, ao ser assim "enxugado". Ariano aceitou o corte, é claro).

Prossigamos. O sociólogo e músico Sebastião Vila-Nova sustentou acesa polêmica, aqui, com o ex-monarquista Suassuna, mas não por razões republicanas: Vila defendia que Tom Jobim não era apenas um "compositor a mais", praticamente medíocre, conforme Ariano considera o maestro. Caetano Veloso – que acha o escritor "o maior barato" – nunca se importou que o paraibano considerasse lixo tanto a Bossa Nova quanto a Tropicália (o que mostra que o "mano Cae" escolhe com muito cuidado contra quem deve dar os seus chiliques)...

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Ora, provavelmente pouca gente se deu conta, ainda, do que significa esse homem inteligente – e escritor do nosso tempo, porque AS não nasceu no século 19 – dizer que "execra" Elvis e o rock, os Beatles, o pop e tudo mais que não seja "Armorial", isto é, sertanejo de raiz seiscentista, ou da ancestralidade arcaica presente em violeiros, repentistas e no geral alto sertão profundo de antigos cangaceiros e fanáticos.

"Bom, Monteiro, o notável Ariano passou sua infância, já vimos, em Taperoá (PB), num armorialesco ambiente de cabras e xiques-xiques, e é disso que ele gosta. Pode não?" – alguém talvez se lembrasse de me perguntar.

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Certo. Porém, quando você se torna administrador da cultura, em duas, três gestões municipais e/ou estaduais, vosmicê é obrigado a esquecer onde diabo nasceu e quais são as suas preferências estéticas pessoais & gostos... eu responderia, na lata.

Não foi o que o taperoense fez. Ele sempre privilegiou o armorialismo, como secretário da Cultura, e todos em Pernambuco sabem disso. O "resto" fica de fora da sua cartilha (e do orçamento da pasta), devidamente ignorado pelo administrador público Ariano Vilar Suassuna. O grande "probrema", para mim, reside aí, no causo em tela, em palco, em circo, em estádio e aonde for. Um secretário da Cultura contempla o setor encarando-o em toda a sua diversidade, e não com uma particular visão pela qual até Chico Science seria "Francisco Ciência" (sério!), para ele, porque o aniversariante de hoje não é chegado a inglês nem aos apelidos... O que poderia soar até engraçado, caso radicalismos tão "fundamentalistas" não tivessem levado o Ariano inclusive à agressão (a socos) ao jornalista Celso Marconi, no antigo Teatro Popular do Nordeste, durante o intervalo de uma peça, na frente de todos, por motivo de uma crítica feita por Marconi à produção do filme A Compadecida, de George Jonas. Por incrível que pareça, Marconi é ainda mais magro do que Ariano – e até hoje eu penso que AS nunca teria levado tão longe as divergências (de ordem estética ou não) em face de um, vejamos, Maguila?...

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Bem, o assim doce Suassuna completa 85 anos. Já não esmurra ninguém. Parabéns. Vai ao Jô e o Jô chega a orgasmos de prazer ainda maior do que com seu pequeno bongô. Se Suassuna há tempos não publica nada de novo, esperemos que brevemente o faça, ou siga gozando de boa saúde para com isso voltar a ser mais um escritor talentoso em atividade do que uma figura "folclórica" no programa do Gordo.

Neste ano, já falaram em seu nome para o Nobel de Literatura (refiro-me ao nome de Ariano, não ao do Jô). Porque os brasileiros vivem querendo que algum nativo afinal conquiste esse caneco, traga "pra casa" a láurea, desfile em carro de bombeiro com o diploma dourado que o próprio Rei da Suécia entrega. No momento, nenhum escriba nosso (salvo Paul Rabitt!), preenche o pré-requisito básico, por exemplo, de possuir obras suficientemente traduzidas em "idiomas da alta cultura", para pretender aspirar à corrida nobelesca. Essa loteria literária não é bem como a Copa do Mundo, as Olimpíadas, os jogos de Fifas e Firulas. O Nobel não vem "na marra" ou "por jeitinho", embora tal prêmio tenha ido parar, às vezes, nas mãos de escritores ruins, porém fartamente traduzidos...

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País estranho, este. Pensando bem, talvez José de Alencar, na espécie de mitologia de emergência que Ariano Suassuna tentou criar para a pátria, seja mesmo o patrono patético de nossas patuscadas, dos romances indianistas até chegar ao romance da pedra pesada.

 

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